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Rolf Wenzel: “Portugal aceitou um número de migrantes acima da quota-parte”

Dizendo que a reação xenófoba aos refugiados é como o génio que sai da lâmpada e não volta a entrar, o líder da instituição de apoio a projetos sociais elogia a “forma generosa” como Portugal respondeu.
4 Agosto 2019, 18h00

Presente em Lisboa para a reunião anual do Banco de Desenvolvimento do Conselho da Europa (CEB), o seu governador, Rolf Wenzel, falou com o Jornal Económico sobre os desafios que se colocam aos seus 41 países-membros e o contributo que a instituição fundada em 1956 pode dar.

Os programas do CEB em curso em Portugal visam sobretudo a reabilitação de escolas e apoio a micro, pequenas e médias empresas. É previsível que outras áreas passem a liderar num futuro próximo?
Depende da estratégia nacional de desenvolvimento. Estamos prontos a apoiar em todos os setores, com uma condição: têm que ser projetos com valor social. Não financiamos autoestradas, mas financiamos projetos para a adaptação climática. É um ponto importante no nosso mandato para promover a coesão social. Temos de ver quais são os desafios dos nossos países-membros e como podemos responder-lhes. As questões sociais ainda são um problema, tal como o desemprego – talvez não em Portugal, onde é baixo, mas na Europa Central é um grande problema. E os bancos ainda estão a equilibrar os balanços, pelo que o apoio a microempresas e às PME mantém-se na ordem do dia.

A maioria dos programas europeus ajudaram a concentrar a população portuguesa na faixa litoral, deixando a maioria do território deserta. O CEB pode contrabalançar essa tendência?
Primeiro temos de ver como é que a União Europeia vai reestruturar os fundos para ajudar a mitigar as desigualdades. É de desigualdades que falamos. Nas perpetivas económicas e nas oportunidades económicas. Quem não encontra emprego no campo precisa de ir para as cidades. O equilíbrio entre grandes centros urbanos e o resto do território tem de ser melhorado. Muitos países europeus estão a pensar nisso e precisamos de uma estratégia para investimentos em infraestruturas que tornem o interior mais atraente e capaz de reter população.

Grande parte da reabilitação urbana financiada com empréstimo do CEB decorre no Funchal. Espera que a cidade se torne um exemplo para outras no Continente ou nos Açores?
Estamos dispostos a trabalhar não só com o governo central, mas também com as regiões autónomas. Temos no pipeline de projetos o hospital do Funchal.

Até que ponto é que programas de inclusão social de migrantes podem ser uma ferramenta contra a ascensão de partidos populistas na Europa?
A Europa tem de encontrar uma resposta política e uma estratégia conjunta. Grande parte das pessoas que estão a chegar vêm de países destruidos por guerras civis, como o Afeganistão, Iraque e, em particular, a Síria. Mas não nos devemos esquecer de que também há um grande número a chegar à ilha italiana de Lampedusa que vem de África, um continente com população em rápido crescimento. As pessoas continuarão à procura de um futuro melhor mais a Norte. Portanto, a Europa terá de encontrar uma resposta política para lidar com os refugiados económicos. Ou através de apoios aos seus países, com maior auxílio ao desenvolvimento económico, ou aceitando que continuarão a chegar. São escolhas políticas. E isto pode levar à ascensão do populismo e nacionalismo. Vemo-lo nas fronteiras dos Estados Unidos.

Também o vemos na Europa. Na Itália, Alemanha, Hungria…
…Áustria, Polónia. E por vezes isso é apoiado ou iniciado pelos governos. Depois é como o génio que sai da lâmpada e já não volta a entrar. De repente há pessoas a manifestarem-se por acharem que os governos não estão a fazer o suficiente para impedirem a chegada de mais migrantes. E aparecem nos Balcãs mesquitas e escolas islâmicas financiadas por países não europeus e as pessoas acabam por ser radicalizadas. Se não têm perspetivas económicas, e saem dos seus países e chegam aos nossos, onde talvez não sejam bem-vindos, depois temos de combater a radicalização.

Sem inclusão económica e social haverá sempre ressentimento?
Precisamente. Todos queremos o mesmo: uma família, um bom emprego, ver futebol, ter um automóvel e uma casa. Há que dar perspetivas às pessoas de que tudo isso é possível se tiverem uma boa educação. Há que integrar e ser capaz de contribuir para a economia do país. Afinal de contas, os países europeus têm uma população envelhecida. Quem vai pagar as nossas pensões? Não estou a dizer que as migrações são a única solução, mas fazer com que sejam empregáveis, dando-lhes uma boa educação em tempos de digitalização e inteligência artificial, é a chave. Mas pessoas com vinte e tal anos não querem voltar à escola. Isso é um grande desafio. E nenhum governo o resolverá sozinho.

Portugal teve uma experiência dramática mas que acabou por ser positiva, ao receber 800 mil pessoas vindas das ex-colónias em África nos anos 70.
Dez por cento da população portuguesa nessa altura.

Tendo isso em conta, e as necessidades demográficas, Portugal deveria estar a contribuir mais para resolver a crise dos migrantes?
Encorajo muitos países a fazerem mais, mas penso que Portugal já aceitou um número de migrantes, num contributo para a política europeia, que foi para lá da sua quota-parte. Portugal fez um esforço extraordinário e não me cabe avaliar a sua motivação. Certo é que respondeu de forma generosa.

De qualquer forma, Portugal terá uma das percentagens mais reduzidas de refugiados no total dos residentes…
Os refugiados creem que o paraíso está na Alemanha ou na Suécia. Talvez estejam equivocados, mas tendem a ir para onde já existe uma comunidade razoavelmente grande. Talvez seja parte da questão. Outros países dizem-me que gostariam de ter mais migrantes a chegar e a ficar, pois perderam parte significativa da população, como a Bulgária e a Roménia, devido à crise financeira. Estão dispostos a acolher migrantes, mas estes preferem ir para a Suécia.

Alguns membros do CEB são países-alvo e outros não. Quais são as diferenças?
Desenvolvemos o conceito de países-alvo nos anos 90, quando a Cortina de Ferro caiu e os países da EuropaCentral e do Leste se juntaram às instituições europeias, e não mais o deixámos, mas nunca rejeitamos um pedido de empréstimo de um país, seja ou não país-alvo, desde que cumpra o critério que para nós é o mais importante: que o projeto tenha valor social. É difícil ver, por si só, o valor social de uma autoestrada. Mas é muito mais fácil ver o valor social de um hospital.

Como vê o CEB daqui a 20 anos?
Maior, mais forte e ainda necessário.

Artigo publicado na edição nº1998, de 19 de julho, do Jornal Económico

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