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Técnicos da Direção de Veterinária escrevem carta aberta crítica a António Costa

Sobem de tom as contestações à decisão do Governo de transferir as competências da DGAV sobre animais de companhia, do Ministério da Agricultura para o Ministério do Ambiente, na sequência dos animais mortos num incêndio num canil ilegal em Santo Tirso, a 20 de julho passado.
15 Setembro 2020, 08h17

Um grupo de trabalhadores da DGAV – Direção Geral de Agricultura e Veterinária dirigiu uma carta aberta ao primeiro-ministro António Costa, criticando a decisão de retirar do Ministério da Agricultura e da DGAV a competência sobre o bem estar dos animais de companhia e transferi-la para o Ministério do Ambiente, na sequência da morte de diversos animais após um incêndio ocorrido num canil ilegal em Santo Tirso, em 20 de julho.

Sobre essa decisão, a referida carta aberta, publicada no último número da ‘Revista do Agricultor’ (julho/agosto de 2020), uma publicação da responsabilidade da CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal, assinala que, “não só ouvimos como retivemos com mágoa e sentimento de profunda injustiça as suas considerações (…)”, proferidas no passado dia 24 de julho, no Debate da Nação, na Assembleia da República.

“Antes de mais é importante que enfatizemos a DGAV, e as instituições que histórica e gradualmente substituiu, é a autoridade competente nacional, na área da saúde animal. Sendo interlocutora de Portugal com as suas congéneres dos Estados membros e países terceiros. Há que realçar que o bem estar animal é uma das componentes da saúde animal, intrínseca e inevitavelmente ligado a todas as outras”, defende a carta aberta destes elementos da DGAV.

E questionam: “sabe, senhor primeiro-ministro, o que os médicos veterinários sentem quando o bem estar animal passou para a ordem do dia? Regozijam-se, pois, ao fim de décadas de uma luta solitária na defesa do bem estar animal, encontramos agora aliados comprometidos na defesa desta área tão fundamental. Na formação académica em medicina veterinária, esta é uma temática que ao longo do tempo mais desenvolvimentos tem tido. Os jovens médicos veterinários têm aliás que demonstrar conhecimentos nesta matéria nas chamadas competências do primeiro dia”.

Os membros da DGAV subscritores desta carta aberta consideram que o atual ponto da situação deriva da publicação da Lei 27/2016, considerando que esta legislação “foi publicada sem o apoio técnico da DGAV, o quer nos parece verdadeiramente inadmissível (…)”.

“Ora, isto determinou que a Lei 27/2016 tivesse sido implementada com a mesma lógica que se constroem casas a partir do telhado, sem base de sustentação que lhe dê solidez, eficiência e durabilidade”, criticam os técnicos da DGAV.

E recomendam: “Antes de mudar de leis, senhor primeiro-ministro, sabemos tal como o senhor também sabe, é preciso mudar mentalidades e, sobretudo, ter mecanismos no terreno que permitam operacionalizar essas mesmas leis. Pouco foi feito no curto período transitório, pela edução dos cidadãos quanto às questões decorrentes e consequentes do abandono dos animais. A DGAV desde o primeiro dia que se ofereceu para partici9par nestas ações educativas. Mas, como todos sabemos, os recursos são limitados, razão pela qual apenas foi feita uma campanha de sensibilização para a detenção responsável de animais de companhia no ano de 2018”.

“Antes de aplicar a lei, senhor primeiro-ministro, deveria ter sido posta no terreno uma campanha massiva de esterilização de animais em canis e animais errantes, para evitar a sua reprodução descontrolada”, advogam estes membros da DGAV.

E prosseguem: “para a aplicação desta lei foi considerado um período de adaptação de dois anos, de forma a permitir que as câmaras municipais pudessem criar as condições necessárias. Período evidentemente insuficiente”.

“Ninguém avaliou de forma cientifica o impacto desta lei, ninguém contabilizou o número de fêmeas reprodutoras, ciclos de reprodução, número de ninhadas por ano e número de crias nascidas por ninhada e por ano, ajustando estes valores ao período necessário para reduzir efetivamente o número de animais errantes. Foram feitas três campanhas de apoio financeiro à esterilização até à data, a última ainda a decorrer. Foram também feitos dois apoios financeiros para permitir a remodelação e/ou construção de estruturas (Centros de Recolha Oficial – CRO) que permitissem albergar estes animais, quase sempre alojados de forma duradoura e, muitas vezes, de forma definitiva, em números incomportáveis e desconhecidos dos nossos cidadãos”, denuncia a carta aberta a António Costa.

Os membros da DGAV signatário desta carta aberta ao primeiro-ministro sublinham que, “tendo em conta que um cão poderá viver em média 12 anos, se houver 20 mil animais recolhidos que não são adotados nem abatidos todos os anos (números de 2017 e 2018), isso significa que Portugal tem de encontrar abrigo para 240 mil cães e gato a médio prazo e evitando a sua reprodução”.

“Se cada um deles custar 300 euros po0r ano, em alimentação e saúde, isto representa um valor de 72 milhões de euros anualmente. A isto acresce o custo da construção e manutenção destes milhares de abrigos. Se houver cem animais por abrigo, são 2.400 abrigos, em média oito por município. Atualmente, dos 308 municípios, só 167 municípios tem um alojamento para abandonados, adiantam os responsáveis desta carta aberta a António Costa, para depois perguntarem: “o país pode dar-se ao luxo de gastar 100 milhões de euros por ano em canis e gatis?”]. E concluem: “é que 100 milhões de euros foi o valor com que o Governo reforçou o SNS [Serviço Nacional de Saúde] na sequência da pandemia de Covid-19”.

A carta abeta prossegue com mais críticas ao Governo e ao primeiro-ministro: “A adicionar a tudo isto relembramos o esvaziamento de recursos humanos e financiamento de que a DGAV tem sido alvo e que necessariamente impacta na nossa capacidade de ação”.

“A DGAV, para além dos aspetos supra enunciados, é ainda a autoridade competente nacional responsável pela saúde animal no seu todo, incluindo a identificação, registo e movimentação animal, pela proteção vegetal e fitossanidade, pela segurança dos alimentos de origem animal e vegetal e por todos os aspetos da saúde pública que envolvem as zoonoses (doenças que se transmitem ao homem através dos animais), a autorização de medicamentos veterinários, autorização dos fitofármacos e ainda no tem estruturante que diz respeito à preservação das nossas raças autóctones no seu papel de manutenção da biodiversidade, recursos naturais e ecossistemas”, reclamam estes subscritos da DGAV que subscreverem a carta aberta em questão.

Elencando depois diversos números recentes da atividade da DGAV, apesar de dispor de apenas de 305 médicos veterinários, os subscritores desta carta aberta asseguram: “sublinhamos não pretender com esta carta, obter regalias, novas carreiras, melhores vencimentos ou outra qualquer vantagem a título pessoal, queremos simplesmente repor a justiça quanto às acusações proferidas, assegurando o reconhecimento à DGAV da competência exclusiva na área do bem estar animal enquanto componente indissociável da saúde animal”.

“Estamos convictos que o senhor primeiro-ministro foi mal assessorado e incorretamente informado sobre muitos aspetos basilares desta importantíssima questão para a sociedade”, defendem estes subscritores.

E concluem a carta aberta da seguinte forma: “Senhor primeiro ministro, por muito que nos custe, e como já referido por pessoas insuspeitas nesta área, os animais que morreram queimados em Santo Tirso, forma condenados a isso no Parlamento em 2016”

“Aí, e então sem qualquer dúvida por desconhecimento das questões de fundo, a esmagadora maioria votou a favor sem acautelar que esta seria verdadeiramente uma morte anunciada. Nessa altura muitos poderiam alegar desconhecimento e terem sido mal informados, hoje já não!”, conclui a carta aberta de diversos elementos da DGAV endereçado a António Costa.

 

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