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Vasco d’Avillez: Vinhos de Lisboa com a melhor e maior produção em 2017

Desde 2011 à frente da CVR – Comissão Vitivinícola da Região de Lisboa, Vasco d’Avillez está a terminar o seu último mandato com chave de ouro. A colheita de 2017 foi a melhor e maior de sempre. A região tem mais produtores, inaugurou seis das sete novas adegas do País e já exporta 70% da produção. A certificação já vale 60% da produção. O êxito vem do barro, dos nevoeiros e da corrente do Golfo.
  • Cristina Bernardo
30 Dezembro 2017, 12h00

Como decorreu a colheita de vinhos na região de Lisboa em 2017?
Mais uma vez, estamos a crescer, em 2017, em relação a 2016. O nosso crescimento de produção de vinhos em 2017 foi de 12%. É o quinto ano consecutivo em que temos crescimento de produção a dois dígitos. Este ano, vamos chegar aos 40 milhões de selos certificados, ou seja, emitidos. Isto, em números redondos, equivale a 40 milhões de garrafas. A campanha dos vinhos de Lisboa em 2017 contrasta com a maior parte do resto de Portugal. E a quantidade aliou-se à excelência, porque tivemos um padrão de óptima qualidade nesta colheita.

Como vê a evolução dos vinhos de Lisboa desde que está à frente da CVR?
Desde que eu comecei na CVR Lisboa, em 2011, há mais sete produtores na região, passámos de 100 para 107. Das sete adegas que foram construídas em Portugal desde 2011 até ao final deste ano, seis foram na região de Lisboa. Só este ano, os vinhos que mandámos a concurso ganharam 1.007 medalhas. Somos a região mais medalhada de Portugal e essa é uma pena no chapéu. Mas quero dizer que, para isto, são os produtores que mandam. Vejo-me apenas como o organizador de uma equipa. Só uma equipa consegue fazer o que fizemos. Apenas tenho o privilégio de ser o presidente dessa equipa. Neste momento, a CVR Lisboa já emprega entre 68 e 72 pessoas.

Qual é a componente de exportação?
Cerca de 70% da produção é para exportação. Os nossos principais mercados de exportação são os Estados Unidos, Brasil, Europa do Norte. Os Estados Unidos são o nosso principal mercado de exportação. Representam cerca de 30% das nossas exportações. Na Europa do Norte, também detemos uma posição importante, porque os vinhos de Lisboa são os vinhos portugueses mais consumidos na Suécia, Noruega e Finlândia. Estes países têm uma apetência especial por estes vinhos. E isto explica-se devido à nossa adesão à EFTA, que era uma associação que incluía países que não pertenciam na altura à Comunidade Europeia, como eram o caso de Portugal e desses países do Norte da Europa. Desde os anos 50 [do século passado] que existe esta relação comercial especial, em particular de duas casas vinícolas da região, a Casa Santos Lima e Neiva Correia. Estas duas casas também são muito importantes nas nossas exportações para a Rússia, em relação à Casa Santos Lima, e para a China, no caso da Neiva Correia. A força dos nossos produtores também é um dos nossos maiores fatores de sucesso. A Rússia e a China, que são dos mercados mais recentes de exportação dos vinhos de Lisboa, têm-se portado bem. E estas são as duas casas que têm demonstrado mais capacidade para reagir às condições do mercado e às flutuações do preço.

Como tem evoluído a percentagem entre exportação e o mercado interno?
Tem-se mantido. O mercado nacional cresce um bocadinho, mas pouco. É preciso dizer que em Portugal temos a concorrência enormíssima de regiões especialistas em grandes produções de vinho, como o Alentejo e o Douro. A nível interno, o turismo tem feito aumentar o consumo. Se pensarmos que temos à volta de 10 milhões de portugueses a viver no País, mas que agora temos também cerca de 3,5 milhões de turistas a viver em Portugal todo o ano, explica-se por que é que passámos de um consumo de 42 litros por pessoa por ano há uns anos para os atuais 48 litros por pessoa por ano. E isto explica-se porque os turistas estão cá em Portugal, principalmente para comer e beber.

Além das vitórias na produção e na exportação, o que destaca da atividade da CVR Lisboa nos últimos anos?
Estamos a conseguir ir buscar à região cada vez mais vinho certificado. Há cada vez mais agentes económicos, mais produtores, mais cooperativas. Há cerca de 10 anos, a região de Lisboa produzia cerca de um milhão de hectolitros de vinho, dos quais apenas cerca de 400 mil litros eram certificados. Em 2017, a região produziu 1,1 milhões de litros de vinho e já certificou cerca de 60% dessa produção. A verdade é que a maior parte dos vinhos de Lisboa podia ser certificada. O que se passa é que a seguir à colheita há muitas vendas a granel, porque há adegas que precisam de dinheiro. E este ano o preço do vinho a granel subiu dramaticamente devido à diminuição da produção em Espanha e em França, na ordem dos 30%.

E Lisboa beneficiou…
Sim. A região de Lisboa foi a única região vinícola em Portugal cuja produção de vinho em Portugal cresceu em 2017. Temos uma posição invejável em relação ao Oceano Atlântico.

Em que consiste essa vantagem?
Temos nevoeiros noturnos em todos os meses da primavera. No verão, não sofremos com a sede, tal como a região dos vinhos verdes. Esses nevoeiros depositam humidade nas folhas, que é absorvida pela cepa durante o dia. Mas a humidade também é perigosa para as uvas. Se ficar lá, vai causar podridão. Mas aí também somos beneficiados pelo clima, tal como a região da Bairrada, porque há vento todos dias, que seca a humidade da uva. Por isso é que na nossa região e na Bairrada há muitas regiões que têm o nome de Ventosa. Ou até São Mamede de Ventosa. Beneficiamos também da corrente quente do Golfo. Onde essa corrente passa mais perto da Europa e, portanto, de Portugal, é na região próxima de Óbidos. Por as nossas vinhas se localizarem em regiões atravessadas por ares mais quentes, os nevoeiros nocturnos são mais frequentes. E há também a questão dos solos. Há muita grande importância de os solos terem argila a uma profundidade de quatro, cinco metros. Isso segura a água e evita o stress hídrico à parreira. Quando temos nomes como o Bombarral, que deriva do barro, está tudo explicado. O mesmo se passa com a Bairrada, o Bairro e outras localidades nas nossa região e na própria Bairrada, cujos nomes vêm de barro. Na região de Lisboa, por causa destes factores, estas vinhas nunca foram regadas. Se o forem ‘viciam-se’ e acabam por desaparecer. O que se passa é que as parreiras se acomodam e depois têm de ser sempre regadas, porque as raízes que vão buscar a água a cinco metros de profundidade desaparecem. Considero uma pena que a maior parte das vinhas em Portugal já sejam com rega gota a gota.

Que está previsto na CVR Lisboa em 2018?
Temos um investimento que está a ser orçamentado para a atividade de promoção que estamos a fazer. Em revistas especializadas como a ‘Wine Spectator’ e a ‘Wine Enthusiast’, em feiras internacionais como a Prowein e outros eventos e promoções, tudo no âmbito do programa OCM – Organização Comum do Mercado, subsidiado pelo IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas e controlado pelo IVV – Instituto da Vinha e do Vinho. Fizemos um esforço de imaginação com o Turismo do Centro e concorremos a fundos da CCDR – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Centro, cinco CVR – Comissões Vitivinícolas da Região Centro em conjunto, ou seja, a CVR Lisboa, CVR Tejo, CVR Bairrada, CVR Dão e CVR Beira Interior. Temos um projeto em andamento, com um orçamento de três milhões de euros, para fazermos pela primeira vez a identificação das nossas castas e dos seus problemas. Estamos a estudar os comportamentos dos vinhos e das castas das nossas regiões para podermos melhorar os nossos produtos. No fim de 2018, deverão ser conhecidos os primeiros resultados.

O sucesso de Lisboa insere-se numa escala mais vasta. A que se deve este forte salto de qualidade dos vinhos nacionais?
Em Portugal, o vinho é rei, embora os portugueses equacionem o vinho em função da comida. Aliás, os mais atrevidos, escolhem a comida em função do vinho. E os estrangeiros estão agora a degustar e a apreciar os nossos vinhos.
Tenho 50 anos de atividade nos vinhos. E congratulo-me por os vinhos portugueses estarem agora a ser reconhecidos mundialmente, não só os tintos, mas também os brancos. O que é que aconteceu para aqui chegarmos? Desde os anos 70 do século passado, começou a fazer-se a reestruturação das vinhas em Portugal. Foi preciso, primeiro, separarem-se uvas tintas das uvas brancas. Isto é um resultado da filoxera, que arrasou grande parte das vinhas em Portugal e na Europa em 1875. A grande enxertia em Portugal ocorreu a partir de 1905, depois da grande crise vinhateira em Portugal, em 1904. Nessa altura, veio um técnico francês para ensinar o método correto da enxertia, o Monsieur Martell (que originou a expressão vinho ‘a martelo’), que se instalou em Santarém, para uma região que na altura englobava o Ribatejo e a Estremadura, incluindo a região de Lisboa, e se estendia até à Península de Setúbal. Nessa altura, com as uvas misturadas, apanhavam primeiro as brancas e depois as tintas. Só começaram a separar a partir dos anos 80. Com o trabalho inovador da Sogrape e da José Maria da Fonseca, que foram dos maiores e mais respeitadores produtores de vinhos deste País. Disseram ‘queremos mudar, porque consideramos que é possível atribuir mais valor ao vinho separado por castas’. Além disso, era um processo mais fácil, até porque as uvas amadurecem em alturas diferentes. E depois houve outra coisa. Os responsáveis do sector decidiram que iam abandonar a base exclusiva de valorização do vinho que havia em Portugal, que era baseada no grau alcoólico, no grau 12º. Esse era o único critério de avaliação dos vinhos e o que decidia o preço final. Esse critério não desapareceu, mas passou a ser contabilizado o critério da qualidade. Isso passou a ser feito com recurso a provadores das casas vinícolas.

Muita coisa mudou para melhor…
Sim. Chegou-se a um ponto em Portugal que era proibido apanhar uvas em cestos e passaram a ser depositadas em sacos de plástico de 100 quilos, com esmagamento, espremidos ao máximo, potenciando a fermentação antes de chegar ao lagar. Depois voltou-se aos cestos e, mais recentemente, houve uma inovação importante, as caixas de plástico de 20 quilos, com barras, para que o sumo das uvas possa escorrer, com possibilidade de frigorificar. Depois, em resultado destas inovações todas, surgiu uma nova geração de enólogos, nos anos 80. A maior parte deles tinham sido alunos do grande iniciador do processo, que foi o engenheiro Manuel Vieira. No Porto, foi o engenheiro Bianchi de Aguiar. Dessa nova geração, estamos a falar do João Portugal Ramos, Paulo Laureano, Cancella de Abreu. Depois, foram seguidos por outros inúmeros enólogos de qualidade. Desde o final dos anos 70, princípio dos anos 80, em Portugal, deixámos de apostar em fazer apenas vinho em quantidade, mas também em qualidade.

O que é preciso fazer para aumentar ainda mais o reconhecimento internacional dos vinhos portugueses?
Em relação aos nossos vinhos tintos, penso que é possível e desejável crescerem em reconhecimento internacional. Por exemplo, considero que o vinho Maria Teresa comporta-se como qualquer Bordéus. Uma coordenada enorme que ainda nos falta é o reconhecimento. Por outro lado, tem havido uma baixa significativa das vendas do vinho do Porto e de outros vinhos generosos. Isso também se deve a um maior reconhecimento dos vinhos do Douro. E há casos de vinhos portugueses da região de Lisboa, muito reconhecidos a nível internacional, também na questão do preço, como os vinhos da Quinta do Monte d’Oiro, do engenheiro Bento dos Santos. Temos de construir isto tudo, para podermos aumentar o valor das nossas exportações, o preço dos vinhos vendidos. É claro que os franceses começaram 100 anos antes de nós. E têm de tudo. Ainda hoje toda a gente fala dos vinhos franceses. É por aí que temos de ir. Até porque eu sei que os vinhos franceses, para se igualarem aos nossos de 10 euros, custam hoje em dia, no mínimo, 50 euros. Mas também é importante perceber que não é fácil, nem adequado queimar etapas. Depois, o nosso grande desafio é levar aos consumidores vinhos diferentes, mais jovens. E temos de aproveitar a grande vantagem face aos grandes concorrentes, que é a nossa capacidade de atribuir loteamentos de vinhos, fazer vinhos com três ou quatro castas, para os equilibrar, não os tornar tão monótonos e adaptá-los à nossa comida.

O nosso desafio para o futuro resume-se aos vinhos tintos?
Também temos de afirmar cada vez mais os nossos brancos no mercado nacional. Temos de acreditar neles, para depois, como Nação, conseguirmos vendê-los no estrangeiro. Outro exemplo da nossa necessidade de afirmação passa pelos espumantes, que não devem assim tanto aos champanhes de França ou às cavas de Espanha. Nos rosés fizemos sempre um trabalho fantástico desde há várias décadas, desde os anos 60. Com o Lancer’s e o Mateus, conseguimos entrar nos mercados externos do Reino Unido, Estados Unidos e Hong Kong, por exemplo. Os rosés atuais são o exemplo vivo de quem quer tentar fazer a mesma coisa em termos de conquista de mercados internacionais. Hoje, o rosé em Portugal é um vinho de pessoas que sabem sobre vinhos e que preferem um vinho mais aberto. Mas todos estes desafios têm de ser lançados, embora eu saiba que o seu resultado já não vai ser para o nosso tempo…

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