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“Subsídio de mobilidade resolve problema do transporte aéreo”

Um novo modelo para o subsídio de mobilidade não só ajudaria os madeirenses, como aumentaria a concorrência entre as companhias aéreas. O turismo também ficaria a ganhar, diz Bernardo Trindade.
  • Cristina Bernardo
2 Fevereiro 2018, 07h10

Empresário da hotelaria (PortoBay) Bernardo Trindade foi secretário de Estado do Turismo entre 2005 e 2011, nos dois Governos de José Socrates.  O socialista foi nomeado por António Costa em junho para integrar o conselho não-executivo da TAP e para liderar a estrutura de missão Portugal in, que visa captar investimento externo para o país.

Em entrevista ao Económico Madeira, fala do bom momento do setor na Madeira, mas também aponta algumas mudanças que vê como fundamentais.

Em termos de números do turismo a Madeira, como o resto do país, bateu vários recordes em 2017. Em relação à Região quais são os desenvolvimentos que tem observado?
A Madeira apresentou crescimentos importantes nos indicadores que tradicionalmente caracterizam a atividade económica do turismo – quer seja no número de turistas, de dormidas, ou nos proveitos hoteleiros – e tem a taxa média de ocupação do país mais elevada (74%), o que confere obviamente um menor nível de sazonalidade e isso é muito importante. Isso aconteceu em 2017. Nós no final de 2017, sendo a Madeira uma ilha, estando muito dependente do transporte aéreo, tivemos três más notícias, porque eram três companhias aéreas que voavam e programavam habitualmente para a Madeira. Por um lado a Monarch, a Air Berlim e a Niki, o que obviamente traduz um problema para o ano de 2018 que não é possível colmatar logo no início do ano, porque neste momento desses aeroportos não há mais capacidade disponível. Agora espero que ao longo do ano múltiplas instituições – seja a Agência de Promoção da Madeira, a ANA, ou o Turismo de Portugal – consigam encontrar alternativas para suprir essa diminuição de lugares disponíveis e, portanto, tendencialmente de procura.

Isso passa por atrair novas linhas aéreas. Como está o processo?
Sei que há contactos, mas é importante perceber que se a Madeira tem vivido de um equilíbrio virtuoso entre a oferta e procura o que é facto é que com esta aparente diminuição de procura, a que eu acresceria a circunstância de muito proximamente estar a disponibilizar ao mercado mais 1.500 camas hoteleiras, podem de alguma forma colocar em perigo este equilíbrio. Sou um otimista por natureza, penso que a Madeira é um território, nas suas múltiplas valências, suficientemente interessante e o meu desejo é que possamos encontrar alternativas importantes para suprir essa diminuição de procura e esse acréscimo de oferta. E sobretudo os desafios que se colocam em função desse equilíbrio.

Tem dito que o atual modelo de subsídio de mobilidade não funciona. Qual é o problema e como se pode resolver?
Há um consenso regional e nacional de que o atual modelo de mobilidade não serve. Não serve porque não favorece a concorrência. Segundo dados oficiais, o preço médio terá passado em dois anos de 148 para 262 euros. É um encargo muitíssimo significativo para quem depende do transporte aéreo para assegurar mobilidade.
O atual modelo de mobilidade exige aos cidadãos da Madeira que tenham de fazer adiantamentos exorbitantes ao Estado, inviabilizando, em alguns casos, a capacidade de transporte porque as pessoas não têm essa capacidade de fazer adiantamentos. Espero que o futuro modelo que está, neste momento, em análise num grupo de trabalho criado entre governos para trazer uma solução possa suprir estas necessidades. Ou seja, por um lado favorecer a concorrência, trazendo mais companhias nesta rota doméstica. Fico muito contente que os Açores tenham hoje três companhias aéreas a assegurar a ligação entre Ponta Delgada e Lisboa, mas, por outro lado, fico muito triste que a Madeira tenha apenas duas companhias a fazer esse transporte, sobretudo na medida em que, em função destes equilíbrios, é uma rota interessante.
Gostaria de ver companhias como a Ryanair ou a Binter, que anunciou mais ligações entre Canárias, os Açores e a Madeira, possa também entrar nessa rota ou até mesmo a Transavia que hoje já assegura a ligação entre o Porto e o Funchal.
No fundo, era um pouco exortar as autoridades a fazerem esse trabalho, que passa por integrar mais companhias na rota doméstica, na certeza que o atual modelo de mobilidade – não favorecendo a concorrência, exigindo exorbitantes montantes de adiantamento aos cidadãos dos madeirenses, aumentando, em função destas ineficiências, o contributo a pagar pelo Estado central ao abrigo do princípio constitucional da continuidade territorial (passar em tão pouco tempo de 6 para 25 milhões de euros) – não me parece obviamente satisfatório.

Qual é o modelo que se espera que saia desse grupo?
Hoje nós não devemos temer fazer um estudo aprofundado em termos de realidades comparadas, nomeadamente com Espanha e com as nossas vizinhas Canárias que têm um modelo percentual em que exortam, no fundo, o próprio residente a procurar alternativas. Como é responsável por um determinado percentual e sendo que o restante é pago pelo Estado central, tem que esgotar todas as capacidades. Ora, o modelo atual da Madeira não faz isso. Ou seja como o residente assegura que até 400 euros, 86 são pagos pelo próprio e o restante pelo Estado. Em função disso, imagine-se como residente: ‘se pago sempre 86 euros, não me favorece concorrência nenhuma e não me vou sequer dar ao trabalho de fazer um estudo de qualquer alternativa’.

As linhas aéreas parecem não querer ser apanhadas neste triângulo…
O que o modelo de liberalização lançado para a Madeira em 2007 trouxe como grande vantagem foi separar os planos. Uma coisa é a relação que o Estado tem com os cidadãos no quadro do respeito pelo princípio da continuidade territorial e outra coisa é a relação que o passageiro, seja residente ou não, tem com a companhia aérea. No passado, tínhamos um modelo em que as companhias basicamente adiantavam ao Estado e este levava, em alguns casos, 1,5 a 2 anos a pagar. Isto é insustentável do ponto de vista da gestão de tesouraria das companhias aéreas. Elas próprias disseram: ‘ muito bem, nós estamos concordantes com alguma alteração do modelo de liberalização, estamos disponíveis para assegurar essas ligações com a salvaguarda de um princípio que é: a minha relação é com o passageiro, independentemente da sua natureza. A relação do princípio constitucional far-se-á entre o Estado e o cidadão’.
Essa foi no fundo a base de partida desta negociação e, portanto, introduzir nesta fase uma alteração a esse nível, compreendo que as companhias aéreas – seja a Easyjet ou a TAP – tenham dito não, nós não estamos disponíveis para alterar esse princípio porque no passado sofremos as consequências desses adiantamentos com a circunstância de estar 1,5 ou 2 anos à espera do reembolso.

A relação da TAP com a Região Autónoma nem sempre tem corrido bem. A TAP está se a esforçar para corrigir isso?
Diria que cada madeirense, cada português tem uma relação intensa com a TAP, sendo que a TAP é um bocadinho de nós. A TAP tem um plano de expansão muitíssimo ambicioso que passa por múltiplos destinos e, portanto, o cumprimento das obrigações do serviço público far-se-á com a TAP como se fará com outras companhias. Penso que o importante nesta fase, alterando o modelo de mobilidade, é trazer mais concorrência à rota doméstica da Madeira. A TAP é um parceiro fundamental, como são parceiros fundamentais a Easyjet, neste momento e, espero sinceramente que outras companhias possam voar para a Madeira.
O problema do transporte aéreo da Madeira far-se-á com a resolução destas duas questões: uma alteração do subsídio de mobilidade para que favoreça a concorrência e possa, sobretudo, trazer um leque de opções de preços bastante mais diversas do que aquela que existe atualmente e, em segundo lugar, buscarmos mais concorrência da rota porque, tal como referi há pouco, saúdo muito a astúcia dos açorianos em terem três companhias a fazerem a ligação domestica entre Ponta Delgada e Lisboa e entristece-me que a Madeira só tenha duas.

O turismo representa cerca 30% do PIB, 15% ou mais do total do emprego. Qual é a receita ideal que pode ser seguida: aumento do peso do turismo, ou aposta em outros setores?
A economia da Madeira é relativamente simples de explicar. Tem um grande peso do turismo. E quando falamos em turismo, é preciso pensar no ecossistema. A lavandaria que lava os lençóis dos hotéis pertence ao ecossistema turismo. Um eletricista que vem fazer uma reparação dentro do hotel faz parte do ecossistema do turismo. Uma empresa de construção que faz uma intervenção de reabilitação no quadro da atividade turística faz parte do ecossistema turismo. Esta minha apreciação é uma apreciação que faço para a Madeira como faço para o país. E a mim choca-me muito, em pleno século XXI, que ainda estejamos a fazer um bocadinho apreciações em termos das atividades ditas tradicionais da nossa economia.
No caso da Madeira, tem uma agricultura que é de subsistência, tem uma indústria relativamente escassa e tem um peso que eu diria de algum significado (são cerca de 200 milhões de euros de contributo do Centro Internacional de Negócios da Madeira para a riqueza, nas suas diversas dimensões, seja a componente industrial, importante porque geradora de emprego, porque geradora de prestações sociais e impostos) e depois tem a parte dos serviços financeiros, o Registo Internacional de Navios, tem essas nuances. Penso que o tempo tratará de integrar no ecossistema turismo um conjunto ainda mais vasto de atividades. Acho que a Madeira é a região turística mais antiga do país. Tem gerações e gerações de pessoas que singraram e exerceram profissão neste setor. E espero sinceramente que, do ponto de vista formativo, tenhamos a capacidade para poder ter essas respostas e nessa medida, com esse equilíbrio, acho que a região poderá continuar a ser do ponto de vista económico uma referência.

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