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Tecnologia acelera evolução das cidades

Especialistas acreditam que a pandemia veio agilizar o desenvolvimento do paradigma urbano e trouxe consigo o teletrabalho, abrindo caminho a cidades mais digitais e ecológicas. Olhar para o futuro e ver um país mais atrativo é o objetivo.
4 Setembro 2020, 13h45

Qual o impacto que a tecnologia e o teletrabalho terão no futuro das cidades?

 

Pedro Antunes, Consultor estratégico da Axians Portugal

O desenvolvimento tecnológico é uma certeza e a sua implementação depende essencialmente do grau de desenvolvimento do país, da cidade ou da organização. A conjugação de tecnologias como o IoT, 5G, Big Data, inteligência artificial e automação, Cloud, plataformas colaborativas e de telemedicina vai permitir aumentar a qualidade de vida dos cidadãos, seja pela flexibilidade que permite, seja pela simplificação e facilidade de acesso a serviços à distância. Quando implementada nas cidades, o impacto irá sentir-se na otimização dos recursos naturais e recursos energéticos, no meio ambiente, no aumento da segurança e na gestão do tráfego, no sistema educativo e na prestação dos cuidados de saúde.

Em contrapartida, o teletrabalho é uma tendência que depende de tecnologia, mas não exclusivamente. A sua real adoção depende da definição e da implementação de políticas públicas, quer a nível central, quer a nível local. Depende, também, da necessária mudança cultural nas diversas organizações, sustentada na formação da gestão intermédia e dos colaboradores e na aceitação do teletrabalho como uma forma de trabalho legítima. Não obstante as diferenças, quer o desenvolvimento tecnológico quer o teletrabalho têm capacidade de causar um importante impacto de ordem social, económico, demográfico e ambiental.

Nos últimos anos temos assistido a uma tendência, por parte das organizações, públicas e privadas, na adoção de novas tecnologias e na transição para o mundo digital. A pandemia (Covid-19) enquanto wild-card, ou não, tem sido um forte acelerador desta transição. De uma forma quase transversal aos diferentes sectores de atividade, público e privado, desde gestores aos colaboradores, tiveram de se adaptar, na medida do possível, a um novo paradigma. Portugal, pela sua dimensão, deve ter a capacidade de transformar as suas cidades, grandes e pequenas, no litoral e no interior, em cidades inteligentes e simultaneamente meaningful e, desta forma, atrair jovens e empresas. As grandes cidades, por questões sociais e económicas, manter-se-ão como os grandes aglutinadores de pessoas e empresas. No entanto, as cidades mais pequenas têm o enorme potencial de se transformarem e absorverem nómadas digitais e pessoas que procuram melhor qualidade de vida. A verificar-se tal movimentação, esta permitirá uma alteração demográfica no sentido das grandes para as cidades mais pequenas. Importa, por isso, notar que esta alteração não se reduz às pessoas, ao tráfego diário ou no imobiliário. Traduz-se na deslocalização de pessoas, de conhecimento, do poder económico e da vida social. Traduz-se na adoção de novos sistemas de ensino e na prestação de mais e melhores cuidados de saúde. No médio-longo prazo tal poderá permitir o desenvolvimento de um país menos assimétrico e mais atrativo. Na AXIANS acreditamos em “Smart Cities” mas, acima de tudo, acreditamos em “Meaningful Cities”. Meaningful porque apesar das tecnologias serem o driver para a transição digital, é necessária uma visão holística sobre o ecossistema – visão suportada pela inteligência dos dados que analisados permitirão realimentações positivas dos meios e da sociedade em geral.

 

 

Carlos Pinto de Abreu, Sócio Fundador da Carlos Pinto de Abreu & Associados

A digitalização da economia, a inteligência artificial, as tecnologias de mobilidade, as soluções de automação, a robotização da indústria e dos serviços, a quase inesgotabilidade e maior sustentabilidade das fontes de energia renováveis, a queda do tabu que era, e a emergência da panaceia que não é, o teletrabalho; vão mudar o nosso Mundo. Vai mudar a actual configuração e organização das cidades e das empresas, a proximidade e a distância das comunicações e o isolamento ou a aproximação, a concentração ou dispersão, das pessoas. E vai também alterar-se certamente a forma como nos vamos passar a relacionar e a articular, com consequências na saúde, na educação, na inovação, no investimento, no empreendedorismo e no trabalho.

Os desafios são novos e complexos. Há que privilegiar a gestão de riscos e evitar disrupções. E não há apenas perigos económicos e tecnológicos. Há também preocupações de cariz antropológico, psicológico, sociológico e cultural.

Vejamos algumas. Não perder o contacto individual próximo e a humanidade nas relações pessoais, familiares, sociais e laborais. Não sucumbir à guetização crescente do indivíduo e à frieza estéril do exclusivo da intermediação cibernética. Não ceder ao atomismo estupidificante de tarefas indiferenciadas ou repetitivas, não criadoras de valor acrescentado. Permitir, enfim, que as pessoas possam separar e gerir adequadamente o tempo e os novos espaços de trabalho, muitas vezes nas suas próprias residências, não invadindo o tempo ou destruindo o espaço do próprio e da família.

As pessoas vão-se encontrar mais ou afastar-se? As cidades vão encolher ou desertificar-se? As empresas vão crescer ou diminuir? As atividades vão simplificar-se ou complicar-se? Vai haver maior superficialidade ou menor profundidade? As famílias vão modificar-se? Vão ocorrer migrações para locais menos populosos? As residências vão alterar-se? Criar-se-ão novas cidades? São questões em aberto. Que o mundo vai mudar isso é uma certeza. O objetivo é construir cidades do futuro, com menor pegada ecológica, para pessoas, não apenas mais eficientes, mas mais presentes e próximas, que vivam e convivam em comunidade, que cooperem, que criem e produzam… e sejam mais felizes!

 

Diogo Ramos Pires, Jurista da PMCM Advogados

A evolução das cidades corresponderá ao comportamento das comunidades perante as vicissitudes e ao modo da sua superação, contando-se fatores externos e internos que a tornam imperativa. Face à atual circunstância pandémica global, o teletrabalho surge não somente como ferramenta ao dispor dos que dela quiserem (e puderem) dispor, como promete tornar-se num novo modo de vida com impacto real na pulsação das cidades do futuro.

Nestes termos, invocam-se as “smart cities” como cidades com caraterísticas inerentes ao urbanismo eco-eficiente, à mobilidade urbana e à sustentabilidade e que tornarão necessária uma governance público-privada racional e capaz de distinguir o capricho da necessidade no investimento e nas modificações estruturais a empreender. Com efeito, o teletrabalho surgirá como parte da paisagem pelo que, ainda que em modo híbrido, preconizará como vantagens a redução dos deslocamentos diários, a consequente diminuição das emissões de CO2 e do consumo de energia e recursos naturais.

Contudo, no âmbito desta modalidade de trabalho trata-se de uma alteração comportamental que dá com uma mão o que tira com a outra: ao neutralizar-se o impacto ambiental e económico imputável à comunidade a onera-se o particular com a sobrecarga das despesas domésticas e com o aumento do consumo daqueles recursos que julgou poupados, às quais acresce a exigência de compatibilizar os serviços de telecomunicações móveis, com a proliferação do 5G, e a modernização das TIC e das infraestruturas de distribuição elétrica a esta nova realidade.

Com efeito, a solução passará pela modernização administrativa e pela descentralização como resposta aos problemas singulares de combate às assimetrias através da atribuição de vários níveis de autonomia aos executivos locais para avaliar casuística e eficientemente os recursos e meios ao dispor, traçando o itinerário para o trilho a percorrer pelos seus cidadãos que optem pelo teletrabalho sem prejuízo do seu conforto laboral, social e económico.

 

Nuno Garcia, Diretor geral da GesConsult

O início do século XX foi marcado por uma tendência forte de concentração de populações num conjunto relativamente pequeno de grandes cidades, espaços densos, variados, produtivos e inovadores. Simultaneamente, este fluxo rápido de pessoas significou desafios esmagadores, como o congestionamento de tráfego, a exigência constante por serviços e a gestão de resíduos, questões que a globalização ampliou ao ligar cidades em pontos opostos do planeta.

Pensar e construir cidades passou, então, a pedir novas abordagens, sendo a tecnologia – concretamente associada à informação – o novo pivot para a leitura e compreensão dos comportamentos, das tendências e do futuro. O acesso crescente a informação permitiu desenvolver modelos de sistemas urbanos que são capazes de ajudar os cidadãos, os empresários, as organizações e os governos a mergulhar mais profundamente na forma como as cidades funcionam, como são usadas, que problemas enfrentam e que soluções podem ser-lhes aplicadas.

Ao impactar de forma muito direta um dos principais fatores de atração das cidades – o trabalho -, a tecnologia influencia não só as relações entre as pessoas, como altera a forma como se movimentam e fixam. Muito recentemente, o teletrabalho deixou milhões de m2 de escritórios vazios em cidades de todo o mundo, ao mesmo tempo que fez aumentar a procura de novas formas de mobilidade e acesso. Ajudou milhares de pessoas a encontrar casas novas, através de visitas virtuais, e a concretizar negócios quando as reuniões presenciais deixaram de ser possíveis. Num futuro em que o trabalho será realizado tanto nos escritórios das empresas, como em casa, como a partir de qualquer outro lugar, as cidades viverão cada vez mais voltadas para a facilidade das ligações, para a flexibilidade e para a governabilidade. O desenvolvimento impulsionado pela tecnologia vai continuar a alimentar a capacidade das gerações futuras responderem às suas necessidades, ajudando a gerir todos os aspetos da sustentabilidade ambiental, desenvolvimento social e progresso económico.

 

Gilberto Jordan, CEO do Grupo André Jordan

Se a pandemia criou radicalmente novas vivências e grandes desafios de gestão e adaptação, ela também acelerou mudanças que já estavam a acontecer de forma mais gradual em muitos setores e que provavelmente levaria anos para cristalizar. Ela tornou-se uma realidade de um dia para o outro, sem qualquer tipo de preparação, com caráter obrigatório e com a tecnologia a intermediar muito desta mudança. O teletrabalho e o ensino à distância são exemplos disso. É ainda cedo para julgar os impactos a longo prazo. Se entre benefícios e prejuízos do teletrabalho ou tele-ensino, se há melhorias na produtividade e desempenho; se a falta de partilha e convivência afeta igualmente os resultados, ou se o impacto ambiental resultante da diminuição das deslocações para o trabalho e viagens é só positivo ou se tem um custo económico tal e que de outra maneira poderia ser incorporado de forma mais sustentável e menos gravosa.

Uma coisa é certa: o custo ambiental tem de ser incorporado de uma vez por todas para atingirmos os objetivos 2030 e 2050. Outra certeza é que esta experiência tornar-nos-á mais ágeis, com uma melhor capacidade de resposta ao imprevisto e claramente mais digitais, com a tecnologia a “aproximar” as pessoas de uma nova forma em que o Teams, Skype e Zoom e outras tecnologias por vir fazem agora parte das rotinas diárias e de forma transversal à economia. A pandemia trouxe também alterações nas nossas casas, que passaram a ser o núcleo central das atividades – dormir, comer, lazer, ginásio, trabalho e escola. As nossas casas passam de um lugar de viver para um lugar de conviver. Isto levará a repensar o conceito de localização e organização do espaço. Resultando em que hoje as pessoas procuram ambientes abertos, em contato próximo com a natureza, fora das grandes densidades, com áreas maiores, varandas e jardins a assumirem o ponto central da casa e o Home Office a tornar-se um requisito essencial. O caminho que agora começou a ser trilhado é irreversível e a palavra de ordem é qualidade de vida. Não estou certo de que estamos numa revolução mas acredito que é pelo menos uma enorme evolução.

 

Daniela Costa, Diretora de Consultadoria & Research da Prime Yield (Gloval)

As mudanças estão a acontecer todos os dias e a tecnologia será uma ferramenta central para assumirmos, em pleno, o modelo de smart-cities, permitindo melhorar a qualidade de vida da população e os serviços oferecidos, permitindo alcançar maior crescimento económico, melhorar a sustentabilidade ambiental, a segurança pública, bem como aumentar a competitividade e fomentar o empreendedorismo. As cidades do futuro, certamente, passarão por ser cidades mais digitais, com a sua própria infraestrutura em rede de objetos inteligentes, novos conceitos focados nas pessoas, mas também com uma grande preocupação com a sustentabilidade e eficiência energética, do uso inteligente do big data com ferramentas analíticas com Inteligência Artificial, entre tantas outras inovações. Na área de construção e imobiliário, que é central para as cidades do futuro, a tecnologia tem um papel de grande destaque, permitindo criar novos conceitos, inovar e melhorar as técnicas construtivas, com claros impactos num melhor urbanismo e na vida das pessoas, que, em última análise, são quem utiliza os edifícios e dá vida às cidades. A construção inteligente (seja reabilitação ou construção nova) marcará, sem dúvida, o mercado nos próximos tempos, contribuindo para uma cidade mais eficiente, sustentável e user friendly. O “advento” do teletrabalho, que não sendo algo novo foi acelerado pela pandemia, poderá trazer várias mudanças positivas para o futuro das cidades. Desde logo, porque, à partida, reduz, as necessidades de mobilidade das pessoas, com impactos positivos a nível de congestionamentos no trânsito e nos transportes públicos. Por outro lado, também “retira” intensidade ao uso dos edifícios de escritórios, o que, em associação com a questão da mobilidade, vai contribuir para a redução da pegada carbónica das cidades. Outro dos impactos do teletrabalho nas cidades será ao nível das redes de comunicação. Ao pressupor uma maior flexibilidade das pessoas – pode-se trabalhar a partir de qualquer lugar -, o teletrabalho exigirá, por parte das cidades, uma resposta mais eficaz em termos de infraestruturas de comunicação, com redes wi-fi de nova geração e implementação de 5G.

 

Séverine Boutel Bodard, Administradora da Ceetrus Portugal

As cidades estão em transformação, motivada pelas novas formas de interação e vivência social dos cidadãos. As mudanças decorrem numa dinâmica própria e não estritamente potenciada pelo contexto excecional que vivemos. Por exemplo, na China, onde tive a oportunidade de trabalhar nos últimos cinco anos, as cidades transformam-se com muita rapidez e a última década foi determinante nesta nova visão da vida urbana, em que há uma reflexão da gestão do tempo gasto em deslocações, se estudam os fluxos de circulação das pessoas, a multifuncionalidade dos espaços para responder a diferentes necessidades, entre outros pilares cruciais da vida das cidades.

Efetivamente, a noção tradicional de individualizar o espaço para trabalhar, para fazer compras, para aprender, habitar ou aceder a cuidados de saúde, dará espaço a um visão mais dinâmica, em que se transformam sítios urbanos monofuncionais em espaços de uso misto, que respondem às novas e diversas necessidades dos cidadãos. O futuro passa por cidades mais bem organizadas, com uma melhor interligação das pessoas para as pessoas e para as diferentes infraestruturas criadas. Neste novo conceito de cidade, acreditamos que a sua atratividade é proporcional à combinação das atividades que atraem e fixam os habitantes (conteúdo), à forma como elas se cruzam (mobilidade e facilidade de acesso), à sustentabilidade ambiental dos espaços públicos e ao modo como consegue ter um caráter dinâmico e de novidade permanente, com vida própria. Nesta nova cidade vemos espaços de ensino como sejam Universidades ou outros a surgirem como âncoras que interligam a educação com trabalho ou novos formatos de habitação, como já começa a acontecer em algumas cidades no mundo.

No que à mobilidade diz respeito, hoje muito debatida devido à macrotendência do teletrabalho, vai seguramente transformar as cidades, que cada vez mais vão privilegiar os veículos não poluentes. Serão repensados estacionamentos, melhoradas as soluções de veículos partilhados, desenvolvidos novos circuitos para uso de bicicletas, como foi o exemplo dado pela Ceetrus no Alegro Montijo, ao prolongar a ciclovia entre o centro comercial e a cidade. Assim, as cidades vão trabalhar para o Carbono Negativo, enquanto se assegura um Território Positivo definido para e com os cidadãos em função das suas necessidades. Existirá uma aposta na economia circular e na inovação social, com benefícios para o ambiente, para o crescimento económico das cidades e para o dia a dia e bem-estar dos cidadãos e das comunidades como um todo.

 

Cristina Arouca, Diretora de Research da CBRE Portugal

Segundo os mais recentes estudos da CBRE, até 2030, os edifícios serão alvo de uma verdadeira revolução tecnológica e até ideológica, tendo impacto direto na forma que os mesmos são utilizados e negociados. Inovações como IA, carros autónomos, a última geração de telemóveis – 5G – , a aceleração da informação, o comércio eletrónico a crescer, e até mesmo o impacto pós-coronavírus, terão uma enorme influência na recalibração das nossas cidades. Se a tecnologia e o teletrabalho eram o caminho que estava a ser traçado, agora, mais do que nunca será acelerado. Esta transformação terá impacto na orgânica do trabalho. O método de trabalho será mais ágil e task-oriented , munindo os colaboradores de mais espirito crítico e criatividade, explorando a força de trabalho mobile. Esta tendência não coloca em causa a existência de uma sede de uma empresa: apesar de ser menos frequente a permanência do colaborador, as empresas vão criar espaços flexíveis que cultivem a criatividade dos colaboradores, fazendo-os sentir valiosos e quase como membros de um “clube” quando estão na sua sede. A CBRE prevê que estes espaços flexíveis continuem a estar perto de ginásios ou centros comerciais, núcleos urbanos e localização de clientes. Vão ainda envolver comodidades, espaços de reunião altamente tecnológicos e espaços de convívio. Como tal, as organizações devem investir em tecnologia para maximizar a experiência dos colaboradores no edifício. De muitas maneiras, as pessoas procuram no escritório físico as mesmas coisas que procuram nas cidades: interação humana e experiência. Permitir que isso aconteça será uma vantagem competitiva para as empresas à medida que a procura de talentos reacender. Os novos modelos de trabalho vão ainda impactar a nova construção residencial: o “escritório em casa” está a potenciar o interesse pelo design. Muitos compradores vão passar a querer uma sala com um cenário agradável para videoconferência, uma pequena zona para teletrabalho e áreas de contacto com o exterior. Nos próximos anos, prevê-se que o comércio online continue a mudar, não apenas na maneira como as mercadorias chegam à nossa porta, mas também na definição de “loja”. A CBRE antecipa que o negócio de retalho vai convergir para um único modelo designado phygital – físico e digital – onde as lojas online e físicas se fundem para responder às novas exigências dos consumidores, pela conveniência, rapidez e custo. O link entre online e offline será contínuo. As lojas tradicionais vão transformar-se em showrooms de marcas, bem como locais para ir buscar os produtos que são encomendados online. Tudo isto criará novas dinâmicas e novas formas de nos relacionarmos com as cidades num futuro que está muito perto de ser hoje!

 

Caetano de Bragança, Head of Workplace Strategy & Sustainability JLL Portugal

Um dos milagres que a tecnologia digital trouxe às nossas vidas foi a desmaterialização de aparelhos, objetos e documentos. Os nossos telemóveis têm os jornais e livros que lemos, os mapas que utilizamos, máquina de fotografar e filmar, a música que ouvimos, etc. Trabalhamos onde queremos quando queremos. A tecnologia criou o milagre de libertar espaço. Podemos viver melhor com menos coisas. E isto aplica-se também ao território, às cidades. Temos a opção de dar um novo sentido a muitos dos equipamentos e espaços das nossas cidades, reinventar modelos urbanos e viver melhor.

É um facto que a maioria da população mundial vive em cidades e que essa mesma maioria está ligada em rede, utilizando massivamente plataformas que privilegiam a economia partilhada e um melhor uso dos recursos das cidades, especialmente no que toca à mobilidade das pessoas e da ocupação de espaços. Estamos apenas no início pois as cidades tendem a densificar-se e a população urbana a crescer. O Homem construiu na cidade o seu habitat artificial, estando em evolução contínua e completamente dependente das novas tecnologias para a conseguir gerir. No contexto internacional, e generalizando, acredito que nas zonas mais desenvolvidas os avanços tecnológicos dos últimos anos e a aceleração de políticas de teletrabalho irão dar respostas positivas para que possamos vir a ter cidades mais sustentáveis, diversificadas e inclusivas, mais preparadas para os combates às crises climáticas e sociais que marcarão todo o século XXI.

Mas como se materializa esta evolução em Portugal e quais as consequências? Penso que será através de um reequilíbrio na densidade e natureza da mobilidade urbana que terá um impacto em três frentes: Mais qualidade de vida nos centros urbanos (para a qual contribuirão as novas formas de mobilidade nas cidade e a adesão ao teletrabalho); Transformação dos subúrbios (trabalhar a partir de casa significa também consumir mais bens e serviços em zonas afastadas dos grandes centros, que anteriormente eram sobretudo dormitórios, sendo por isso expectável que a economia local desses locais venha a ganhar mais dinamismo num futuro próximo); Reflexão sobre a conceção, utilização e construção dos edifícios (o teletrabalho deu um novo propósito à habitação e também aos espaços de trabalho. Olharemos os edifícios de forma diferente).

Olhando à história das cidades estou certo que estas continuarão a ser os centros do mundo profissional, político, artístico, cultural, entre outros. Isto porque é ainda de forma presencial e próxima que melhor construímos as nossas redes de contatos e informações. E a força das cidades está no dinamismo da comunidade e na qualidade das suas relações. A tecnologia digital, quando bem utilizada, permite que habitemos cidades mais inteligentes, seguras e saudáveis, pelo que o foco será cada vez mais a inclusão de soluções que promovam a qualidade de vida, o equilíbrio e o bem-estar das populações.

 

José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard Properties

Se tivermos em conta que atualmente 55% da população mundial já vive em cidades e que se prevê que em 2050 esse valor venha a atingir os 68%, apercebemo-nos facilmente da importância do papel que a tecnologia terá nas cidades num futuro não muito distante.

Esta enorme revolução silenciosa, mas irreversível, que se vem a processar desde há algum tempo já demonstrou quão importante é para tornar a vida mais agradável a quem vive e trabalha nas cidades.

Os telemóveis são já um dos principais meios de acesso a um imenso manancial tecnológico que permite a realização de um sem número de interações entre os cidadãos e a cidade. Da satisfação das necessidades mais prosaicas, mas com enorme impacto positivo na vida diária de todos nós, até à organização e gestão em grande escala de serviços e recursos de forma totalmente racional e com um nível de detalhe até há pouco impensável, em áreas tão diversas como a gestão do tráfego, estacionamento, tratamento de esgotos, lixos, iluminação pública, etc. é todo um mundo que se abre e que vai muito para além da imaginação do comum dos mortais.

A nova realidade tecnológica que se estenderá a todas as áreas já se repercute na construção e gestão dos edifícios, que estão a entrar numa era até aqui apenas possível no domínio da ficção científica. Os benefícios resultantes em termos de sustentabilidade e qualidade de vida permite-nos acreditar que o futuro pode ser diferente para melhor.
Este trajeto irreversível rumo à cidade do futuro tem no Covid um catalisador inesperado que promete provocar mudanças estruturais na forma como vivemos e trabalhamos.

O teletrabalho, uma área eminentemente tecnológica, vai ser uma nova realidade, uma alteração de paradigma cuja dimensão ainda é difícil de prever. Certo é que a pandemia veio demonstrar que, pelo menos num elevado número de empresas privadas, é possível trabalhar remotamente e ainda assim manter, ou mesmo aumentar, os níveis de produtividade e eficiência. Se esta tendência se mantiver e até incrementar, vamos certamente assistir a mudanças na conceção dos edifícios que, por exemplo, passarão a incluir no seu interior áreas de trabalho específicas ou a oferecer pequenos espaços, nas proximidades, para este fim. Estas alterações terão impactos diversos, ao nível da segurança, ambiente, circulação, conetividade social e do próprio urbanismo, que contribuirão, certamente, para o desenho da cidade sustentável do futuro em que a Vanguard Properties está totalmente empenhada.

 

Nuno Ascensão, CEO da Keller Williams em Portugal

Com a pandemia, todos os setores avançaram anos ou décadas naquilo que eram as previsões de relacionamento com os seus colaboradores e com os seus clientes. O mercado imobiliário não foi exceção, teve que se ajustar e se adaptar a esta nova realidade. Tudo passou a ser mais digital, feito à distância desde o primeiro contacto até à conclusão do negócio. Não foi a tecnologia que mudou. Ainda! O que mudou nestes meses foi a disponibilidade dos clientes de com ela interagir, a necessidade das empresas de a utilizar e o ajustamento de modelos de negócio.

Acreditamos que os próximos tempos serão de uma enorme inovação, motivada pelas novas necessidades dos consumidores e também pelo teste feito nestes últimos seis meses à tecnologia existente. Este tempo veio revolucionar alguns mercados onde se inclui o Imobiliário. Estamos num ponto de viragem em que as plataformas hoje usadas vão dar origem a novos modelos de atuação. Cada vez mais a experiência da procura e compra de casa será digital. Este vai ser certamente o caminho do futuro.

Julgamos que o debate do futuro não é apenas o do teletrabalho. Há algo mais disruptivo a acontecer hoje –o papel do humano nos modelos de negócio. Na mediação imobiliária esse será o de se concentrar no papel fiduciário da transação, deixando à “máquina” o papel que lhe é reservado – chamamos-lhe funções de suporte, que fará de uma forma bem mais eficiente que o humano. Em 2017 a Keller Williams iniciou o seu processo de reinvenção, afirmando-se como uma empresa tecnológica. A lógica por trás deste processo é que o consumidor viria a reclamar uma diferente experiência da mediação imobiliária. Desde essa altura que trabalhamos sabendo que o futuro nos trará consumidores servidos através de um interface digital por consultores e Market Centers. Este é um investimento de mil milhões de dólares que nos preparou para este tempo. Quanto ao teletrabalho, vai haver, sem dúvida, uma tendência para trabalhar cada vez mais a partir de casa ou em coworkings, por isso viver nos centros urbanos, perto do escritório, deixa de ser uma necessidade. Estas são as novas exigências que estão a transformar o mercado imobiliário um pouco por todo o mundo, dado a pandemia ter gerado novos estilos de vida que, acreditamos, vieram para ficar.

 

Pedro Barceló, CEO da Giménez Ganga

A pandemia está a implicar um novo paradigma de utilização das habitações, locais de trabalho e espaços públicos. O novo normal implica desafios acrescidos nas características que os edifícios devem adotar para satisfazer as novas tendências de utilização dos espaços, quer para teletrabalho, para habitação, ou para lazer. Diversos governos de países europeus estão a tomar decisões para aumentar o distanciamento social nos espaços públicos, estimulando uma maior permanência ao ar livre, com recurso a terraços e esplanadas. Esta nova necessidade de utilização dos espaços faz com que sistemas de proteção para edifícios – como toldos, pérgulas de lona e pérgulas bioclimáticas – se demitam do seu tradicional papel secundário para se tornarem protagonistas dos espaços para aumentar a qualidade de vida dos seus utilizadores, transformando os terraços e esplanadas em elementos cruciais para estimular a frequência de bares e restaurantes.

Atualmente, já é possível ampliar o espaço da habitação, ou da empresa, sem realizar obras. Jardins e terraços tornam-se partes integrantes das casas, eliminando a distinção entre espaço interior e exterior. Entre as soluções mais eficientes destacam-se as pérgulas bioclimáticas, que são suportadas pela sua própria estrutura e apresentam diferentes tipos de montagens e possibilidades de modulação. A tecnologia torna-se, também, parte integrante da solução. Os sistemas mais avançados permitem controlar remotamente a pérgula. Basta descarregar a aplicação para telemóvel, tablet ou computador, para definir a orientação das lâminas, a iluminação, o sistema de aquecimento, a ativação do “Wind Screen” ou toldo, e controlar a temperatura interior da casa através do smartphone, automatizando todos os sistemas de domótica para criar cenários pré-configurados e ativar sensores que protegem o espaço em função dos fatores atmosféricos. A sustentabilidade ambiental contínua a ser um dos maiores desafios da humanidade e é imperativo promover uma nova forma de repensar os edifícios, para os dotar de maior eficiência energética e térmica, e atingir níveis mais elevados de sustentabilidade ambiental. Por isso, as soluções de proteção, solar e térmica desenvolvidas pela Saxun – a marca da Giménez Ganga – permitem reduzir os consumos de energia em cerca de 20%, em habitações, espaços empresariais e comerciais. Com todas estas variáveis na equação, as cidades do futuro vão implicar muitas alterações estruturais e sociais, mas há algo que sabemos que não irá mudar: a necessidade de proporcionar a máxima segurança e comodidade à população. O desafio comum passa por assegurar que os espaços com distanciamento social tenham a maior eficiência e funcionalidade possível. E que se criem espaços que nos convidem a voltar a confiar uns nos outros.

 

Ricardo Sousa, CEO da CENTURY 21 PORTUGAL

Estamos a viver uma situação excepcional e sem precedentes na história recente, onde prever o futuro- com base na interpretação e descodificação da informação disponível – obriga a uma reflexão muito prudente. Temos, no entanto, a consciência de que as transformações comportamentais das populações e as alterações de tendências estruturais e culturais serão sempre progressivas.

Não obstante, a situação atual vem realçar a importância de novos objetivos e métricas na sociedade que deverão ser alinhados, ou prevalecer, sobre o habitual objetivo maior do crescimento económico, e que passam pela qualidade de vida da população, pela sustentabilidade ambiental e pelas necessidades básicas da sociedade.

As cidades do futuro têm que desenvolver ecossistemas, dinâmicos e flexíveis, assentes no paradigma “viva, trabalhe e divirta-se” para atraírem e reterem população produtiva e qualificada. Neste sentido, a tecnologia e a evolução digital serão decisivas para o desenvolvimento das cidades, dos edifícios residenciais e comerciais, nomeadamente, através do mapeamento, em tempo real, de todo o tipo de informação sobre a cidade e os seus habitantes, da aplicação de tecnologia preditiva para antecipar e mitigar questões de segurança na comunidade, fenómenos naturais extremos, pandemias, entre outros.

A aplicação dos sensores da Internet das Coisas nas infraestruturas existentes pode ajudar as autoridades a corrigir problemas antes que eles se transformem em falhas e atrasos estruturais. A tecnologia será também determinante e torna hoje possível a evolução para uma maior circularidade da economia nas cidades, onde os produtos são projetados para terem maior longevidade e reutilização. As tecnologias digitais permitirão aumentar radicalmente a virtualização, a desmaterialização, a transparência no uso de produtos e fluxos de materiais, bem como a inteligência baseada em feedback.

No sector imobiliário, a tecnologia e os novos comportamentos das populações vão impor novos padrões de qualidade de construção, novos lay outs dos edifícios residenciais, comerciais e de escritórios, bem como exigir inovação e eficiência energética, que garantam boas condições para os utilizadores. Torna-se igualmente imperativo agilizar a flexibilização dos processos de licenciamento e a industrialização da construção, para permitir maior sustentabilidade nos processos construtivos e também melhor adaptabilidade dos projetos às efetivas necessidades da população, em tempo real.

Mesmo com a tecnologia e a eventual adoção mais massiva do teletrabalho, as cidades continuarão a prevalecer e a concentração urbana parece, nos dias de hoje, inevitável. O efeito de aglomeração que se verifica nas regiões com a população mais ativa, tende a torná-las mais produtivas, com mais oportunidades e onde a diversidade potencia a capacidade para uma progressão sustentável da sociedade mitigando as desigualdades.

O desafio que impera será, contudo, perceber a inevitabilidade do ponto de equilíbrio de todas estas variáveis para que o futuro das cidades possibilite, efectivamente, um salto qualitativo em termos de evolução social e humana, ao mesmo tempo que assegura o consumo cada vez mais responsável de todos os recursos naturais do planeta.

 

João Pita, Vice-Presidente da Round Hill Capital Portugal

As cidades estão a tornar-se espaços cada vez mais inteligentes, uma tendência despoletada pela evolução tecnológica. Apesar do imobiliário ser uma das indústrias menos digitalizadas no mundo, a Round Hill Capital, empresa líder na gestão integrada de investimentos imobiliários que oferece soluções inovadoras de alojamento, acredita que o valor gerado pelo investimento nessa digitalização trará uma maior valia a todos os aspetos do ecossistema imobiliário.

Prova disso é o facto de termos cada vez mais arquitetos e promotores imobiliários com visão de futuro focados na criação de espaços mais eficientes, aprazíveis e adequados às necessidades habitacionais, de trabalho e de lazer. Simultaneamente, também os investidores estão mais interessados em trabalhar com parceiros que queiram repensar os sistemas existentes (ou desenvolver novos), de forma a responder à crescente procura por melhores soluções de alojamento. Exemplo dessas soluções são os sistemas de gestão eficiente do consumo de energia e água, as tecnologias de controlo da temperatura e luminosidade, os modernos métodos modulares de construção e muitas outras inovações.

Em suma, a tecnologia está também a desempenhar um papel importante na organização e planeamento do espaço público. Da eletricidade e água às estradas e transporte público, é possível, através da otimização de capacidade, reduzir áreas que ficam desocupadas por grandes períodos, preparando-as para lidar com picos de procura; cortar esses picos através da gestão da procura com base em tecnologia ou estruturas de preços inovadoras pode limitar significativamente a carga sobre os recursos financeiros e naturais. A melhor maneira de melhorar uma cidade é através da mobilização dos cidadãos. Desde semáforos inteligentes a impostos sobre o lixo, a inovação em tecnologia, serviços e políticas públicas tem como um dos seus propósitos moldar o comportamento dos cidadãos no espaço público e, por sua vez, melhorar a sua qualidade de vida.

Por outro lado, o home office está a começar a impactar a estrutura das cidades e o setor imobiliário já começou a sentir algumas alterações. Com o teletrabalho, verificámos que os promotores imobiliários começaram a procurar novas soluções de resposta às limitações da área útil das habitações, tais como a oferta de espaços de trabalho, ou o planeamento inteligente do espaço interior, sejam quartos pequenos, recantos ou espaços subutilizados. Para além disso, e de acordo com dados recentes de mercado, várias famílias estão a planear alterações nos seus escritórios pessoais (de forma a sentirem-se mais confortáveis a trabalhar em casa), enquanto outras já procuram casas em zonas rurais.

Por fim, já no segmento dos escritórios, as empresas estão, a pouco e pouco, a ponderar alterar o seu modelo de trabalho para um mais híbrido, uma decisão que envolverá, sem dúvida, mudanças na arquitetura e na utilização dos espaços.

Pese embora, muitas destas tendências ainda sejam em grande parte previsões, uma coisa é certa: o setor imobiliário vai ser uma das áreas que irá certamente adotar medidas inovadoras e com um papel central na transformação tecnológica das cidades.

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