Não sabemos se o Governo está atento a talkshows satíricos, mas acabou por fazer o que o Governo Sombra sugeriu. Afinal, a vida imita a arte (da comédia).

Há uma dualidade algo bizarra no comportamento deste Governo. Se, por um lado, consegue ser hábil na gestão das relações externas (geringonça, Marcelo, Bruxelas e até o novo PSD), por outro, não consegue lidar com os problemas internos sem embaraço. A checklist anunciada pela fonte do ministério da Presidência e da Modernização Administrativa é prova disso. Mais uma vez, o Governo ignorou um problema – a incompatibilidade de Pedro Siza Vieira ser gerente de uma empresa e ao mesmo tempo ministro Adjunto – até a polémica aparecer nos jornais, fez uma defesa anedótica (com António Costa a dizer que tinha sido um “lapso”) e depois anunciou uma medida cosmética para mascarar o assunto.

Siza Vieira já estava envolvido noutra polémica: a escusa tardia no caso da OPA chinesa à EDP, dado que foi sócio e advogado numa firma que tem o oferente como cliente. Se esse comportamento foi questionável, o facto de ter sido ministro enquanto gerente de uma empresa familiar já é uma quebra concreta da lei das incompatilidades. Não é um “percalço administrativo”, como o classificou Carlos César. É um advogado sénior a dizer que alegou desconhecimento da lei de incompatibilidades quando entrou para um posto sénior no Governo.

O problema é que o caso é apenas o mais recente de uma lista que começa a ser longa. Os secretários de Estado dos Assuntos Fiscais e da Indústria não sabiam que não deviam ir ver um jogo de futebol no estrangeiro a convite de uma empresa que está em conflito fiscal com o Estado? O líder da bancada socialista e presidente do partido não sabia que a sobrinha não podia ser contratada por uma empresa camarária? O secretário de Estado da Juventude não sabia que não podia acumular as funções governativas com as de gerente de uma exploração de mirtilos?

António Costa tem razão, claro, quando diz que ninguém está livre de lapsos. Mas a questão é mais ampla do que isso. Em todas as análises às declararações de interesses dos deputados, PS e PSD são sempre os dois partidos com mais casos identificados de potenciais conflitos de interesse. Isso demonstra uma caraterística da cultura política no país. Da parte dos partidos do chamado arco da governação, entram para a arena principalmente pessoas com ligações a atividades privadas que são, naturalmente, afetadas por decisões políticas. E são esses os dois partidos que nomeiam ministros, que não têm necessariamente de ter sido eleitos.

Neste contexto, uma checklist para os governantes saberem as obrigações e identidades a quem têm de prestar informações ao entrar no Executivo parece insuficiente. Dado que os conflitos de interesse são tantos, não seria melhor conduzir sessões de escrutínio prévio à confirmação das nomeações, para não haver surpresas durante o mandato? Nas nomeações para a Comissão Europeia e para o Cabinet dos Estados Unidos isso já acontece.

É um processo que consome recursos? Provavelmente, mas creio que seria um bom uso de recursos, pois evitaria problemas no futuro. Iria resolver todos os problemas? Não, porque alguns casos, como o de Siza Vieira, que constituiu a empresa na véspera de tomar posse, são impossíveis de detetar. Nesse caso em específico podemos apenas escolher entre chorar ou rir.