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Têxtil e vestuário enfrentam desafios para continuar a crescer

A indústria portuguesa do têxtil e vestuário foi obrigada a uma transformação profunda para competir num ambiente global, em que as vantagens que tinha desapareceram. Vencido o obstáculo, com a recuperação surgem, agora, novos desafios a superar.
23 Setembro 2018, 17h35

A indústria portuguesa de têxtil e vestuário foi obrigada, nas últimas duas décadas, a transformar-se, para conseguir sobreviver, ou, melhor, para ter uma nova vida. A entrada da República Popular da China na Organização Mundial do Comércio, em 2001, foi o sinal de alarme de que tinha acabado o tempo das empresas portuguesas concorrerem com base nos custos. O alargamento da União Europeia a Leste veio sublinhar o imperativo da mudança.

Mesmo percebendo por antecipação que era impossível continuar a competir da mesma forma, o facto é que o setor sofreu um processo duro de transformação. Entre 2001 e 2009, a indústria portuguesa de têxtil e vestuário perdeu mais de um terço. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e da ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, no período em análise, o volume de negócios do sector caiu 35,8%, para cerca de 5,4 mil milhões de euros. Em paralelo, o valor das exportações caiu cerca de 30%, para cerca de 3,5 mil milhões. Em ambos os casos, o declínio foi constante, verificando-se todos os anos. Só que, depois de iniciar a recuperação, em 2010, o volume de negócios mantinha-se, ainda, em 2017, abaixo do valor verificado antes da crise, enquanto as exportações atingiam máximos históricos, refletindo a alteração do perfil.

“O perfil da indústria mudou significativamente, na medida em que as empresas que subsistiram à crise são, em média, mais pequenas do que anteriormente, mas são também muito mais flexíveis. Trabalham também com excelente qualidade de materiais e com prazos de entrega relativamente curtos”, explica ao Jornal Económico Frederico Barreto, Advisory Senior Manager da consultora EY.

 

Novo sector, com novos desafios

Mas nem todos os problemas se resolveram, com a alteração do perfil das empresas do sector, adaptando-se à nova realidade. Frederico Barreto destaca a existem de quatro barreiras ao desenvolvimento que subsistem. Primeiro, a digitalização: “A IoT [‘internet of things’, internet das coisas] está a transformar as operações fabris e o têxtil não passará ao lado. Os empresários têm estado, e bem, a alargar a sua presença em mercados internacionais, promovendo a qualidade dos produtos feitos em Portugal, mas o desafio da digitalização não pode ser ignorado, pois será ele que elevará as empresas nacionais para um patamar competitivo que permitirá continuar a ombrear com a concorrência”.

Depois, a questão da dimensão, que está também relacionada com factores como a sucessão, a profissionalização e a ambição. Diz Barreto: “O cariz familiar e a pequena ou média dimensão da grande maioria das empresas têxteis pode ter sido um fator diferenciador no passado – pela flexibilidade operacional que permitiu –, contudo também é um fator limitador da sua escala e dimensão”. A continuidade do sucesso “dos atuais modelos de negócio pode ser colocada em causa pela reduzida escala de operação das empresas portuguesas”, aponta, acrescentando que “a sucessão dos líderes destas empresas pode marcar um momento de maior crescimento da profissionalização da gestão destes negócios, bem como um renovar das respetivas ambições. O aumento da escala coadjuvado pelas tecnologias digitais irá permitir a manutenção da flexibilidade do modelo negócio do têxtil Português”.

O terceiro entrave é a questão a diferenciação, relacionada com a marca e, também, com a inovação. “O têxtil nacional nasceu e cresceu a servir grandes marcas internacionais. O private label continuará a estar na origem das encomendas mais significativas, mas será muito importante a criação de marcas nacionais com credibilidade internacional, pois permite reduzir a dependência de clientes internacionais, enquanto que permitirá as empresas nacionais capturar mais valor, nomeadamente aquele que encontramos nesta componente da cadeia de valor. Esta evolução irá precisar de recursos humanos qualificados para trabalhar quer a componente de branding, quer a de marketing, em perspetivas muito diferentes das que são atualmente trabalhadas”, diz o Advisory Senior Manager da EY. “Da mesma forma, a inovação deve estar embebida nos processos estratégicos das empresas, no seu DNA, de forma a antecipar tendências e expandir o mercado não concorrencial, onde há significativo valor para este negócio”.

Neste caso, as redes sociais e a digitalização serão fatores de alavanca para o crescimento das marcas nacionais, e para alavancar a inovação, uma vez que o investimento e o risco associado a este processo são significativamente menores do que em décadas anteriores.

Finalmente, o problema da capitalização, que é estrutural, mas também transversal à generalidade das empresas portuguesas. “A importância do fator capital é conhecida”, diz Frederico Barreto. “O investimento em novas tecnologias, na modernização das operações fabris e no desenvolvimento de marcas próprias surgirão na linha da frente nas necessidades de capital dos negócios no têxtil”, acrescenta.

 

Atenção à guerra comercial

Questionado sobre se a tensão internacional provocada pelas guerras comerciais que envolvem os Estados Unidos da América são um problema para uma indústria têxtil que está fortemente internacionalizada, Barreto diz que é preciso estar atento. “As tensões comerciais e a regulamentação podem alavancar positiva ou negativamente qualquer indústria ou região. Uma relação próxima entre o ecossistema têxtil – as empresas do setor, as associações que as representam e as autoridades nacionais e europeias é fundamental e extremamente relevante no contexto de alterações regulamentares regionais ou internacionais”, diz.

“Este ecossistema deve acompanhar de perto as evoluções das tensões comerciais e desenvolver cenários estratégicos de preparação para alterações favoráveis e desfavoráveis, uma vez que a UE não domina nem controla todos os meandros destas tensões”, acrescenta.

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