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Trump acelera declínio dos EUA, mas ascensão da China é estrutural

O declínio da supremacia política e económica dos EUA no mundo está a ser acentuado pelo presidente Donald Trump e preconiza uma nova ordem global, na qual aparece reforçada a China de Xi Jinping, acredita a académica britânica Leslie Vinjamuri.
8 Abril 2018, 10h54

Após o fim da II Guerra Mundial, os EUA, revigorados pela vitória militar e pelo poderio económico, assumiram um domínio da política global suportado pelos aliados ocidentais.
A democracia liberal foi, durante décadas, um modelo em expansão, adotado por um crescente número de países e que, a certa altura, esteve em vias de contagiar os dois principais oponentes, China e Rússia. Mas a professora em Relações Internacionais da universidade SOAS, em Londres, considera que, apesar de manter um peso considerável em termos militares e económicos, a autoridade dos EUA tem vindo a diminuir consideravelmente desde os anos 1950.
“A razão pela qual estamos a falar novamente sobre a ordem mundial tem pouco a ver com mudanças no poder global. O debate hoje está claramente a ser conduzido pelos ataques verbais diretos de Trump às normas e instituições que foram fundamentais para a ordem do pós-guerra”, disse à agência Lusa.
Na sua opinião, o estilo de Trump, ao dar prioridade a uma agenda protecionista da América Primeiro [America First], especialmente na política comercial, mina o papel dos EUA. “A sua inépcia na defesa da parceria transatlântica ameaça dividir o Ocidente e arruinar a influência dos Estados Unidos. Não é uma questão de falta de poder, é uma questão de estratégia e estilo”, garante.
Nicholas Redman, diretor editorial do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, concorda que “a ordem global está em evolução” e que o “momento unipolar” em que os EUA eram o poder global incontestado terminou após o 11 de setembro. “Hoje, outros Estados, em particular a China, são mais poderosos e estão a desafiar seletivamente os EUA e a ordem internacional que [Washignton] construiu e modificou com o apoio de aliados e parceiros durante várias décadas”, sustentou.
Porém, Redman não atribui aos líderes de cada um dos países um papel determinante nesta transferência de poder, que qualifica de “fenómeno estrutural”. Este especialista em política russa e da Europa de Leste afirma que Trump pouco pode fazer quanto ao crescimento da economia chinesa, das suas forças armadas e do peso comercial e financeiro em influência no exterior.
“O mesmo aplica-se a outros poderes em ascensão ou revitalização. Trump poderia tomar medidas para reduzir as pressões que sobrecarregam os EUA, como tentou o antecessor tentou, mas na prática isso não é fácil de alcançar e os riscos são uma potencial perda de influência e posição, e o risco de um vácuo emergente”, acrescenta.
Para Vinjamuri, a mudança mais significativa nas últimas décadas para a ordem mundial foi a ascensão da China, que tem vindo a mostrar uma visão estratégica e a longo prazo.
Durante a crise financeira mundial da última década, o ‘gigante asiático’ soube aproveitar a fragilidade de muitos países para adquirir ativos e criar uma presença forte nas economias ocidentais. Através da ‘Nova Rota da Seda’, o plano de infraestruturas apresentado em 2013, o presidente chinês, Xi Jinping, pretende reativar a antiga via comercial entre a China e a Europa, através da Ásia Central, África e sudeste Asiático.
Usando uma malha ferroviária de alta velocidade, portos marítimos e autoestradas que abrange 65 países e 4,4 mil milhões de pessoas, Pequim evidenciar a sua proeminência a nível mundial. “Xi viu uma oportunidade de expandir a influência da China que foi criada pela ausência de liderança americana na região. Xi é muito importante para o papel da China na região, tal como Trump”, enfatiza a especialista em política externa norte-americana.
Quanto a Putin, a estratégia do Kremlin tem sido a constante oposição ao Ocidente para reforçar o poder regional, salienta Anthony Dworkin, investigador no instituto de estudos Conselho Europeu de Relações Internacionais.
“A Rússia é, em última instância, menos poderosa devido ao mau estado da economia, mas tem a força militar para desafiar o acampamento feito [pelo Ocidente] no pós-Guerra Fria na vizinhança russa e para intervir em outras áreas como, por exemplo, na Síria”, adianta.
Nicholas Redman aponta para a importância de Putin e Xi enquanto “atores determinados”, com uma agenda bastante limitada e focada nos respetivos interesses nacionais. “O empenho deles é vital para a capacidade dos respectivos estados. Para alguns estados, a liderança pode ser um multiplicador de forças. Vejamos, por exemplo, a posição internacional do Brasil sob Lula, em comparação com a hoje”.
Nesta nova ordem mundial mais polarizada, os analistas remetem para papel secundário os líderes de países com influência às quais se refere como “Estados globais oscilantes ou democracias emergentes”, como a Índia, Brasil, África do Sul, Indonésia, México, Turquia ou Nigéria.
“Eles vão desempenhar um papel importante no desenvolvimento ou apoio a novas normas globais”, admite Dworkin, que coloca a Coreia do Norte de Kim Jong-un numa posição diferente, em que “pode causar perturbações ou tentar negociações, mas que não é influente no desenvolvimento de novas regras para o sistema internacional”.
Leslie Vinjamuri, professora na universidade SOAS, refere o facto de o presidente turco, Recepe Erdogan, beneficiar de “mais liberdade” devido a Donald Trump, quem, recordou, “foi o primeiro a telefonar e dar-lhe os parabéns pelos resultados de um referendo [à revisão constitucional] que foi amplamente visto como limitador da independência judicial e do estado de direito na Turquia”.
Quanto ao líder norte-coreano, a visibilidade que assumiu graças à estratégia de pressão máxima de Trump que elevou Pyongyang para o topo da agenda de segurança mundial, apesar de continuar fora do leque de protagonistas da política mundial. “Não é evidente que Kim tenha mais influência do que teria de outra forma, mas está definitivamente a receber muito mais visibilidade e se ele conseguir garantir a cimeira com Trump, então isso é muito importante para a Coreia do Norte”, conclui Vinjamuri.
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