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Três jovens portuguesas distinguidas em livro do coletivo alemão “Notamuse”

Trabalhos de Inês Nepomuceno, Mariana Marques e Márcia Novais foram selecionados para publicação no livro “Notamuse – A New Perspective on Graphic Design”, projeto sediado em Hamburgo que visa atribuir uma maior visibilidade ao design gráfico criado por mulheres.
26 Janeiro 2018, 12h29

São jovens (entre os 30 e 31 anos de idade), portuguesas, designers gráficas de profissão, vivem no Porto e acabam de ser distinguidas pelo coletivo alemão “Notamuse” que selecionou alguns dos seus trabalhos para publicação no livro “Notamuse – A New Perspective on Graphic Design” (prestes a ser lançado na Alemanha). “Atribuímos uma enorme importância a este destaque. Por um lado, é muito bom perceber que Portugal está presente na cena do design contemporâneo, apesar de ser uma disciplina que ainda se está a consolidar. Por outro lado, é interessante perceber que, nos últimos anos, o discurso pela igualdade de oportunidades se faz acompanhar de uma série de projetos que pretendem destacar o trabalho desenvolvido por mulheres, numa tentativa de escrever uma história do design e da arquitectura mais equilibrada e mais justa. ‘Print Women Print’ da Stall Bookshop, ‘Mulheres na Arquitectura’ ou este projeto ‘Notamuse’ são alguns dos exemplos”, salientam Inês Nepomuceno e Mariana Marques (co-autoras do trabalho que ilustra o presente artigo, um dos que serão publicados no livro), em declarações ao Jornal Económico.

Na génese do projeto “Notamuse”, formado por outras três jovens designers gráficas (Silva Baum, Claudia Scheer e Lea Sievertsen, alemãs radicadas em Hamburgo), está a ideia de que o design criado por mulheres recebe menos atenção do que o design criado por homens, independentemente de ter maior ou menor qualidade. Além da falta de visibilidade mediática e reconhecimento no mundo académico, Baum, Scheer e Sievertsen também criticam o que entendem ser “o discurso dominado por homens no design”. E daí a publicação de um livro que “mostra exclusivamente o trabalho de mulheres designers contemporâneas”, descrito como “um gesto deliberado que visa contrabalançar” a predominância masculina no design.

 


[Trabalho selecionado de Inês Nepomuceno e Mariana Marques, em co-autoria].
[“Espaço Cénico, Arquitectura e Cidade Guimarães, um Modelo Conceptual”, de Andreia Garcia /
Editor: Caleidoscópio / Edição ou reimpressão: abril de 2017].

 

O livro reúne trabalhos de designers de vários países, três das quais portuguesas. Como é que decorreu o processo de seleção? “Há cerca de um ano entrevistámos Julia Kahl, diretora da revista ‘Slanted’ que tinha recentemente dedicado uma edição a Portugal. Falámos então sobre mulheres designers gráficas de toda a Europa e a Julia referiu-se a elas [Nepomuceno, Marques e Novais]. Depois percebemos que já conhecíamos alguns dos seus excelentes trabalhos, muito inspiradores, e entrámos em contacto direto”, respondem as criadoras do “Notamuse”.

Este projeto é uma forma de “empoderamento” feminino aplicado ao design gráfico? “Sim, definitivamente sim. É uma forma de ‘empoderamento’ porque reivindica um espaço para as mulheres designers, tanto na história do design como no discurso contemporâneo do design,“ sublinham Baum, Scheer e Sievertsen. “As mulheres designers têm que aprender a promover o seu próprio trabalho, de um modo confiante, e a apoiarem-se mutuamente. Vemos o ‘Notamuse’ como um meio para fazer isso, precisamente”.

Nepomuceno e Marques apontam no mesmo sentido. “O facto de a mulher ter tido, durante muitos anos, uma posição ligada à família e à casa, não tendo a oportunidade de estudar ou trabalhar, afastou-a do universo laboral. Acreditamos que isso é uma questão transversal a todas as áreas. O design não escapa a essa tendência e é natural que as referências históricas sejam, na sua grande maioria, masculinas. Além disso, por mais que existam exemplos de mulheres designers na história, a narrativa foi construída dando destaque a figuras masculinas e isso tem naturalmente implicações no presente, onde a desigualdade permanece”.

Tanto ao nível global como mais localmente em Portugal? “Aqui a questão está também associada ao passado da disciplina e ao lugar da mulher na sociedade. Vivemos numa ditadura num passado recente e isso teve implicações muito grandes ao nível científico, artístico, cultural e social”, afirmam Nepomuceno e Marques.

“Acreditamos que hoje se sente uma viragem do paradigma e as nossas referências estão a mudar, da mesma forma que a importância da disciplina também se tornou mais efetiva”, ressalvam. “Na academia, por exemplo, as referências têm que passar a incluir ambos os géneros com o objetivo de repensar a história de forma justa. Do mesmo modo que as referências artísticas do mundo ocidental são sobretudo centradas no homem branco, no design existe a mesma tendência que, para além de representar desigualdade, conduz a um empobrecimento intelectual e estético e à homogeneidade”.

 

“Neste momento, essas mulheres e o seu importante papel na história [do design] estão a ser lentamente redescobertos. Mas a maior parte dos estilos, movimentos, épocas, como o modernismo, ainda estão ligados a um grupo restrito de homens designers”, criticam as fundadoras do “Notamuse”.

 

As criadoras do “Notamuse” também defendem a necessidade de formar mais “referências femininas”, com o objetivo de tornar o design gráfico “mais diversificado”, não restrito a “heróis masculinos”. Trata-se de puro sexismo, ou talvez consequência da tradicional predominância masculina, apesar da crescente entrada de mulheres na profissão? “No campo do design gráfico houve sempre mulheres trabalhadoras de sucesso. No entanto, quando se olha para a história do design, há muito poucas sobre as quais se ensina. Neste momento, essas mulheres e o seu importante papel na história estão a ser lentamente redescobertos. Mas a maior parte dos estilos, movimentos, épocas, como o modernismo, ainda estão ligados a um grupo restrito de homens designers. Esses homens são os que se dão a conhecer aos estudantes de design gráfico”, argumentam.

“Nós pensamos que essas práticas não apenas ocultam as mulheres designers que trabalharam nessas épocas, mas também formam as nossas imagens do sucesso, do quão inovadores, inventivos e geniais parecem ser os designers. E vemos que são todos homens”, sublinham. “Por isso é muito mais fácil para os homens identificarem-se com esses grandes designers. Tal como os outros mais provavelmente vêem a sua competência, enquanto homens, mais próximos do que imaginam ser um bom designer. Mas sim, também é consequência da tradicional predominância masculina na arte”.

 

Modelo identitário masculino

A par do livro, o projeto “Notamuse” também realizou uma série de 22 entrevistas a mulheres (não apenas designers, mas também sociólogas, professoras universitárias, etc.), ao longo de 2017, abordando temas como as novas realidades laborais, a posição das mulheres em “profissões masculinas”, as diferenças entre homens e mulheres designers, o sexismo quotidiano na vida profissional, entre outros. O resultado desse trabalho de pesquisa e reflexão está disponível na página “online” do coletivo “Notamuse”, entre outros dados, para efeitos de divulgação.

Consideram que o design gráfico se integra na categoria de “profissões masculinas”? “Se olhar para os números, à primeira vista o design gráfico não parece ser particularmente masculino, com uma divisão de género a rondar os 50%. Contudo, nas conferências, nas posições de topo em universidades, agências e estúdios, as mulheres estão geralmente sub-representadas, o que também leva a uma menor atenção pública às mulheres designers. Neste sentido, o design gráfico também pode ser visto como uma ‘profissão masculina’. Mais, termos falado nas entrevistas sobre a posição das mulheres em ‘profissões masculinas’, isso ajudou-nos a reparar nos obstáculos que as mulheres geralmente têm que enfrentar em ambientes de trabalho. Desde a discriminação por potencial maternidade até ao simples facto de não serem levadas a sério ou reconhecidas como competentes. Essas são questões que também as mulheres designers têm que enfrentar”, explicam as três fundadoras do “Notamuse”.

 


[Silva Baum, Claudia Scheer e Lea Sievertsen].

 

Ao que acresce “o discurso dominado por homens no design”, outro alvo de críticas e objeto de desconstrução. “Nós pensamos que o discurso público no design, isto é, conferências, publicações, ainda é dominado por homens, pelo menos na Alemanha. Os números de mulheres oradoras podem estar a aumentar ligeiramente, mas continuam normalmente a quedar-se entre 10% a 30%. Também verificámos que os homens têm uma maior propensão a enviar os seus trabalhos para ‘blogs’ e magazines, o que os torna mais visíveis. Esta é uma vertente em que as mulheres poderiam começar a fazer mais por elas próprias, ousar mais. Mais, no contexto académico, os cargos de professores são predominantemente ocupados por homens, o que não ajuda a formar referências femininas”, lamentam Baum, Scheer e Sievertsen.

Na Alemanha como em Portugal. “De uma maneira geral, achamos que é uma luta constante. É algo que, enquanto mulheres designers temos de ter consciência. A nossa profissão foi, e ainda é, apesar de começarmos a testemunhar mudanças positivas, dominada por homens”, confirmam Nepomuceno e Marques. “Quando pensamos em grandes nomes do design, pensamos inevitavelmente em homens. Possivelmente porque as mulheres chegaram mais tarde à disciplina do design. Possivelmente por ser um círculo vicioso em que os homens assumem sempre a posição de destaque”.

“Na nossa geração, na nossa cidade, o Porto, é para nós motivo de orgulho ver que há tantas mulheres designers com um volume de trabalho sólido e com algum destaque. Mas quando pensamos em cargos de liderança, mais uma vez, são maioritariamente homens,” afirmam. Quanto ao “discurso dominado por homens”, as duas designers do Porto dizem que “vem precisamente no seguimento de como a história do design é narrada. Aprendemos a habituar-nos a ouvir os nomes dos grandes pioneiros do design. Esses heróis são homens e a sua história é contada, também ela, por homens”.

 

“Miyazaki conta-nos histórias de heroínas mulheres. Estas mulheres não são resgatadas por homens, nem se apaixonam por um príncipe. Estas mulheres têm papéis fortes e intensos que contrariam convenções e servem como inspiração e exemplo às futuras gerações”, enaltecem Nepomuceno e Marques.

 

“Em Portugal, só muito recentemente é que o design se assumiu como disciplina e é verdade que, desde então, as mulheres têm vindo a ter um papel cada vez mais ativo numa profissão que até agora foi dominada por homens. É por isso que acreditamos que é importante que a perspetiva feminina da história do design seja ouvida e é por isso que acreditamos que os homens designers também devem ser chamados a esse discussão, de uma maneira positiva. Esta discussão deve começar nas escolas, durante a nossa aprendizagem. A mulher tem de sentir, desde cedo, que o seu papel na história do design foi relevante e, mais do que isso, tem de perceber que o seu lugar no futuro do design será importante”, reforçam.

Há uma dimensão cultural na mudança que propõem, não se confinando aos limites formais do design gráfico. “O realizador Hayao Miyazaki é um exemplo da importância da participação dos homens na discussão. Miyazaki conta-nos histórias de heroínas mulheres. Estas mulheres não são resgatadas por homens, nem se apaixonam por um príncipe. Estas mulheres têm papéis fortes e intensos que contrariam convenções e servem como inspiração e exemplo às futuras gerações”, enaltecem. “Este tipo de ruptura oferece à mulher a possibilidade de se identificar com outro tipo de personalidade ou futuro, fomentando assim a sua liberdade de escolha”.

 

Responsabilidade coletiva da sociedade

Alguma vez se sentiram discriminadas ou prejudicadas no trabalho pelo facto de serem mulheres? “Tivemos experiências diferentes entre nós, quando estudámos ou iniciámos a atividade profissional. Mas o design gráfico é uma profissão em que, além da criatividade, são necessários muitos conhecimentos tecnológicos. E no que respeita à tecnologia, muitas vezes as mulheres são vistas como não especialistas, mesmo que sejam”, dizem as criadoras do “Notamuse”.

Por sua vez, Nepomuceno e Marques respondem da seguinte forma: “O que sentimos, por vezes, é que os homens são associados a certas características no design. Por exemplo, podem ser melhores tecnicamente ou podem ter maior predisposição para angariar e falar com clientes, mas isto tem também que ver com o facto de a nossa aprendizagem do design estar repleta de modelos do sexo masculino. Ou seja, pode existir uma segregação naquilo que pode ser esperado de uma mulher no design e o que é esperado de um homem e isso prende-se com o que as pessoas acham que é o papel das mulheres na sociedade. Quebrar com esses estereótipos de género é extremamente difícil, pois as mulheres, ainda que inconscientemente, são associadas a um tipo de conhecimento e os homens a outro. No caso do design, as mulheres são associadas a determinadas competências dentro do trabalho criativo e os homens a outras”.

O que é que deveria ser feito, política e culturalmente, para impedir práticas discriminatórias? “Há muitas coisas que deveriam ser feitas para prevenir a discriminação. Por exemplo, mais regulamentos políticos apoiando o tratamento igualitário de mulheres e homens no âmbito da família, parentalidade e salários”, defendem Baum, Scheer e Sievertsen. “Mas ainda mais importante é uma mudança cultural na sociedade. Isto diz respeito à sociedade como um todo. Ou seja, todos temos que assumir essa responsabilidade no dia-a-dia. Tanto os homens como as mulheres têm que estar mais atentos a situações discriminatórias e ao seu próprio comportamento”.

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