Pouco me interessam as incidências da formulação e retirada do convite a Marine Le Pen para a Web Summit. Se foi uma extraordinária campanha de marketing – e, se não foi, bem podia ter sido;  se o governo de Portugal e a Câmara de Lisboa ‘se mexeram’ – e é claro que ‘se mexeram’; se Pat Cosgrave, esse jovem empreendedor irlandês, parece agora menos inteligente e mais refém do sistema politicamente correto – e é claro que sim; se a liberdade de expressão não foi mais uma vez condicionada pelo dinheiro – e é claro que foi, sendo interessante reconhecer como a extrema-direita é hoje contestatária em relação a uma esquerda instalada e conservadora.

A propósito deste caso, prefiro sublinhar a evolução da perceção dos conceitos de comunismo e fascismo na sociedade portuguesa dos media.

Primeiro: o comunismo deixou de ser visto como uma ditadura, que gerou criminosos extraordinários, o maior dos quais o miserável Estaline, responsável por muitos milhões de mortos entre 1924 e 1953, seguramente mais de 40 (o dobro de Hitler!), embora algumas projeções cheguem a admitir 80/90. Esse horror, que também teve a sua componente étnica, ainda não fez sequer cem anos.

E, no entanto, a História parece ter sido esquecida e admitida sem reservas a evolução dos partidos amigos da revolução do proletariado. Por isso, o PCP, em Portugal, o último dos bastiões europeus da antiga URSS, é aceite genericamente como um partido democrático. Se hoje não faz parte da solução de governo e se se constitui como um apoio da “geringonça”, cada vez mais reticente e incomodado, isso apenas se deve a uma escolha própria. E o mesmo se pode dizer da UDP, do PSR e das forças que se confederaram nesse citadino movimento de elite chamado Bloco de Esquerda.

Segundo: ao contrário do que se passa na extrema-esquerda, a extrema-direita é sempre considerada nos media portugueses como sinónimo de ditadura e do seu paradigma mais nojento, o fascismo. Todos os seus líderes são estigmatizados, sejam da Áustria, da Hungria, da Polónia, onde for que conquistem o poder com os mesmos votos com que os outros – esses, sim, “democratas” – alcançam chefias de governos e de Estados. A associação ao caso supremo, o do nazismo de Hitler, perseguidor do extermínio de um Povo inteiro (o Judeu), é por aqui automática, e não apenas nos textos de opinião.

Ou seja, em Portugal, a esquerda da esquerda tem direito a evolução, tanto ideológica como de compreensão civilizacional. A direita da direita, e talvez esse seja o maior dos legados do nosso tiranete de província, Oliveira Salazar, não tem o mesmo benefício de indulto histórico e mudança de agenda.

Sublinho: não gosto da senhora Le Pen, que acho mais perigosa que o pai. Passo bem sem a ouvir. Mas não subestimo nem o alcance nem a validade daquilo que a torna insuportável para a esquerda nacional: a sua agenda quanto à imigração, sobretudo muçulmana, cujas consequências estão em exibição na outrora pacata Suécia.

O mundo está em mudança, mesmo que os media portugueses ainda continuem a ver esse mundo na ótica da revolução industrial, quando a fronteira se estabeleceu entre a remuneração do trabalho e a do capital, levando a reboque os conceitos de Liberdade e Democracia.

Hoje, a luta entre progressistas e conservadores joga-se no ambiente, no combate à corrupção dos regimes instalados (como o nosso), na digitalização da economia, no peso do Estado e no valor da livre iniciativa. Temos, aliás, aí a Web Summit que nos poderia ajudar a perceber tudo isso. E muito mais.