Pedro Nuno Santos é o primeiro subscritor de uma moção sectorial, com sabor a estratégia global, ao Congresso do PS, “Por uma Social-Democracia da Inovação”, que taxativamente aponta no sentido de uma Economia da Inovação.

1. Esta tese tem caminho feito. Não tanto entre nós, mas em algumas Universidades estrangeiras e de forma bem estruturada, sobretudo pela mão de Mariana Mazzucato, ilustre economista de origem italiana e professora de Economia e Inovação em Londres, uma acérrima defensora de um Estado empreendedor, forte e inovadorNos seus livros e intervenções, que são muitas pelo mundo, defende com afinco a ideia de Estado empreendedor e determinante em certos domínios como o da inovação. Para ela, o Estado empreendedor não é o sector público em combate com o sector privado, mas um Estado com efeito catalisador e motor do desenvolvimento económico, assente na inovação.

Há cerca de um ano, Mariana Mazzucato esteve em Portugal, numa reunião do BCE, realizada em Sintra. Foi das poucas vozes discordantes nessa reunião sobre o papel do Estado na economia, pois a grande maioria dos participantes defendia o Estado mínimo, o Estado da actuação marginal na economia, que apenas deve aparecer para colmatar as falhas de mercado.

Mas vai mais longe. Afirma que o Estado no seu todo, através das Universidades e dos outros instrumentos de política pública, é quem desempenha o papel crucial na inovação do país. E será sempre assim, em sua opinião, pois os privados arriscam pouco e o processo de inovação em si exige tempo, acarreta insucessos e, por isso, apresenta elevados riscos. Daí que sejam os Estados, através dos diferentes mecanismos de políticas públicas, a desempenhar o papel crucial na criação de condições necessárias a um novo tecido económico produtivo da economia.

Diz inclusive que há inovações que levam 20 anos a atingir o sucesso e afirma – como o fez alguma comunicação social especializada do nosso país aquando da sua passagem por Lisboa – que todos os megassucessos globais nas grandes farmacêuticas, na Internet, etc., só aconteceram porque o Estado esteve presente e desempenhou um papel-chave, dando como exemplo os EUA, em que tudo tem por base o Estado, seja na parte civil seja na militar.

A apropriação final dos resultados económicos do processo de inovação é uma outra questão a que ela responde mais ou menos da seguinte forma: acusa “os privados de ficarem com os lucros e os louros e de não os partilharem com quem os apoiou crucialmente, os contribuintes”. Esta forma de encarar o problema faz toda a diferença. Com falsos argumentos levou à situação hoje dominante, muito do agrado do sector privado, de apropriação indevida de tudo quanto é gerado, apesar do apoio decisivo do sector público.

Sobre o investimento estrangeiro que muitos países tentam atrair através de meros incentivos fiscais, Mariana Mazzucato afirma que só pelos incentivos não se gera desenvolvimento económico sustentável, porque se aparecer outro país a oferecer melhores incentivos, o investidor facilmente levanta ferro, deslocaliza o investimento, criando, assim, instabilidade económica. Por tudo isto, conclui, as condições globais a oferecer é que são determinantes e os incentivos apenas uma componente.

Recentemente, Mariana Mazzucato foi convidada para coordenar e produzir um trabalho para a União Europeia sobre esta temática, através do Comissário português Carlos Moedas. O trabalho, com data de 21 de Fevereiro de 2018, intitula-se: Mission-Oriented Research & Innovation in the European Union. Interessante seria a sua disponibilização em língua portuguesa.

2. Feita esta brevíssima resenha prévia à moção de Pedro Nuno Santos, no sentido de a contextualizar no ambiente mais global da Economia da Inovação, vamos um pouco ao seu conteúdo.

Anote-se que Pedro Nuno Santos, num dos artigos que publicou recentemente sobre a Moção, refere a inspiração dos proponentes da Tese ao Congresso nos trabalhos de Mariana Mazzucato.

Da leitura da moção denominada, como se referiu, “Por uma Social-Democracia da Inovação” fiquei com uma visão positiva. Acho-a bem estruturada nos seus três pontos, ainda que um ou outro seja menos conseguido: I – uma nova social-democracia; II – o papel do Estado numa Economia Inovadora; III – responder aos desafios sociais, ambientais e económicos através de Missões Colectivas.

No ponto I há um reconhecimento de que a social-democracia se afundou rotundamente na Europa. Adiantam-se algumas razões, entre elas, cito “a social-democracia não deve circunscrever-se à ideia que ao Estado cabe apenas a responsabilidade de proteger os mais fracos e reduzir as desigualdades… mas deve na sua acção ser um mecanismo de redistribuição de rendimento… mas também de desenvolvimento e inovação socioeconómica. Estas duas actuações não podem, no contexto de uma nova social-democracia, ser desligadas”.

Refere ainda que, primeiro, não soube responder primeiro aos desafios da globalização e, segundo, que a UE sucumbiu perante o Estado minimalista e, assim, deixou de se distinguir das correntes neoliberais. Em Portugal subtende-se que não soçobrou porque a ‘geringonça’, de algum modo, a “amparou”. A leitura é minha, talvez um pouco forçada, mas não abusiva.

O ponto II é, para mim, o mais conseguido. O papel do Estado no desenvolvimento da Economia da Inovação (a nova economia) que os autores da Moção preconizam está claro, fundamentado e numa visão actual.

Argumentam que o papel do Estado é fundamental numa economia de inovação porque, na linha defendida por Mariana Mazzucato, a inovação envolve incerteza e quanto maior ela for “maior é a necessidade de uma entidade que, através de instrumentos vários, a reduza e dê confiança às empresas para planear o futuro. Essa entidade é o Estado”.

Segundo, “a inovação depende de sinergias e complementaridades sistémicas: ela é o resultado da dinâmica de sistemas complexos que incorporam universidades, conhecimento, tecnologia, investimento, mercados, empresas de todas as dimensões e instituições e políticas públicas (nacionais e europeias). Exige, por isso, a identificação e a implementação de políticas com visão e escala sistémicas, cabendo ao Estado o papel de coordenação estratégica e de enquadramento da relação entre agentes cuja acção concertada, num ambiente de incerteza, é altamente improvável.”

Esta segunda parte explana bem as debilidades estruturais da economia portuguesa dizendo que “a demissão do papel do Estado na transformação do tecido produtivo é mais grave nesta situação”, pois a iniciativa privada, só por si, não consegue colmatar estas deficiências.

Na terceira parte, como instrumentos de política para tornar efectiva esta nova abordagem da concepção de Estado, sem dúvida teoricamente mais acutilante e mais sistémica, apresenta a “Missão Colectiva”, um conceito, no meu entender, ainda algo vago a merecer mais reflexão e melhores contornos. Aponto para já um aspecto crucial que é o do seu poder de acção e a sua relação com os respectivos ministros. Muito, muito a aprofundar. Mas, ainda antes de tudo, quem, como se definem as Missões Colectivas?

A Moção aponta várias sem dúvida indiscutíveis, mas não fala de uma basilar, a questão financeira e como todos sabemos tem sido por aqui que Portugal se tem descapitalizado e entrado na penúria. E uma pergunta final. Terá esta Moção, sem dúvida de esquerda, já raízes no PS?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.