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Tim Cook: o “parceiro” que Jobs deixou à frente da ‘maçã’ enfrenta um novo desafio

A gigante de Cupertino anunciou esta semana uma revisão em baixa dos números para o último trimestre, com as vendas do iPhone na China a penalizarem as receitas. Paraultrapassar o desafio, a Apple conta com um CEO pragmático que durante anos implementou a ambiciosa e criativa visão do fundador da empresa.
20 Janeiro 2019, 10h00

“Indispensable backstage partner”. Na biografia que Walter Isaacson escreveu de (e a pedido de) Steve Jobs, é assim que é descrito o papel de Tim Cook na gestão da Apple – o indispensável parceiro operacional.

Contratado em 1998, numa altura em que Jobs finalmente percebera que era preciso externalizar a produção e exigir mais agilidade aos fornecedores, Cook tornar-se-ia no Chief Operating Officer perfeito para implementar a visão criativa de Jobs. Durante as longas ausências deste devido a motivos de saúde, foi Cook que tomou as rédeas da empresa e, em agosto de 2011, três meses antes do falecimento do fundador da Apple, foi nomeado CEO.

Cook prolongou o crescimento da gigante norte-americana sediada em Cupertino, com o lançamento (e sucesso) de novas versões do iPhone e o alargamento das gamas de produtos e serviços a impulsionar as vendas e os lucros. O marco histórico foi atingido em agosto do ano passado, precisamente sete anos após a ascensão de Cook a CEO: a Apple tornava-se na primeira empresa no mundo com uma capitalização bolsista acima do bilião de dólares.

Sinais de alarme

No entanto, ao mesmo tempo que obtinha esse estatuto único, os dados já sinalizavam problemas para a empresa da ‘‘maçã”, principalmente as vendas do icónico e pioneiro smartphone. As reações dos peritos ao lançamento, em outubro, de três novos modelos (o XR, XS e XS Max) foram mornas. Os modelos eram intermédios, ou seja, eram upgrades e não séries novas, e as novidades eram escassas e pouco impressionantes, enquanto os preços permaneciam elevados. Isto tudo num mercado altamente concorrencial, no qual as rivais Samsung e Huawei se focam cada vez mais nos produtos premium e propõem preços mais acessíveis, captando quota de mercado.

Os números já vinham a descer antes desse lançamento – num espaço de 12 meses até setembro de 2018 as vendas trimestrais do smartphone caíram de 77 milhões para 47 milhões de unidades. Em novembro, vários fornecedores de componentes para o iPhone reportaram que a Apple tinha reduzido as encomendas, um sinal que foi interpretado com alarme pelo investidores. O título entrou em bear market a 19 de novembro, ou seja, a cotação caiu para 20% abaixo do último pico, que tinha sido meras semanas antes, a 3 de outubro.

O reconhecimento oficial dos problemas chegou na passada quarta-feira, dia 2. Numa carta dirigida aos investidores, Tim Cook explicou que a Apple cortou o guidance para o primeiro trimestre fiscal, que terminou a 29 de dezembro. As receitas deverão ter atingido os 84 mil milhões de dólares, face à anterior estimativa de um intervalo entre 89 e 93 mil milhões.

O CEO sublinhou que a revisão em baixa das receitas deveu-se inteiramente à queda das vendas do iPhone, especialmente na China. O timing dos lançamentos, antecipado para outubro face ao habitual mês de dezembro, o dólar forte e os problemas macroeconómicos em alguns mercados emergentes foram outros fatores. Mas foi a China, cuja economia tem sido afetada pelas tensões comerciais com os Estados Unidos, que representou a quase totalidade da queda nas receitas.

Barras de proteínas

Apesar dos sinais prévios, a cartada de Cook apanhou os analistas algo desprevenidos, com os principais bancos de investimento a cortarem o preço-alvo ou a recomendação para as ações da Apple. O mercado reagiu e a cotação deu um trambolhão de 10% esta quinta-feira.

Os analistas do Jefferies reduziram o preço-alvo de 225 dólares para 160 dólares, salientado a surpresa do anúncio. “A Apple não falhava o guidance há muitos anos, portanto a escala dos cortes nas previsões sugere que está a navegar em águas nunca antes navegadas”. Essa ‘navegação’ será um grande teste para Cook e poderá marcar o seu período à frente da empresa.

Filho de um estivador e de uma funcionárria de farmácia, cresceu em Robertsdale, no estado do Alabama. Quando entrou na Apple, aos 37 anos, no CV_constavam uma licenciatura em engenharia industrial da Auburn University e um MBA da prestigiada Duke. A experiência profissional consistia principalmente numa dúzia de anos nas áreas de produção e distribuição da divisão de PCs da IBM, além de passagens mais curtas pela Compaq e pela Intelligent Electronics.

No livro, Isaacson descreve algumas das caraterísticas de Cook. “Solteiro, atirou-se ao trabalho, acordava às 4h30 da manhã para enviar emails, depois passava uma hora no ginásio e sentava-se à secretária às 6 horas”.

De rosto quase sempre fechado e com um humor seco, tinha o hábito de fazer longas pausas de silêncio durante reuniões, nas quais o único som que se ouvia era quando abria as embalagens de barras de proteínas que consumia constantemente.

O biógrafo de Jobs descreve ainda os sucessos imediatos de Cook na Apple: reduziu o número de fornecedores principais de 100 para 24 e fechou 19 dos armazéns da empresa. Em poucos meses reduziu os inventários do equivalente a dois meses de vendas para um mês e, passado pouco tempo, para dois dias. O processo de produção de um computador passou de quatro meses para dois.

‘The Apple Way’

A capacidade de gerir e afinar uma gigantesco e variada linha de produção foi a principal razão para Jobs escolher Cook como sucessor, pois permitiu ao visionário focar-se na inovação e no design dos produtos.

Na carta aos investidores, o CEO_salientou alguns dos aspetos positivos. Ainda acredita no sucesso da empresa na China, especialmente na área dos Serviços. As receitas dessa área, tal como as dos Wearables e do Mac estão a crescer, contribuindo para um aumento das receitas de 19% nos produtos fora do âmbito do iPhone.

“Ao sairmos de um trimestre desafiante, estamos tão confiantes como nunca na força fundamental do nosso negócio. Gerimos a Apple a olhar para o longo prazo e usamos sempre os períodos de adversidade para reexaminar a nossa abordagem, tirar proveito da nossa cultura de flexibilidade, adaptabilidade e criatividade, para depois emergirmos melhores”, escreveu Cook. “Foi sempre o Apple Way e irá sempre ser”.

O CEO_tem um historial que demonstra essa capacidade de adaptação. Walter Isaacson relata um episódio sintomático. Em 2010, quando o iPhone 4 foi alvo de reclamações devido a um problema técnico com a antena, o temperamental Steve Jobs levou as críticas a peito e entrou em depressão. A única pessoa que conseguiu arrancá-lo dessa apatia foi Cook, que citou alguém que tinha dito que a Apple estava a tornar-se na nova Microsoft, arrogante e letárgica. No dia seguinte, Jobs reagiu: “Vamos resolver isto”.

Artigo publicado na edição nº1970, de 4 de janeiro, do Jornal Económico

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