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Resposta do Governo à Covid-19 expôs lacunas nos direitos à saúde e habitação, aponta Amnistia Internacional (com áudio)

No relatório, a Amnistia Internacional aponta também que persistiram episódios de discriminação e racismo, e mostra as preocupações com as situações de violência contra mulheres e raparigas em Portugal.
  • Rafael Marchante/Reuters
7 Abril 2021, 07h50

A pandemia da Covid-19 levantou um véu sobre as principais fragilidades a nível nacional e mundial, que afetaram os mais vulneráveis e perpetuaram desigualdade, discriminação, opressão, abrindo caminho para uma crise sem precedentes.

O “Relatório da Amnistia Internacional 2020/21: O Estado dos Direitos Humanos no Mundo”, publicado, esta quarta-feira, analisou 149 países e faz uma avaliação abrangente das tendências dos direitos humanos a nível global em 2020. Em Portugal, o documento frisa como a pandemia veio exacerbar desigualdades já anteriores, e como a resposta do Governo à Covid-19 expôs lacunas nos direitos à saúde e habitação.

No que toca ao direito à habitação, continua a faltar acesso a habitação adequada para muitas famílias e, em contexto de situação pandémica, a Amnistia Internacional aponta como o apoio a pessoas em situação de sem-abrigo “foi largamente deixado às autoridades locais e a voluntários”.

Embora apontem como positivo a suspensão das execuções de hipotecas e despejos, até ao final do ano, “muitas famílias continuaram a não ter acesso à habitação adequada”, dizem. Na verdade, em março, a organização de direitos humanos refere que imediatamente antes de a suspensão estar em vigor, a Câmara Municipal de Lisboa despejou cerca de 70 pessoas que tinham ocupado habitação social por ausência de alternativas e a pelo menos nove famílias despejadas não lhes foi dada acomodação alternativa e tiveram de dormir em carrinhas, tendas ou vestíbulos de edifícios vizinhos.

O relatório revela também falhas na garantia dos direitos de refugiados, requerentes de asilo e migrantes, as quais ficaram especialmente visíveis no seguimento da morte de um cidadão ucraniano sob custódia do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Segundo os dados da Amnistia, o Governo recolocou apenas 72 menores não-acompanhado da Grécia, dos 500 que tinha comprometido a receber.

Ainda dentro desta matéria, a Amnistia Internacional aponta que persistiram episódios de discriminação e racismo, e mostra as preocupações com as situações de violência contra mulheres e raparigas. Neste âmbito, foca-se o primeiro caso de acusação por mutilação genital feminina a ir a julgamento em Portugal.

https://jornaleconomico.pt/noticias/comissao-europeia-urge-portugal-a-reforcar-combate-contra-racismo-e-violencia-contra-mulheres-717525

O relatório da organização de direitos humanos, frisa que estes fatores foram também identificados noutros países, mostrando como as desigualdades existentes, “resultado de décadas de liderança tóxica”, deixaram minorias étnicas, refugiados, pessoas com deficiência, pessoas mais idosas, mulheres e crianças “desproporcionalmente afetados de forma negativa pela pandemia”.

A situação dos refugiados, requerentes de asilo e migrantes em muitos países, “já precária”, agravou-se aprisionando alguns em campos com condições degradantes, “cortando abastecimentos vitais ou precipitando controlos fronteiriços que deixaram muitos retidos”. Já no que toca à violência de género e doméstica, a Amnistia Internacional destaca o “aumento acentuado” de crimes contra as mulheres e pessoas LGBT+ a enfrentarem barreiras crescentes à proteção e apoio devido a restrições à liberdade de circulação, à falta de mecanismos confidenciais para as vítimas denunciarem violência enquanto estão isoladas com os seus abusadores e à redução de capacidade ou suspensão de serviços.

Aqueles que estão nas linhas da frente da pandemia — profissionais de saúde e os do sector informal — também sofreram devido aos sistemas de saúde deliberadamente negligenciados e de insuficientes medidas de protecção social. Em Portugal, a Ordem dos Médicos reportou que, durante o primeiro estado de emergência, mais de metade dos médicos tinham falta de equipamentos de proteção individual (EPIs). Até ao final de junho, esse valor era de um terço.

“Governos usaram pandemia como arma aos direitos humanos”

A Amnistia Internacional critica ainda as falhas dos líderes mundiais, apontando que a gestão da pandemia foi marcada por “oportunismo e deprezo total pelos direitos humanos”. A nova secretária-geral da Amnistia Internacional, aponta que as respostas dadas pelos governos variaram “do medíocore ao aldrabão, do egoísta ao fraudulento”, acusando-os de olharem para a Covid-19 como uma “oportunidade para consolidarem o seu próprio poder”, ao invés de “apoiar e proteger”.

Como exemplo, a responsável refere a Hungria, onde foi criminalizada críticas contra a Covid-19 ou os estados do Golfo, no Bahrein, no Kuwait, em Omã, na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos, as autoridades usaram a pandemia como um pretexto para continuar a suprimir odir eito à liberdade de expressão,

Além do oportunismo político, a pandemia veio a revelar as fracas intenções de cooperação internacional entre as principais economias mundiais, nomeadamente, os esforços do ex-presidente Donald Trump “para comprar a maior parte do fornecimento mundial de vacinas, deixando poucas ou nenhumas para outros países”, a perseguição das autoridades chinesas aos profissionais de saúde e jornalistas “que tentavam desde cedo alertar sobre o vírus, suprimindo informação crucial e ainda o G2O que se ofereceu para suspender os pagamentos de dívida dos países mais pobres, mas exigindo que mais tarde o dinheiro seja reembolsado com juros.

“A pandemia lançou uma dura luz sobre a incapacidade do mundo de cooperar efetivamente em tempos de extrema necessidade global”, reforçou Agnès Callamard.

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