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Sindicato dos estivadores denuncia “normalização da violência” no porto de Lisboa

A situação de conflito já dura há várias semanas e o processo de requisição civil decretado há quase três semanas pelo Governo para assegurar o abastecimento de produtos essenciais à área metropolitana de Lisboa, assim como às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, em vez de apaziguar o conflito, parece ter lançado ainda mais achas para esta fogueira.
  • Rui Minderico/Lusa
7 Abril 2020, 07h50

“Realidade verdadeiramente intolerável em Estado de Direito”, “contornos criminosos”, “salários em atraso”, “processo de agonia desenhado a régua e esquadro, “volume de tropelias [que] ganhou uma dimensão estratosférica”, “ruptura operaciomal do porto de Lisboa”, “episódios impensáveis”, “processos disciplinares”, “assédio continuado”, “intimidação”, “graves violações” por parte dos operadores portuários, incluindo “desobedecer ao próprio Estado de Emergência”, “violação do CCT [Contrato Coletivo de Trabalho] e da lei”, “contratação de seguranças da noite, parte deles eventualmente cadastrados”, “persistência e actual radicalização do comportamento danoso dos operadores” são as acusações lançadas pela direção do SEAL – Sindicato dos Estivadores e da Atividade Logística aos operadores portuários do porto de Lisboa num comunicado a que o Jornal Económico teve acesso.

A situação de conflito já dura há várias semanas, tendo o sindicato partido para a greve ainda em fevereiro. O processo de requisição civil foi decretado há quase três semanas pelo Governo para assegurar o abastecimento de produtos essenciais à área metropolitana de Lisboa, assim como às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, em vez de apaziguar o conflito, parece ter lançado ainda mais achas para esta fogueira.

De tal forma que  o referido comunicado do SEAL não se limita a atacar a posição dos operadores portuários que trabalham no porto de Lisboa, sendo as críticas extensivas ao Governo, nomeadamente à tutela do Ministério das Infraestruturas e da Habitação.

“Ainda que os responsáveis deste país continuem irresponsavelmente inertes, continuaremos a lutar pela dignidade do nosso trabalho e pelas condições necessárias para que estejamos capazes de servir o país como o país merece e não como estes patrões, com o beneplácito do governo, nos querem desprezar a todos, em nome de lucros futuros, ignorando as suas obrigações de serviço público, hoje, mais que nunca, essenciais”, assegura a direção do SEAL no referido comunicado.

De acordo com esse documento, “não aceitamos a normalização da violência a que os estivadores do porto de Lisboa têm vindo e continuam a ser sujeitos no exercido as suas funções, quando ainda por cima essas funções são vitais para o conjunto da sociedade, no tempo crítico que vivemos”.

Os estivadores do porto de Lisboa, e em particular os estivadores da AETPL – Associação-Empresa de Trabalho Portuário de Lisboa, detida pelo conjunto das empresas de estiva que são, simultaneamente, os seus únicos clientes, têm vindo a enfrentar uma realidade verdadeiramente intolerável num Estado de Direito, mesmo se vivêssemos um clima de normalidade biológica, mas que ganha contornos criminosos face aos desafios que a pandemia hoje nos coloca, coletivamente”, acusa a direção do SEAL.

Segundo este sindicato, “nos últimos 18 meses, os estivadores foram forçados a 18 meses de salários em atraso, pagos em meia centena de prestações, num processo de agonia que foi desenhado com régua e esquadro por todos os operadores, de forma a empurrar a AETPL para uma situação de insolvência, com a intenção, hoje manifesta e assumida na comunicação social, de abrir empresas clones ao lado, transferindo o passivo da empresa anterior para o Estado e procurando substituir trabalhadores que, ano após ano, têm esgotado o limite de horas extraordinárias definido pela lei, e que estavam debaixo de uma requisição civil por serem considerados trabalhadores indispensáveis para o bom funcionamento do porto de Lisboa”.

“O volume de tropelias ganhou hoje uma dimensão estratosférica, abominável de todos os pontos de vista, que vai acelerar a ruptura operacional do porto de Lisboa, criando um problema de abastecimento e de saúde pública perfeitamente evitável caso o governo se sentisse confortável a obrigar os patrões ao cumprimento da lei”, denunciam estes sindicalistas.

Para a direção do SEAl, “os terminais portuários começaram hoje a ser palco de episódios impensáveis, com a verificação de que os patrões estarão a contratar seguranças, quer para fazer o trabalho de estivadores, para o qual não têm qualquer habilitação, quer para, naturalmente, tentarem intimidar a metade dos estivadores do porto de Lisboa que ainda têm autorização para trabalhar, não obstante a catadupa de processos disciplinares com intenção de despedimento que caíram sobre a enorme maioria dos estivadores que, ainda assim, continuam a trabalhar 14 horas diárias para manter o porto de Lisboa a funcionar. A título de exemplo refira-se que o grupo turco Yilport, com excepção dos seus chefes de operações, um por empresa, avançou com um, dois e mesmo três processos disciplinares para despedimento contra a totalidade dos seus estivadores profissionais, com décadas de actividade”.

“A par da violação do CCT e da lei, que proíbem que o trabalho de estiva seja feito por pessoal não habilitado, a par da recuperação dos métodos da intimidação e da contratação de seguranças, eventualmente cadastrados, para intimidar trabalhadores, a par da catadupa de processos disciplinares que pode deixar diversas empresas de estiva sem qualquer estivador, os operadores estão a cometer uma das mais graves violações que cometeram até hoje, que passa por desobedecer ao próprio Estado de Emergência ao tentarem levar a cabo ações de formação, à revelia do que que está permitido, que como é público só autoriza a que se saia de casa para trabalhar, estando fechadas as escolas e, assim, proibidas quaisquer atividades letivas ou de formação, ainda para mais juntando dezenas de alunos em ambiente fechado de sala de aula”, asseguram os responsáveis do SEAL.

O sindicato liderado por António Mariano assinala ainda: “achamos inconcebível e continuaremos a atuar por todos os meios legais ao nosso alcance para derrotar as intenções de patrões que têm levado a cabo assédio continuado aos estivadores da AETPL, por forma a que uma parte deles assine pelas novas empresas paralelas que criaram, enquanto tentavam levar a AETPL à insolvência”.

“Este assédio foi acompanhado de ameaças por parte de administradores do Grupo ETE que, há dias, se fizeram acompanhar por guarda-costas nos seus terminais, e que aparentemente contrataram um grupo de seguranças da noite, parte deles eventualmente cadastrados, violando os requisitos básicos de trabalho numa unidade industrial que é uma fronteira internacional,  unicamente com o objetivo de aumentar a intensidade da intimidação sobre os trabalhadores”, avança o SEAL nas suas acusações, acrescentando que, “ao contratar guarda-costas, eventualmente cadastrados, para coagir os trabalhadores, os patrões da estiva recuperam a lógica de contratações que era useira e vezeira no tempo do Estado Novo, onde a estiva era frequentemente o destino de ex-presidiários que o regime arregimentava para manter sob controlo este sector de actividade recorrendo aos piores métodos de controlo e repressão laboral”.

“O Estado de Emergência não pode ser utilizado para promover o despedimento em massa dos estivadores em Lisboa ao invés de promover o serviço publico e o abastecimento das populações numa altura critica como a que vivemos. A suspensão de direitos, liberdade e garantias com o argumento de que todos os estivadores são necessários para o porto de Lisboa funcionar, não pode continuar a esbarrar num ‘lockout’ patronal que já seria criminoso fora do perigoso combate biológico em curso. Não podemos aceitar que o Estado de Emergência seja forte com quem tem que trabalhar, e fraco com quem, nem debaixo de ameaça biológica, deixa de colocar as estratégias empresariais e a maximização do lucro à frente da vida dos trabalhadores e da defesa do abastecimento e da saúde pública de toda a população”, advoga a direção do SEAL.

O sindicato dos estivadores assinala que, “face à persistência e atual radicalização do comportamento danoso dos operadores no que à gestão da mão de obra diz respeito, face à iminente ruptura operacional do porto de Lisboa, temos vindo a defender que seja o governo, por via da APL, a gerir temporariamente a gestão da mão de obra enquanto durar a pandemia, que se permita que todos os estivadores profissionais de Lisboa se apresentem ao trabalho, que sejam feitas equipas rotativas que impeçam um contágio generalizado de todo o efetivo portuário, obrigando os patrões a adiarem o seu projecto de extermínio do SEAL, quando os sócios do SEAL apenas têm em mãos a responsabilidade diária de abastecer o país de todo o tipo de bens que, do retalho à saúde, não estamos em condições de deixar reféns de três grupos empresariais irresponsáveis, dois deles com sede fora do nosso país e um deles controlado de fora da União Europeia”.

Esta é uma situação de conflito laboral no porto de Lisboa que começou antes do surto de pandemia. E se não se sabe quando esta pandemia será superada, parece mais que certo que este diferendo no porto de Lisboa irá permanecer depois de superada a crise sanitária.

Amanhã, dia 8 de abril, a partir das 10 horas, o diferendo irá ser debatido na Assembleia da República, numa reunião conjunta das comissões parlamentares da Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação e do Trabalho e da Segurança Social, com a presença prevista dos representantes da Yilport Holding, do SEAL e da APL – Administração do Porto de Lisboa.

 

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