Quando penso na Operação Marquês lembro-me da frase que Winston Churchill usava para definir a Rússia: “uma charada envolta num mistério dentro de um enigma”. É labiríntico e imprevisível o desfecho deste processo.

Em 21 de Novembro de 2014, quando foi detido no aeroporto, numa encenação planeada para ser captada por câmaras de televisão (que estavam ali por acaso…), José Sócrates serviu para a construção de duas narrativas dualistas: a de que não havia intocáveis e que há ídolos com pés de barro e, por outro lado, criar a ideia de que havia uns justiceiros alados no Ministério Público.

Sete anos depois, não há conclusões – só hoje se irá saber se o ex-PM vai a julgamento e quais os fundamentos subjacentes – e seria muito complicado para a melhor das sibilas da Antiguidade prever o termo deste emaranhado e pesado novelo judicial.

Para lá do ex-líder do PS, é também a fina flor das elites financeiras de uma época e de um regime, e que virou a nata do entulho aos olhos da comunidade, que aguarda a deliberação, pois dos 28 arguidos constam Ricardo Salgado, Zeinal Bava e Henrique Granadeiro.

Agora, se José Sócrates, acusado de corrupção, branqueamento de capitais, entre outras acusações pouco dignas mas das quais não existem provas directas, não se sentar no banco dos réus, terá de se perguntar claramente: como ficam Rosário Teixeira e Carlos Alexandre, os rostos que o levaram à condenação do tribunal da opinião pública?

Porque Sócrates, para a enorme maioria dos seus concidadãos, já foi submetido a um escrutínio completo e a uma sentença dura e punitiva após as sucessivas manchetes e reportagens na comunicação social, mas falta a Justiça falar. Ora, a Justiça não pode perder a face, sobretudo quando está em jogo a sua idoneidade.

“A base da sociedade é a justiça”, dizia Aristóteles, logo, a própria não pode permitir que caia sobre ela o manto da desconfiança da comunidade, pois se isso acontece, são os alicerces que se corroem de um dos pilares do Estado de Direito.

Se Ivo Rosa ilibar José Sócrates, volta a tese da cabala e o animal feroz dos seus gloriosos dias desforrar-se-á e exigirá ser ressarcido por perdas e danos (os reputacionais são intangíveis) sofridos. Se isso acontecer, é a destruição total do trabalho do Ministério Público e a afirmação robusta na percepção dos portugueses de que com os poderosos “no pasa nada” e, afinal, ao contrário da encenação de 2014, são intocáveis. A conversa dos justiceiros alados era uma mistificação, uma história da carochinha.

Se nada acontecer de relevante hoje, Sócrates fica como aquele que teve apenas o melhor amigo de sempre, Carlos Santos Silva, de toda a História universal. Qualquer que seja a decisão de Ivo Rosa terá de ser fundamentada sem espinhas nem nebulosas para não falhar. Se houver qualquer margem de dúvida terá de ser tempo para questionar seriamente: quem julga a Justiça? Quando os juízes deixam prescrever processos, quem julga a Justiça? Quando os juízes falham, quem julga a Justiça? A justiça e os seus actores não são inimputáveis e por vezes também merecem castigo, sob pena de que ninguém mais acredite no que se passa nos tribunais.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.