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Tommaso Valletti: “Os portugueses podem beneficiar da OPA chinesa à EDP”

A proposta da CTG ainda não chegou a Bruxelas, mas o economista-chefe para a concorrência diz que, quando receber o dossier, irá analisar o impacto no controlo de mercado, preços e investimento.
1 Julho 2018, 18h30

O investimento chinês em sectores-chave na Europa, como a energia, não é um problema em si mesmo, mas a falta de reciprocidade é algo que preocupa, segundo o economista-chefe da Direção-Geral da Concorrência (DGC), da Comissão Europeia. Numa entrevista ao Jornal Económico, à margem do Fórum BCE, que decorreu esta semana em Sintra, defendeu que não existe ainda um mercado verdadeiramente único.

Quais são atualmente as principais tendencias na concorrência e consolidação na Europa?

Na DGC, fazemos normalmente três coisas: analisamos as principais fusões para garantir que essas operações de concentração não acabam por aumentar os preços ou reduzir a qualidade e a inovação para os clientes;_fazemos anti-trust, o que significa que, uma vez que uma empresa ganhou poder de mercado, queremos ter certeza de que não abusa do poder de mercado;_e a última coisa para que olhamos é o apoio estatal. Em Portugal, agora, se o Novo Banco falir, a forma como se reestrutura o banco e como o Estado coloca dinheiro no banco tem de seguir regras muito rígidas que nós supervisionamos.

Como é que atuam nestes casos?

Trabalhamos com base em casos. As fusões são-nos notificadas, não podemos simplesmente escolher um sector e fazer uma investigação.

No caso do anti-trust, podemos iniciar uma investigação, mas o mais provável é que venha de reclamações. Se alguém disser que não pode entrar num mercado por causa de uma restrição contratual, analisamos o caso. Às vezes, fazemos consultas sectoriais, se considerarmos que existem problemas específicos em alguns sectores, fazemos uma investigação mais geral. Recentemente, fizemos um sobre energia, também sobre e-commerce no ano passado. Agora, estamos a fazer um estudo sobre o nível de propriedade comum em empresas europeias. As empresas, é claro, têm proprietários diferentes, mas às vezes são propriedade dos mesmos investidores institucionais. Imagine duas empresas que são concorrentes no mesmo mercado, mas alguém tem um grande investimento em ambas, não irá dizer para competirem. Irá dizer para terem uma boa vida e trabalharem em conluio. Mas, de um modo geral, o nosso trabalho de caso é conduzido por notificações de fusões e informações que nos chegam de cartéis ou reclamações. Somos, em certo sentido, reativos mais que proativos.

Mencionou uma investigação no sector de energia, quais foram as principais conclusões?

O setor energético é uma das prioridades da Comissão Juncker. O problema é que há muita energia muito poluente e queremos descarbonizar a produção de energia e confiar muito mais em fontes como a hídrica ou a eólica. Isso cria problemas de capacidade, porque não é como se estivessem sempre disponíveis. Há picos e têm de ser ativadas… Tem de se equilibrar o fornecimento de energia para que haja investimentos específicos chamados mecanismos de capacidade e a Comissão foi muito boa em definir como os países podem dar subsídios às empresas de energia. Isto está relacionado com o apoio estatal, de certa forma, ainda com base no mercado: alcançar a descarbonização, incentivando a eólica, a água, que é menos poluente, sem dar demasiado dinheiro às empresas nacionais. O objetivo é dar-lhes o preço de mercado. Fizemos uma consulta sobre o mercado e há muitos casos de mecanismo de capacidade em Espanha, Itália, Irlanda… Estamos agora a acompanhar esses processos.

Ainda sobre o investimento na energia, qual é a opinião da Comissão sobre a entrada de capital chinês na Europa?

Obviamente, a questão chinesa é muito complicada, muito política, há uma falta de reciprocidade. Os investidores chineses vêm para cá e temos de ter cuidado, é claro, porque temos de proteger algumas indústrias muito especiais, como a defesa nacional. O fornecimento de energia pode ser uma dessas prioridades, mas também se quer evitar demasiada interferência política. Do ponto de vista da concorrência, os chineses são bons investidores e podem trazer bons preços aos portugueses. Por que não? Se a aquisição levar a investimentos eficientes, preços mais baratos, etc., será benéfico.

Está a falar da Oferta Pública de Aquisição (OPA) da China Three Gorges à EDP?

Sim, é um exemplo. Os portugueses podem ser beneficiados, não vejo razões para ser protecionista. O que eu vejo é que há um debate político mais alargado sobre porque é que os investidores chineses podem vir para a Europa, mas as empresas europeias não podem ir para a China. Essa é uma discussão que deviamos ter. Do ponto de vista da concorrência, é um pouco mais estreito. Penso que, se não estão apenas a explorar um país, a entrar e a aumentar os preços… Mas se os investidores chineses aumentarem os preços aos consumidores portugueses, isso é algo que a Autoridade da Concorrência evitaria e impediria de acontecer.

Se a China Three Gorges adquirir a EDP, espera que os consumidores portugueses sejam beneficiados?

Não posso falar porque não vi o caso. Penso que nos será notificado porque é uma transação muito grande, mas ainda não vi nenhum dado. Estou apenas a falar em termos de hipóteses. Como economista-chefe da DGC, não vi nada sobre a transação. Suponho que vai chegar à Comissão porque é um investimento muito grande. Na altura, vou analisar se o investidor está a adquirir poder de mercado. Se sim, há algum desinvestimento? Se não, é algo que a Comissão, do ponto de vista da concorrência, não tem muito a dizer.

Há já capital chinês na REN e agora na EDP. Há o risco de o investimento chinês dominar todo o setor energético em Portugal?

Mas isso é um problema de concorrência. É um tema delicado. Há atualmente um debate sobre quem controla realmente as empresas chinesas. Se a gestão da REN ou de outra empresa da área é independente de quem assumir a gestão da EDP [no caso de a OPA ser bem sucedida], serão concorrentes. Contudo, outro argumento é se está tudo sob uma estrutura comum do governo chinês. Se for visto como uma entidade única, é uma enorme concentração de poder de mercado e não deve ser autorizado. A discussão é: quão independente é cada empresa do governo chinês? Está o Governo chinês a proporcionar uma cobertura comum ou não? Isso é o que será investigado, perceber quem se encontra nos boards, quem decide os preços, quem decide as estratégias. Se forem independentes, não haverá concentração. Mas como disse, não tenho conhecimento sobre o caso. É importante compreender é se estão coordenados, porque estão sob a mesma cobertura do Estado, se o Ministério da Energia da China decidir tudo, se coordenarem os preços também, então os consumidores portugueses poderão deparar-se com preços muito caros.

A Comissão tem capacidades de avaliar se existe essa cobertura comum do Estado chinês ao investimento?

É uma área onde não estou especialmente envolvido. Outras pessoas estão dedicadas a essa área, mas é um tema que está a ser muito discutido na Comissão.

No Fórum BCE falou sobre as dificuldades do mercado único na Europa. Como se pode aumentar a integração?

Algumas coisas estão a ser feitas, por exemplo, no mercado online. Não permitimos proteção de mercado. Vimos que muitas empresas, no e-commerce, estão a impedir os consumidores portugueses de comprar coisas de sites alemães, por exemplo. Se identificamos isso, intervimos. É algo que fazemos e que tem várias implicações para o mercado online e onde somos muito ativos. Claro que temos que analisar caso a caso, mas no geral quando se trata de aquisições entre países, dentro de uma verdadeira integração, se uma operadora móvel portuguesa quiser adquirir uma italiana ou espanhola poderíamos aprovar, porque não é concorrência direta e até pode ser a escala que é necessária. Mas a maioria das aquisições são entre empresas portuguesas. Entre países, provavelmente, ficaríamos satisfeitos por aprovar, mas consolidação dentro do próprio mercado, não.

Temos assistido à aquisição de bancos portugueses por bancos espanhóis. Quais são os riscos?

O setor da banca é muito delicado, porque tem o lado da concorrência mas existe também o lado da estabilidade financeira e o risco. Até agora, porque estávamos a sair da crise, demos muitas autorizações para evitar que os riscos se espalhassem aos mercados financeiros. Em certo sentido, o aspeto concorrencial ficou em segundo plano face à preocupação da instabilidade. Agora que a situação está melhor – a economia portuguesa está a melhorar, a espanhola vamos ver… – presumo que o critério da concorrência volte a tornar-se mais duradouro. Se um banco português quiser adquirir outro banco português, dentro da concentração de mercado, ficaria bastante cauteloso. Provavelmente iria travar bastante essas operações. Mas deverá acontecer mais consolidação da indústria bancária.

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