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Sarajevo: a barbárie chegou à cidade há 30 anos

Em plena Europa, a guerra nos Balcãs, ou uma sucessão de guerras, depois da implosão da Jugoslávia lembrou aos europeus que a paz costuma ser pouco mais que um intervalo. Voltou a acontecer com a Ucrânia e pode bem voltar a acontecer novamente nos Balcãs.
6 Abril 2022, 18h15

Hoje, o céu sobre Sarajevo está com nuvens mas não ameaça chuva e a temperatura está amena, rondando os 19 graus – há precisamente 30 anos aquele mesmo céu encheu-se das nuvens mais negras que alguma vez os seus habitantes puderam olhar e só muitos anos depois o sol voltou a brilhar, mas não para todos.

Em 6 de abril de 1992, as forças sérvias bósnias (atualmente enquadradas na federação da Bósnia-Herzegovina), unidades do exército jugoslavo (país que na prática já só era formado pela Sérvia e pelo Montenegro) e paramilitares que se revelariam capazes de uma selvajaria infra-humana, iniciaram o assédio a Sarajevo, que se prolongaria durante 44 meses, até 29 de fevereiro de 1996.

Cerca de 350 mil habitantes ficaram encurralados e as condições de vida acabaram por degradar-se rapidamente, com atiradores furtivos a assassinarem os seus habitantes de forma gratuita e bombardeamentos quase diários.

Com o início da desintegração da ex-Iugoslávia em 1991 (com a independência da Croácia e da Eslovénia, rapidamente ‘carimbada’ pela Alemanha), os líderes nacionalistas bósnios sérvios como Radovan Karadzic e sérvios como Slobodan Milosevic tinham como objetivo principal fazer com que todos os sérvios – espalhados por todas as repúblicas que formavam a antiga Iugoslávia – vivessem num mesmo país.

Em fevereiro de 1992, o povo da Bósnia-Herzegovina decide em referendo pela independência da República Socialista Federativa da Iugoslávia, numa votação boicotada pelos bósnios sérvios. A secção do Exército Popular Iugoslavo na Bósnia-Herzegovina foi fiel ao referendo realizado, enquanto os sérvios formaram o Exército da República Sprska.

No início, os sérvios ocuparam 70% do território da Bósnia-Herzegovina, mas a união de forças do Conselho de Defesa da Croácia e do Exército da República da Bósnia-Herzegovina fez a guerra tomar outro rumo e as forças sérvias foram derrotadas na batalha da Bósnia Ocidental.

O envolvimento da NATO em 1995 contra posições do Exército da República Sérvia internacionalizou o conflito, Os líderes sérvios assinaram o armistício e a guerra terminou oficialmente com a assinatura do Acordo de Dayton em Paris, em 14 de dezembro de 1995.

Entretanto, e para além de todas as atrocidades – na verdade cometidas pelos dois lados da guerra mas em muito mais larga escala pelo nado sérvio – o cerco a Sarajevo acabou por ser a face mais visível da primeira guerra em solo europeu a seguir ao fim da II Guerra Mundial, em 1945.

A guerra durou pouco mais de três anos e causou cerca de 200 mil vítimas entre civis e militares e 1,8 milhões de deslocados. A maioria das vítimas foram muçulmanos bósnios, muito à frente dos sérvios e dos croatas: entre as vítimas civis, 83% eram bósnios, 10% sérvios e pouco mais de 5% croatas, para além de albaneses e do povo Romani (cigano). Pelo menos 30% das vítimas civis bósnias eram mulheres e crianças.

De acordo com um relatório de 1995, 90% dos crimes de guerra foram cometidos pelos sérvios. A partir de início de 2008, 45 sérvios, 12 croatas e quatro bósnios foram condenados por crimes de guerra por uma secção especial do Tribunal Penão Internacional, criada para as guerras balcânicas da década de 1990.

Era evidente que alguém haveria de lembrar Sarajevo 30 anos depois, fazendo o paralelo com o que se passa por estes dias na Ucrânia. De algum modo, os dois lugares medonhos são metástases diretamente criadas pela queda do Muro de Berlim, em 1989. Mas isso importa pouco: o verdadeiro paralelismo que vale a pena acentuar é que estão de regresso, como em 1992, as ameaças independentistas da República Sprska – uma entidade que verdadeiramente ninguém sabe ao certo o que é. E isso, como afirmam vários especialistas em diversos fóruns, pode fazer regressar a guerra à sempre martirizada zona dos Balcãs Ocidentais. E desta vez a União Europeia não vai conseguir passar ao lado, como se não fosse nada com ela.

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