[weglot_switcher]

Um ano de mandato de João Leão: “A resposta à crise esteve longe de ser suficiente”, diz líder da CIP

Ao fim de um ano de mandato de João Leão à frente das Finanças, que se assinala nesta terça-feira, 15 de junho, o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), António Saraiva, defende que as medidas até agora postas no terreno não bastam para evitar, nos próximos meses, o aumento de encerramentos de empresas, sobretudo nos setores mais afetados, e o consequente aumento do desemprego.
  • Cristina Bernardo
15 Junho 2021, 08h15

Ao fim de um ano de mandato de João Leão à frente das Finanças, marcado pela crise económica e social provocada pela pandemia de Covid-19, patrões e sindicatos reconhecem a peculiaridade e exigência dos tempos, mas não deixam de apontar lacunas na resposta do Ministério à crise pandémica e aos problemas estruturais do país. Para o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), houve uma “excessiva” prudência da política orçamental na resposta à crise económica. António Saraiva considera que “a resposta à crise esteve longe de ser suficiente” e teme que as medidas até agora postas no terreno “não bastam” para evitar, nos próximos meses, o aumento de encerramentos de empresas, sobretudo nos setores mais afetados, e o consequente aumento do desemprego.

Quais são as principais marcas que destaca do primeiro ano de João Leão à frente do Ministério das Finanças?

Sinteticamente, diria que a principal marca foi prudência – a meu ver excessiva – da política orçamental na resposta à crise económica decorrente da pandemia.

Prudência que está patente na execução orçamental de 2020, em que a despesa ficou cerca de mil milhões de euros aquém do que o Orçamento Suplementar estabeleceu, Prudência, também, no Orçamento do Estado para 2021, que continuou a refletir a grande resistência do Governo em acionar a política fiscal no estímulo à economia e que não responde suficientemente à exigência que recai sobre as empresas de resistirem e impulsionarem a recuperação.

Portugal aparece sistematicamente nos estudos como um dos países da Europa com menores apoios orçamentais para combater a crise decorrente da Covid-19.

No contexto da crise pandémica, quais as principais medidas que foram tomadas para atenuar os seus efeitos negativos ao nível do crescimento económico e emprego? Foram suficientes?

O lay-off simplificado foi, na minha opinião, a mais importante ferramenta de apoio na defesa do emprego e das empresas. Não foi uma qualquer solução milagrosa, mas foi a forma que se encontrou para acautelar a manutenção de postos de trabalho, tanto quanto possível e apesar de todos os percalços na concretização da medida no terreno. O acesso a esta medida foi, depois, prematuramente restringido e as medidas que se seguiram – designadamente o Apoio à Retoma Progressiva mereceram-nos críticas pelo seu caráter mais limitado.

Além destas medidas, a resposta do Governo passou sobretudo pelo recurso a instrumentos como as linhas de crédito com garantia, as moratórias e os diferimentos fiscais. Estas medidas foram importantes para que as empresas pudessem aguentar, um pouco mais, mitigando as suas dificuldades de tesouraria, mas concorrem ou para o aumento do endividamento, ou para encargos mais pesados num futuro relativamente próximo.

Só numa segunda fase o Governo começou a recorrer, timidamente, a uma maior componente de apoio a fundo perdido (nomeadamente através do Programa Apoiar e prevendo, nas últimas linhas de crédito, a possibilidade de transformação da garantia de Estado em incentivo não reembolsável).

Como avalia a resposta à crise?

A resposta à crise esteve longe de ser suficiente. Aliás, é essa a opinião que recolhemos junto das empresas. No último inquérito lançado pela CIP e pela sua estrutura associativa, em parceria com o ISCTE, 85% das empresas responderam que os programas de apoio estão aquém (ou muito aquém) do que necessitam e 61% responderam que o acesso a esses apoios é burocrático ou muito burocrático.

Temo que as medidas até agora postas no terreno não bastam para evitar, nos próximos meses, o aumento de encerramentos de empresas, sobretudo nos setores mais afetados, e o consequente aumento do desemprego.

Sobretudo à medida que se aproxima o fim das moratórias de crédito, são necessárias soluções mais estruturais, que favoreçam o reforço de capitais das empresas.

Em junho do ano passado, o Governo anunciou, no Programa de Estabilização, a criação de um fundo, a ser gerido pelo Banco Português de Fomento, para participação em operações de capitalização de empresas viáveis com elevado potencial de crescimento. Passaram 12 meses e ainda nada foi feito neste domínio.

Qual é o balanço que faz dos primeiros 12 meses do ministro das Finanças?

Um ano em que a ambição da política não esteve à altura da adversidade da economia.

Quais são os principais desafios que o ministro das Finanças vai enfrentar nos próximos 12 meses e até ao fim do mandato?

Destacaria, dentro de muito pouco tempo, o problema do fim das moratórias. Estima-se que um terço do stock de empréstimos bancários às empresas se encontra abrangido por essas moratórias. Das 54 mil empresas com empréstimos em moratória, mais de 99% são PME e dos 24.400 milhões de empréstimos em moratória, 84% são da responsabilidade de PME.

Tudo isto nos alerta para o risco do aumento de situações de insolvência, com o consequente aumento do desemprego, e de incumprimento, com agravamento do crédito mal parado na banca. Este é um desafio, não só para o ministro das Finanças, mas para o Governo.

A CIP já apresentou um documento onde apresentou vias de solução para esta situação, nomeadamente: garantias que permitam a reestruturação da dívida das empresas (no quadro de uma parceria BEI-BPF e sistema financeiro); um mecanismo de conversão em Fundo Perdido de parte das Garantias das Linhas COVID para as empresas que mantêm os postos de trabalho; e a criação de fundos para reforçar a recapitalização das empresas.

O Executivo já assumiu a criação de um instrumento de capitalização…

O Plano de Recuperação e Resiliência refere, a este respeito, a criação de um instrumento de capitalização para combater a grave depauperação de capital próprio no tecido empresarial português, em particular nas pequenas e médias empresas. Mas nada é esclarecido, em concreto, quanto a esse instrumento.

Ora, o mês de setembro aproxima-se e as empresas precisam de saber bem mais do que isto, para que tenham um mínimo de previsibilidade sobre o seu futuro e as possibilidades de construírem estratégias de recuperação e avançarem com elas.

Até ao final do mandato, o ministro assumiu prosseguir a transição gradual das atuais medidas de emergência para políticas de estímulo ao crescimento, não perdendo de vista a necessidade de retomar uma trajetória de finanças públicas sustentáveis a médio prazo.

E como vê o desafio de conciliar os estímulos ao crescimento económico e o objetivo das contas certas?

Se conciliar o estímulo ao crescimento e a sustentabilidade das finanças públicas, só por si, nunca é tarefa fácil, mais difícil será consegui-lo num enquadramento europeu ainda longe de estar clarificado e num quadro parlamentar em que a obtenção das necessárias maiorias nem sempre se afigura fácil.

O desafio será encontrar, na bissetriz de pressões de sinal contrário, o espaço para uma política orçamental adequada, rumo a um crescimento económico mais robusto e sustentável.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.