[weglot_switcher]

UTAO: Adiamento do prazo do empréstimo à Resolução do BES tem custo para o Estado de 630 milhões

A UTAO estimou a rentabilidade para o Estado do adiamento do empréstimo à Resolução do BES. O adiamento da maturidade do empréstimo para 2046 tem uma rentabilidade negativa de 630 milhões de euros. Mas prevêem-se impactos positivos no défice nos próximos 30 anos, entre 0,13% do PIB nos primeiros anos e 0,06% em 2046.
  • BES Av Liberdade Lisboa
18 Julho 2017, 19h27

A UTAO – Unidade Técnica de Apoio Orçamental fez a análise das condições do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução para financiamento da medida de resolução aplicada ao BES.

O estudo resulta de um requerimento do PCP pedido no âmbito da COFMA. O objeto do referido requerimento consiste numa análise específica ao empréstimo concedido pelo Estado, no valor de 3.900 milhões, centrada nos seguintes aspetos: Cálculo do valor atual do fluxo de pagamentos decorrente das novas condições do empréstimo, que vigoraram após 21 de março de 2017; Cálculo do valor atual do fluxo de pagamentos resultante das condições vigentes antes da referida alteração às condições do empréstimo; Comparação entre ambos os valores atuais; Avaliação das condições de pagamento do empréstimo e análise da viabilidade do seu pagamento, nos vários cenários envolvidos.

Segundo a análise dos técnicos independentes que dão apoio ao Parlamento, a última revisão do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução, que atirou a maturidade para 2046, tem um valor atualizado líquido negativo de 630 milhões de euros.

O Valor Atualizado Líquido (VAL) é o valor actual de um determinado montante a obter no futuro. Como qualquer investimento apenas gera cash-flow no futuro, é necessário actualizar o valor de cada um desses cash-flows e compará-los com o valor do investimento. No caso do valor do investimento ser superior ao valor actual dos cash-flows, o VAL é negativa o que significa que o empréstimo do Estado tem uma rentabilidade negativa.

O estudo refere-se ao adiamento do empréstimo para salvaguardar a sustentabilidade do sistema financeiro. “A maturidade dos empréstimo foi revista para Dezembro de 2046 para que o pagamento anual por parte dos bancos seja satisfeitos pelas receitas da contribuição ordinária e da contribuição sobre o sector bancários, mantendo-se o esforço de contribuição dos bancos ao nível actual”, sem serem necessárias quaisquer contribuições extraordinárias pelo sector bancário, explicou na altura ministério de Mário Centeno.  O Governo diz que, em termos gerais, a taxa de juro a aplicar aos empréstimos “teve por base o custo de financiamento da República Portuguesa”, ao que se junta uma comissão, que será “periodicamente actualizada de forma compatível com o indexante a considerar” e permitirá “manter as condições de solvabilidade do Fundo de Resolução”.

A História do empréstimo do Estado para a Resolução do BES

No dia 3 de agosto de 2014, foram aprovados os termos da prestação do apoio financeiro à aplicação da medida de resolução ao Banco Espírito Santo,  no montante de 4,9 mil milhões. Em 7 de agosto de 2014 foi celebrado um contrato de empréstimo inicial entre o Estado Português e o Fundo de Resolução com a duração máxima de dois anos. Posteriormente, na sequência do sucessivo adiamento da venda do Novo Banco, foram levados a cabo dois processos de revisão das condições de financiamento do Fundo, com o objetivo de garantir a respetiva sustentabilidade e equilíbrio financeiro.

No dia 29 de julho de 2016, as condições do empréstimo inicial foram revistas, tendo sido assinado um 1.º aditamento ao contrato de empréstimo, através do qual foram alteradas algumas das condições contratuais, com destaque para o adiamento do prazo de vencimento para dezembro de 2017. Seguidamente, em 10 de fevereiro de 2017, foi formalizado o 2.º aditamento às condições contratuais do empréstimo concedido pelo Estado Português, tendo ficado acordado um conjunto de novas condições contratuais.

O 2.º aditamento ao contrato de empréstimo teve como preocupação a estabilidade e previsibilidade do esforço contributivo do setor bancário, sem recorrer a contribuições especiais ou qualquer outro tipo de contribuição extraordinária por parte das instituições participantes no Fundo de Resolução.
Neste sentido, alongou-se o prazo de vencimento do empréstimo para dezembro de 2046, tendo por base as receitas regulares, na qual também se incluiu a contribuição sobre o setor bancário.

O contrato de empréstimo inicial produziu efeitos entre agosto de 2014 e julho de 2016 e conduziu ao pagamento de juros de cerca de 250 milhões de euros. Caso tivessem existido condições para o reembolso do capital no final do prazo contratual, de acordo com os cálculos efetuados, o contrato de empréstimo inicial teria apresentado um valor atualizado líquido positivo, embora pouco expressivo.

O empréstimo só apresentaria rentabilidade para o Estado se tivesse sido pago em dezembro de 2017, como estava inicialmente contratado. Os adiamentos retiraram rentabilidade ao Estado, como se pode ver do cálculo da UTAO. O Estado está assim a “financiar” a estabilidade do sistema financeiro. Mas a UTAO diz também que numa situação em que o Fundo de Resolução fosse obrigado a proceder à liquidação dos seus compromissos, num prazo curto que se encontrasse desajustado do perfil de recebimentos, poderia estar comprometida a prossecução da sua missão, nomeadamente a capacidade de absorção de choques do setor financeiro.

O que diz a UTAO?

No âmbito do 1.º aditamento, a UTAO conclui que o contrato de empréstimo teria apresentado um valor atualizado líquido negativo, embora pouco expressivo, caso tivesse sido cumprido e estivessem reunidas as condições para o reembolso do capital no final do contrato, i.e., em dezembro de 2017.

De acordo com as novas condições do empréstimo estabelecidas no âmbito do 2.º aditamento, o contrato de empréstimo apresenta um valor atualizado líquido negativo, de cerca de -630 milhões de euros.

“Este resultado depende necessariamente da taxa de desconto utilizada, da taxa de juro revista a cada 5 anos a partir de 2022, da data de reembolso do capital e da data de referência para o cálculo do valor atualizado. Em suplemento ao cenário central, foram elaboradas análises de sensibilidade aos referidos fatores, as quais apontam para uma relativa estabilidade do resultado negativo que foi obtido, embora com dimensões diversas”, concluem os técnico da unidade parlamentar.

No entanto, caso se contemple a possibilidade de serem efetuadas amortizações antecipadas de capital pelo Fundo de Resolução, tendo em conta as suas disponibilidades financeiras, e de antecipar o prazo de vencimento do contrato em 5 anos, para 2041, “o valor atualizado líquido negativo reduz-se para um pouco acima de metade do apresentado no cenário central (cerca de -350 milhões de euros).

“Este cenário alternativo obedece a um plano financeiro apresentado pelo Fundo de Resolução em resposta às questões formuladas pela UTAO, e, a ser cumprido, contribui para alterar o resultado apurado no cenário central”, dizem técnicos.

“Conclui-se que para a execução do plano financeiro de longo prazo apresentado pelo Fundo de Resolução são insuficientes as contribuições regulares das instituições financeiras, mas a contribuição sobre o setor bancário assume um papel determinante, com receitas anuais de 210 milhões de euros previstas até 2046”, refere o relatório a que o Jornal Económico teve acesso.

“A contribuição sobre o setor bancário reveste-se de especial importância para o cumprimento do plano de amortização de capital e juros no prazo previsto, pelo que esta contribuição pode deixar de ser entendida como tendo um caráter temporário, tal como a renovação anual na Lei do Orçamento do Estado deixaria antever, para passar a ser encarada como duradoira”, diz a análise.

“Entendeu-se que, no cumprimento da missão para a qual o Fundo de Resolução foi criado, é essencial que o perfil de reembolso dos empréstimos e de pagamento das despesas esteja alinhado com o perfil de recebimento das receitas regulares, e que estas devem representar um esforço contributivo estável e comportável para o setor financeiro”, defendem os técnicos.

O mecanismo instituído para o financiamento das medidas de resolução cumpre uma dupla função. Por um lado, permite a captação de recursos do setor financeiro através da cobrança direta de contribuições e a sua disponibilização para o financiamento específico de medidas de resolução. E, por outro lado, atua como um mecanismo de absorção de choques, uma vez que permite que o esforço contributivo do setor financeiro seja repartido ao longo de um período temporal relativamente longo.

A UTAO analisa ainda a situação em que o Fundo de Resolução fosse obrigado a proceder à liquidação dos seus compromissos, num prazo curto que se encontrasse desajustado do perfil de recebimentos. Neste cenário diz que em concreto, se fosse solicitado ao Fundo de Resolução a liquidação dos empréstimos obtidos para financiamento da medida de resolução aplicada ao BES, este seria obrigado a reconhecer uma insuficiência de recursos e a solicitar uma contribuição especial, a qual, dada a sua dimensão, tenderia a ser dificilmente comportável pelo setor financeiro e poderia colocar em risco a capacidade deste continuar a prestar os serviços essenciais à economia, nomeadamente a concessão de financiamento.

Contribuição especial da banca ao Fundo de Resolução reduziria rácios dos bancos entre 1,7 e 2,5 p.p. 

De acordo com a simulação do Fundo de Resolução, uma eventual contribuição especial de cerca de 3.600 milhões de euros correspondente a cerca de 85% da insuficiência de recursos, teria de ser suportada pelas principais instituições de crédito abrangidas, sendo de destacar o valor a pagar pelas principais quatro maiores instituições, que ascenderia a cerca de 70% do total. Isto é, a CGD, o BCP, o Novo Banco e o BPI teriam de pagar 2.520 milhões de euros.

O encargo com a eventual contribuição especial implicaria uma redução dos rácios de capital (CET1) entre 1,7 e 2,5 pontos percentuais, para os quatro principais bancos.

Empréstimo ajuda défice dos próximos anos

“Após o impacto inicial negativo no setor das administrações públicas em 2014, em contabilidade nacional, decorrente da resolução do BES, prevê-se um impacto positivo até à conclusão dos empréstimos”, diz ainda a UTAO. Com efeito, a cumprir-se a previsão a longo prazo apresentada pelo Fundo de Resolução, prevêem-se impactos positivos no défice público nos próximos 30 anos, compreendidos no intervalo entre 0,13% do PIB nos primeiros anos e 0,06% em 2046. Para este resultado é determinante a contribuição sobre o setor bancário, que passa a assumir um caráter duradouro, sendo fundamental para garantir o cumprimento do plano de amortização de capital e juros no prazo previsto.

Para o período compreendido entre 2017 e 2046, o Fundo de Resolução prevê o recebimento de contribuições regulares e da contribuição sobre o setor bancário, de 40 milhões e 210 milhões por ano, respetivamente, até à conclusão dos empréstimos.

 

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.