O regime está fornido de adoradores das muitas figuras menores que o consomem. Por isso, Marcelo Rebelo de Sousa foi certeiro com João Miguel Tavares (JMT) em Portalegre. O visível prazer estampado no rosto do Presidente da República foi, aliás, elucidativo. Agora, se quisesse, teria um caminho para apimentar as liturgias oficiais e os escassos encontros diretos entre governantes e governados. Portugal, a par de rebanhos partidários, decalcados das claques do futebol, ainda dispõe de uma reserva iconoclasta suficiente para ‘tratar’ de algumas imagens e colocar mais vezes António Costa a empanturrar-se de chocolates nos intervalos das eleições que parece condenado a ganhar. Daria para vários mandatos presidenciais e sem ter, sequer, de recorrer a Ricardo Araújo Pereira, que já cumpre o seu papel ao transformar a noite de domingo da TVI num sistemático e imperdível Dia de Portugal.
Obviamente, JMT fez um belo discurso. Não perdeu a oportunidade de dizer à classe política portuguesa aquilo que a maioria dos compatriotas dele gostariam de poder dizer – ainda para mais assim, numa cerimónia solene, oficial. Com palavras simples e sentidas, de forma elegante, fazendo coincidir a sua experiência de vida com a de qualquer outro português, o jornalista esteve à altura dessa oportunidade de ouro. De caminho irritou os serventuários do sistema, como se viu nas reações à calorosa onda de entusiasmo que acolheu as suas palavras nas redes sociais.
A cidadania tem de fazer isto mais vezes: exigir a quem ganha a vida na política que, como funcionário do sistema, cumpra a obrigação inerente ao mandato. Que, por exemplo, tenha vergonha de não ser um exemplo de ética. E, especificamente ao governante, que dote o aparelho de investigação e Justiça dos meios suficientes para se poder recolocar a sociedade nos eixos. Que explique o silêncio cobarde com que protege a respetiva família quando esta é dizimada por processos sucessivos de corrupção, no poder local e central. Que garanta a saúde do sistema, e oportunidades justas para todos, contra castas instaladas e seitas ativas. Este é o ponto, mesmo que velhos articulistas, cansados e desiludidos, afirmem, noutras tribunas, que a insistência numa política séria de combate à corrupção e de desintoxicação do sistema faz parte de um ideário de preocupações juvenis.
O martelo das palavras sempre foi, e será, um grande instrumento de mobilização coletiva. Esteve muito bem JMT mas esteve ainda melhor o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa ao abrir as comemorações do 10 de junho. E de várias formas. Desde logo os discursos fizeram-se na rua, ao ar livre, junto das pessoas. Depois foram dispensadas as condecorações a agentes económicos, o que já sabemos ser um grande risco, até a curto prazo. Depois convidou um espírito livre que interpretou bem o sentir de uma grande parte dos portugueses face à organização política existente. E, por fim, deu relevo aos militares que ao longo da história nunca desertaram das necessidades do País.
Assisti, por obrigação de funções, a muitas edições do Dia de Portugal. Não sou capaz de recordar um discurso – um único! Achei sempre ‘aquilo’ uma cerimónia enfadonha, longe das pessoas, dos temas que faziam sentido, pontuada por palavras irrelevantes ou pretensiosas. Agora foi diferente e é só não voltar para trás. O 10 de junho pode ser um excelente dia para a política. Para Portugal.