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Sapatos de Madeira

Os clubes da SuperLiga avançaram com um anteprojeto que se propunha gerar “mais de €4,0 bilhões por temporada, com a difusão global e direitos associados aos patrocínios”. De salientar que esse valor é aproximadamente o dobro da atual Liga dos Campeões, que a SuperLiga pretende superar, como a principal competição de clubes do continente Europeu.
10 Maio 2021, 07h15

Sabotagem! Gritam Elas e Eles[1]

Ainda o vírus anda a deambular entre as pessoas dos diferentes continentes; e eis que o futebol dá um pontapé na letargia global.

Considerado o desporto rei, está disseminado pelos 4 continentes – Europa, África, Ásia e América -, cativando o interesse de 43% das pessoas, seguido pelos 36% do Basquetebol, sendo este fenómeno localizado essencialmente na América, relegando para um plano secundário os demais desportos com uma alta cobertura mediática, como o Atletismo, o Ténis, o Automobilismo, o Motociclismo, o Golf e o Rugby, entre outros[2]. A popularidade do futebol, traduz-se em 3,2 biliões de seguidores e gera anualmente rendimentos estimados em $33 biliões de dólares americanos, 2/3 dos quais produzidos pelo futebol europeu[3].

Foi neste quadro de popularidade e impacto económico, que doze dos principais clubes europeus[4] anunciaram a criação de uma superliga, subscrita por 15 clubes. Na prática, os clubes da SuperLiga avançaram com um anteprojeto que se propunha gerar “mais de €4,0 bilhões por temporada, com a difusão global e direitos associados aos patrocínios”. De salientar que esse valor é aproximadamente o dobro da atual Liga dos Campeões, que a SuperLiga pretende superar, como a principal competição de clubes do continente Europeu. Em termos de competição, saliente-se, ainda, que a proposta assentava numa competição “fechada”. i.e., as equipas têm a sua vaga garantida todos os anos, estabilizando as receitas e garantindo lucros para os proprietários. Alguns dos principais “arquitetos” da proposta SuperLiga, como Manchester United, Liverpool e AC Milan, têm proprietários americanos, estimando-se um custo de lançamento de €3,25 biliões, financiado por um acordo de dívida subscrito pelo banco de investimento americano JPMorgan Chase.

É neste âmbito que convém aqui recuperar os ensinamentos de Thorstein Veblen e a “Teoria da Empresa de Negócios”, relembre-se escrita em 1904, no epílogo da 1ª Revolução Industrial. O autor distinguia a “Economia Monetária” da “Economia de Crédito”, estando a primeira associada à relação clássica entre o bem-estar da comunidade e o mercado de bens, designada monetária apenas pela utilização do dinheiro no mercado, enquanto na segunda o domínio está no “mercado de capitais (capital market)”, que “faz e identifica a economia de crédito”. Nesta perspectiva, o “capital de negócios” representava a “capitalização da capacidade de ganho presumido”, bem distinto do “efetivo capital industrial”, o agregado de equipamentos e materiais envolvidos no processo industrial.

Compreende o “goodwill”[5] e o “crédito que pode ser obtido a partir do capital industrial e outras propriedades não-industriais como colaterais”. A “putativa capacidade-ganhos” está sujeita a diversas flutuações, dado que resulta da confluência de um sem número de variáveis incontroláveis, tecnologia e inovação, gostos e rendimentos dos consumidores, entre outras; algumas da própria evolução do mercado de bens, concorrência e produtos sucedâneos nomeadamente, como bem sabemos a partir do nosso quotidiano. Quando cresce a expectativa, esta pode ser capitalizada em crédito e no mercado de capitais para estender o negócio, mas, a prazo, advirá seguramente a crise, dada a “discrepância entre o capital industrial e de negócio”. Uma crise de liquidez pela incapacidade em solver os créditos.

Em mente temos ainda a crise financeira de 2008-09. Resta a perplexidade que sentimos, como a partir de créditos à habitação se criaram produtos financeiros transacionáveis no mercado de capitais, posteriormente vendidos a particulares e organizações, sem qualquer ponderação de risco. Sabotagem, diria Veblen, (em 1904). A sabotagem deriva da palavra francesa “sabot”, um sapato em madeira e percebemos que pretende descrever uma “manobra de desacelerar, ineficiência, caçado, obstrução”, que nos negócios de hoje associa-se também a manter “uma vantagem competitiva ou posicionar-se melhor que os concorrentes” e constitui um instrumento incontornável para análise das muitas das crises do sistema capitalista contemporâneo, principalmente as relacionadas com o sistema financeiro, muito mais que as teorias de mercado e da economia comportamental[6].

No futebol não fomos sujeitos passivos da transformação, gritamos bem alto “Sabotagem”. Governantes, Instituições Nacionais e Internacionais, nomeadamente a UEFA mais a FIFA, por diferentes razões, ouviram bem. Mas, custa a entender que só aconteça com o futebol, quando o fenómeno se banalizou e está difundido por todos os setores de atividade.

[1] Amantes do Futebol Unidos. As referência a Veblen, T. estão suportadas no artigo de Wray, I. Randal “Veblen’s Theory of Business Enterprise and Keynes’s Monetary Theory of Production”, June 2007, “Journal of Economic”
[2] Worldfootball Report, 2018, Nielsen Sports.
[3] Revenues: “The Sport Market”. AT Kearny. Based on the Sports Events Market – Ticket sales, Media, Marketing. “Global sporting events market revenue by region and sport”, Statistica.
[4] Espanha (3): Real Madrid, FC Barcelona e Atlético de Madrid, Itália (3): Juventus, Inter Milão e AC Milão; Inglaterra (6): Manchester United, Chelsea, Liverpol, Totenham, Arsenal, Manchester City
[5] Trespasse (goodwill): corresponde a benefícios económicos futuros resultantes de activos que não são capazes de ser individualmente identificados e separadamente reconhecidos. NCRF 14 – Concentrações de Actividades Empresariais, Comissão de Normalização Contabilística. http://www.cnc.min-financas.pt/_siteantigo/SNC_projecto/NCRF_14_concentr_activid_empresariais.pdf.
[6] N., Anastasia and P., Ronen, “Sabotage, The Business of Finance”, 2020, Penguin Book.

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