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Últimas Notícias do Sul

Sepúlveda escreveu sobre esse fim do mundo que é a Patagónia argentina, Mordzinski fixou em imagem o que já não existe. Instantes vividos com amor e raiva. Notícias de uma geografia desaparecida. Fica a sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.
  • Marta Teives
12 Outubro 2019, 10h35

Viajando pela América do Sul, entre 1799 e 1804, o naturalista alemão Alexander von Humboldt observou a nefasta relação entre a ação humana e a devastação do ambiente, relacionando natureza, ecologia, poder e política.

 

 

Nestes mais de dois séculos, os seres humanos, ou pelo menos alguns de entre nós, parecem não ter conseguido evoluir muito, mantendo teimosamente a cabeça debaixo da areia e recusando aceitar o que a ciência e, infelizmente, também a mera observação a olho nu do leigo mostram ser por demais evidente: as alterações climáticas são efeito da ação humana e estão a tornar insustentável a vida no planeta. Para agravar ainda mais o estado das coisas, entre esses que recusam ver a mais óbvia das verdades estão políticos no poder, com capacidade para, pela mera inação, fazer com que se chegue rapidamente ao estado de irreversibilidade.

Há uns dias, na sua crónica semanal na “Folha de São Paulo”, a actriz brasileira Fernanda Torres escrevia sobre a recusa do ministro brasileiro do Meio Ambiente em reconhecer o criminoso desmatamento da Amazónia e os interesses económicos subjacentes aos incêndios que têm devastado o principal pulmão do planeta.

Este (mau) estado ambiental, em particular no sul do hemisfério sul, já tinha sido referido num livro de Luis Sepúlveda, com fotografias de Daniel Mordzinski. Ao longo de dez anos, de 1996 a 2006, o escritor chileno e o fotógrafo argentino realizaram três viagens pela Patagónia e foram testemunhas do lento perecer do modo de vida neste território de certa forma místico, com as suas amplas paisagens e múltiplas lendas. Aos poucos, mas de forma visível em apenas dez anos, os interesses económicos e a globalização foram transformando a paisagem, natural e humana.

Como refere Sepúlveda sobre o livro, publicado em Portugal pela Porto Editora, este “nasceu como a crónica de uma viagem realizada por dois amigos, mas o tempo, as mudanças violentas da economia e a voracidade dos triunfadores transformaram-no num livro de notícias póstumas, no romance de uma região desaparecida. Nada do que vimos existe tal como o conhecemos. De certo modo fomos os afortunados que presenciaram o fim de uma época no Sul do Mundo. Desse Sul que é a minha força e a minha memória. Desse Sul a que me aferro com todo o amor e com toda a raiva. Estas são, pois, as últimas notícias do Sul.”

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