Para a maioria dos portugueses, José Sócrates é corrupto e merecia ir a julgamento. A leitura de Ivo Rosa, para lá de arrasar o trabalho da investigação, nomeadamente de Rosário Teixeira e Carlos Alexandre, foi um tiro nas expectativas criadas durante mais de seis anos num processo contado ao mais ínfimo pormenor em manchetes de jornais e reportagens televisivas.

O problema é que a percepção das pessoas foi contaminada pelos suculentos pedaços de indícios que alguém plantava nos jornais. E essa era sempre a perspectiva que estava a ser montada pelo Ministério Público a que agora Ivo Rosa só faltava apelidar de operação de fancaria e embuste.

Tal como augurei no último artigo publicado no Jornal Económico, “Sócrates e a face da Justiça”, a visão do animal feroz retornou aos tempos áureos em que alguém se lembrou de lhe colocar um brilho nos olhos nos outdoors que marcaram a sua vitória em 2005, a primeira e única maioria absoluta conseguida pelo PS.

Agora, no entanto, é um embaraço total para o partido que não vibrou com a decisão de Ivo Rosa, permanecendo num silêncio penalizador. E a única voz que se levantou, Fernando Medina, foi exactamente para reconhecer que Sócrates é uma pedra no sapato.

O ex-primeiro-ministro retribuiu o mimo, apelidando de “profunda canalhice”, saltando para cima do “mandante” lembrando os valores democráticos do PS e o fundador, Mário Soares, que nunca deixou de o apoiar.

Sócrates considera-se uma vítima de uma campanha de difamação. De um processo político, a dita cabala, construída para dinamitar a sua candidatura à Presidência da República. E usou dois anteriores casos, o “Freeport” e o das “escutas de Belém” para reforçar o seu papel de alvo a abater. A sua máquina, que ainda tem e anda por aí, de imediato lançou o paralelismo com o vivido por Lula no Brasil.

“O sangue dos mártires é a semente da Igreja”, escrevia Tertuliano. Mas Sócrates não é um mártir nem as suas feridas darão origem a um novo culto.

Pode tentar enganar-se a si próprio, acreditando que qualquer vitória em tribunal – e, para lá dos recursos do Ministério Público, ainda irá a julgamento por branqueamento de capitais que pode dar uma pena de prisão de 12 anos – limpará a sua imagem e que um dia a comunidade voltará a respeitá-lo. Está redondamente enganado. O tribunal da opinião pública já tomou há muito tempo uma decisão clara e inequívoca.

Dizia a escritora Agatha Christie que “poucos de nós somos o que parecemos” e a máscara do ex-líder do PS foi consumida por fluxos avultados de dinheiro sem qualquer justificação dados por Carlos Santos Silva, o melhor bom samaritano da história universal.

Pode dar as voltas que quiser, escrever livros, dar entrevistas, mas bem lá no fundo José Sócrates terá de reconhecer que será apenas um espectro desconfortável para a sua família política, um renegado, um pária de uma sociedade que está farta de poderosos intocáveis.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.