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Viagens com o Charley

Disssecar a América pela estrada fora. Foi o que fez John Steinbeck, tendo por companhia o seu cão. Eis a sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.
  • Marta Teives
10 Agosto 2019, 10h11

“Quando eu era muito novo e sentia em mim o impulso irreprimível de estar em qualquer outro sítio, foi-me assegurado por pessoas de idade madura que a maturidade curaria este desejo ardente. Quando os anos me indicavam como amadurecido, o remédio prescrito foi a meia-idade. Na meia-idade, asseguraram-me que uns anos mais acalmariam a minha febre, e agora, que tenho cinquenta e oito, talvez a senilidade o consiga.

“Nada surtiu efeito. Quatro sopros roufenhos do apito de um navio ainda arrepiam o cabelo da minha nuca e põem os meus pés a sapatear. O som de um avião a jacto, de um motor a aquecer, até o bater de cascos ferrados no pavimento provocam o antigo arrepio, a boca seca e o olhar vago, o calor das palmas das mãos e a agitação violenta do estômago, aos pulos sob a caixa torácica.”

Já uma vez aqui sugerimos um relato de viagem escrito por John Steinbeck, dessa vez sobre uma viagem à Rússia, na companhia do fotógrafo Robert Capa. Agora, com o embalo dado pelo livro sugerido na semana passada – “Desconhecida num Comboio”, de Jenny Diski –, apresentamos mais uma descrição de viagem nos Estados Unidos da América, “Viagens com o Charley”, editado pela Livros do Brasil.

 

 

Numa camioneta a que chamou Rocinante, tendo apenas como companhia o seu cão-d’água Charley, partiu numa viagem de mais de três meses, entre o Maine e a Califórnia, atravessando quarenta Estados, por estradas de terra batida e vias rápidas, com paragens em grandes cidades e nas esplendorosas paisagens naturais dos Estados Unidos.

Steinbeck confessou não ser apreciador das mesmas, em particular devido a uma certa mania das grandezas que é característica do seu país natal, pois nesses parques se encontram a ‘maior queda’ de água, o desfiladeiro ‘mais profundo’, o penhasco ‘mais alto’, e outros superlativos com que os norte-americanos gostam de qualificar os atributos da sua terra.

Num registo entre o humorístico e o cético, descreveu um território de contrastes e desafios prementes e produziu uma reflexão crítica que é também uma reunião de memórias, uma espécie de autorretrato por um homem que até então pouco assumira de autobiográfico na sua obra.

O olhar crítico sobre o seu país, que retratou de forma pungente em romances como “As Vinhas da Ira”, “Ratos e Homens” ou “A Leste do Paraíso”, estende-se igualmente a “Viagens com o Charley”, que foi lançado com imenso sucesso em meados de 1962, poucos meses antes de Steinbeck receber o Prémio Nobel da Literatura.

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