[weglot_switcher]

Venda da Tranquilidade passou pelo crivo da Deloitte

A venda da Tranquilidade fechada em 2015 à Apollo, que depois a revendeu por um valor substancialmente mais elevado, faz parte da análise da Deloitte, que avaliou os atos de gestão do BES/Novo Banco entre 2000 e 2018.
  • Cristina Bernardo
1 Setembro 2020, 18h15

É uma das operações que mais lucro deu ao comprador. A Tranquilidade cuja venda foi acordada em 2014, com o closing de venda a ocorrer em janeiro de 2015, é uma das operações que está na análise da Deloitte aos atos de gestão do Novo Banco, soube o Jornal Económico.

O banco era ainda liderado por Vítor Bento quando a Tranquilidade foi vendida em 2014 à Apollo Global Management, mas foi já Eduardo Stock da Cunha que fechou o negócio quatro meses depois de a gestora norte-americana de private equity e de o Novo Banco, que tinha um penhor sobre a companhia, terem acordado os termos da operação. Um atraso para o qual contribuiu uma providência cautelar interposta por um grupo de credores do Espírito Santo Financial Group (ESFG).

O Novo Banco encaixou na altura cerca de 40 milhões de euros. Além disso, a Apollo comprometeu-se a injectar cerca de 150 milhões na Tranquilidade através de um aumento de capital cuja finalidade era compensar o facto de parte das reservas técnicas da companhia estarem representadas por créditos sobre o GES que, com o colapso do grupo, tinham um valor nulo.

Quatro anos mais tarde, em 2019, a Apollo acordou a alienação da empresa à Generali em julho. A seguradora italiana, com uma presença reduzida em Portugal, paga 510 milhões de euros pela Seguradoras Unidas e 90 milhões pela sua AdvanceCare.

O facto de a Apollo ter vendido o grupo Seguradoras Unidas (que juntava a Tranquilidade e a Açoreana) e a AdvanceCare à italiana Generali por 600 milhões de euros, bastante mais do que o pagou em janeiro de 2015 pela Tranquilidade, numa altura em que a seguradora ainda tinha todos edifícios na sua carteira de imóveis, que entretanto foram vendidos, tem sido alvo de muitas críticas públicas, oriundas de vários quadrantes.

Esta operação esteve para ficar de fora da auditoria da Deloitte, até porque não foi coberta pelo mecanismo de capitalização contingente do Fundo de Resolução, e como tal não justifica chamadas de capital de uma entidade que é contabilizada como entidade pública. Mas, como a auditoria que foi ontem entregue ao Ministério das Finanças já passava da meia-noite, não se limita ao período das perdas, analisa também as operações desde a sua origem e dessa forma abrange o período de 2000 e até 2018, abrangeu também esta venda.

Esta operação tem no entanto contornos especiais. Desde logo porque o banco se apodera do ativo através de uma execução de um crédito que tinha junto da dona da Tranquilidade, o Espírito Santo Financial Group, e porque o produto da venda ia para a massa falida da empresa executada, segundo explicou ao Jornal Económico fonte conhecedora do processo.

Aliás, a Tranquilidade não estava incluída nos ativos transferidos para o Novo Banco, à data da resolução (3 de agosto de 2014) já que a seguradora era detida pelo Espírito Santo Financial Group que entrou em insolvência.

A conclusão da venda da Tranquilidade em janeiro de 2015 só foi mesmo possível depois de a Centerbridge, investidor em dívida do ESFG, ter desistido da ação judicial em que contestava o penhor financeiro da Tranquilidade a favor do Novo Banco, segundo noticiou então o “Jornal de Negócios”. Mal o processo caiu, o banco, à data liderado por Eduardo Stock da Cunha e a Apollo, fecharam o negócio. Demorou, assim, quatro meses entre o acordo assinado com a Apollo e o closing da venda, pois a providência cautelar da Centerbridge e outros credores do ESFG impediu a conclusão do negócio ainda em 2014, como inicialmente previsto, ainda no mandato de Vítor Bento.

Porque é que a Tranquilidade que em 14 de março de 2014, no âmbito do exercício ETRICC 2, conduzido pela auditora PriceWaterhouseCoopers (PwC), a pedido do Banco de Portugal, foi avaliada 700 milhões de euros, acabou a valer cerca de 190 milhões (44 milhões de venda mais 150 milhões de aumento de capital)? É que depois tudo se precipitou no GES e isso afetou o valor da Tranquilidade, que em 2014, estava sob a ameaça de ser liquidada pelo regulador.

O caso remonta a 2014. Antes da falência do Grupo Espírito Santo (GES), a seguradora subscreveu produtos do GES para financiar o acionista em 150 milhões de euros. Quando o grupo caiu, deixou esse buraco nas contas da Tranquilidade, levando a uma investigação do supervisor dos seguros.

A operação foi pedida na altura pelo então presidente do BES, Ricardo Salgado, sem que fosse deliberado pela comissão executiva da Tranquilidade, na altura liderada por Pedro Brito e Cunha.

O supervisor dos seguros, à data liderado por José Almaça e hoje presidido por  Margarida Corrêa de Aguiar abriu um processo de investigação a esta operação que deixou a Tranquilidade em falência técnica. Mas foi a própria presidente da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), em entrevista ao semanário “Expresso” que revelou recentemente “que foi aberto um processo de averiguação pela Autoridade, mas acabaria arquivado por falta de provisão legal para aplicação de uma sanção contraordenacional”.

Segundo a revista “Visão”, em 2014 o Banco de Portugal exigiu que as ações da Tranquilidade fossem dadas ao BES como garantia de uma linha de crédito de 48,5 milhões de euros, usada para liquidar papel comercial da Rioforte entre 1 e 15 de julho de 2014. Ou seja, as ações da Tranquilidade, avaliadas em 700 milhões de euros uns meses antes, passaram a ser a garantia de que o empréstimo de 48,5 milhões de euros seria efetivamente pago.

Nos dias que antecederam a queda do BES, e perante a pressão para liquidar papel comercial, a ESFG pediu um empréstimo à Tranquilidade, no valor de 150 milhões de euros. A 20 de julho de 2014, o supervisor dos seguros toma uma medida drástica e ameaça revogar a autorização que permitia à Tranquilidade continuar a operar. Foi isso que levou à emergência da venda à Apollo que se predispôs a injetar esses 150 milhões de euros na seguradora e a apresentar uma proposta de compra pelas ações penhoradas da Tranquilidade.

Esta operação vem avaliada na auditoria da Deloitte aos atos de gestão no BES e Novo Banco, abrangendo um período de 18 anos, entre 2000 e 2018.

Não foi assim apenas a venda da seguradora GNB Vida que esteve no radar da Deloitte. O “Público” refere na edição de hoje que a auditoria especial da Deloitte dedicou uma parte do relatório a analisar a operação de venda, em Outubro de 2019, da GNB Vida (agora Gama Life) a fundos geridos pela Apax, cujo preço final foi de 123 milhões de euros, o que originou uma perda para o Novo Banco de 268,2 milhões.

A auditoria da Deloitte não identifica nomes de gestores, sabe o Jornal Económico, mas apenas “atos de gestão, respetivas datas e perdas geradas”.

Em comunicado enviado esta madrugada, o Ministério das Finanças diz que a auditoria “incide sobre um período muito alargado da atividade do Banco Espírito Santo até 2014”, período relativamente ao qual “estão em curso processos criminais”. Por esse motivo, e também devido “à necessidade de salvaguarda dos interesses financeiros do Estado”, a auditoria será remetida pelo Governo à Procuradoria-Geral da República.

A análise evidencia que as perdas do Novo Banco se deveram “fundamentalmente” à exposição a ativos “que tiveram origem no período de atividade do Banco Espírito Santo” e que foram transferidos para o balanço do Novo Banco após a resolução do BES.

Sobre o período de análise ao Novo Banco, entre 4 de agosto de 2014 e 31 de dezembro de 2018, a Deloitte concluiu que esta instituição de crédito incorreu em perdas líquidas de 4.042 milhões de euros em 283 operações.

Foram analisados três blocos de atos de gestão do Novo Banco praticados naquele período. Foram auditadas 201 operações de crédito que geraram perdas de 2.320 milhões de euros, 26 operações com subsidiárias e associadas, que causaram perdas de 488 milhões de euros e ainda 56 operações com outros ativos, que geraram perdas no valor de 1.234 milhões de euros.

Os trabalhos de auditoria analisaram atos de gestão praticados entre 1 de janeiro de 2000 (data de corte estabelecida para efeitos de análise retrospetiva dos atos de gestão) e 31 de dezembro de 2018, relativamente às 283 operações que integram o objeto da auditoria, abrangendo, portanto, quer o período de atividade do Banco Espírito Santo, quer o período de atividade do Novo Banco.

Para além da venda da Tranquilidade, há mais operações, nesta análise, que ocorreram antes da venda do Novo Banco ao Lone Star, em outubro de 2017, e antes da criação do mecanismo de capitalização contingente do Fundo de Resolução. Uma delas é a venda em 2016, de dois hotéis Tivoli no Brasil e 12 hotéis do mesmo grupo em Portugal, incluindo o Tivoli Avenida, que foram vendidos ao grupo Minor por 194 milhões de euros.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.