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Vice-primeiro ministro nega pedido de assistência financeira ao FMI. Ex-governador do BCV fala em dissonância no Governo

O ministro das Finanças, Olavo Correia, disse que Cabo Verde não vai pedir assistência financeira ao Fundo Monetário Internacional (FMI), ao contrário do que admitiu na terça-feira o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva. Em reacção, o ex-governador do Banco de Cabo Verde disse que se trata de “uma dissonância lamentável em matéria tão importante e sensível”.
11 Maio 2018, 16h55

“Não há aqui nenhum pedido de assistência financeira, está fora de questão. O que está em causa é como o FMI pode ajudar Cabo Verde a credibilizar o seu quadro macroeconómico em relação ao futuro, para que possamos atrais mais investimentos privados, nacionais e da diáspora, e estrangeiros para acelerar a dinâmica de crescimento da económica cabo-verdiana”, referiu Olavo Correia.

O ministro das Finanças falava à agência Lusa e à RTPÁfrica após ter sido recebido em audiência pelo seu homólogo português, Mário Centeno, às declarações feitas na terça-feira à agência noticiosa portuguesa pelo chefe do executivo de Cabo Verde.

Na terça-feira, o primeiro-ministro cabo-verdiano, Ulisses Correia e Silva, disse que Cabo Verde está em negociações com o FMI para um programa de assistência financeira sobre a dívida pública, estimada em 124,7% do PIB este ano e nos 126,7% em 2019 – o segundo maior rácio da dívida face à riqueza na África subsaariana.

“Com o FMI estamos a trabalhar num programa de regularização de parte da dívida estrangeira, que depois terá de ser negociada com alguma parceria relativamente aos parceiros”, disse o primeiro-ministro cabo-verdiano.

Correia e Silva disse que a modalidade “ainda está por definir, mas que prossegue-se no trabalho para se encontrar uma solução que vá ao encontro das metas que o Governo define no seu programa de reforma, negociado com o FMI.

“[O programa] vai passar por uma parte financeira, não só com o FMI, mas também com os parceiros de desenvolvimento”, acrescentou.

Hoje, Olavo Correia, ao justificar que Cabo Verde não pediu assistência financeira ao FMI, argumentou que o Governo quer construir um quadro que possa garantir estabilidade económica no futuro, e possa permitir que Cabo Verde continue, pela via do quadro macroeconómico, a atrair cada vez mais investimentos.

Para Olavo Correia, a dívida “tem de ser vista numa estratégia de médio prazo”, não podendo ser reduzida num quadro de curto prazo, pois “foi construída ao longo de décadas e não pode ser eliminada em dias”.

“Estamos a trabalhar num quadro de médio prazo, para que possamos reduzir o peso da dívida. Não está em causa Cabo Verde pagar a sua dívida, que paga. É a perceção de que Cabo Verde é um país altamente endividado que nos cria problemas.

Temos de ter esse sentido de responsabilidade, para que possamos demonstrar ao mercado e às instituições internacionais que temos uma estratégia para, paulatinamente, ir reduzindo o peso da dívida”, explicou.

Tal, defendeu o ministro das Finanças cabo-verdiano, passa pela aceleração do crescimento da economia do arquipélago, por uma maior racionalização dos programas de investimento público e uma maior contenção das despesas de funcionamento.

“Esta é uma estratégica completa e global que permitirá, a médio prazo, reduzirmos o peso do ‘stock’ da dívida no PIB e demonstrar ao mercado que estamos com um quadro coerente e que estamos a cumprir. Não há aqui nenhuma urgência do ponto de vista da assistência, Cabo Verde não pede a ninguém assistência financeira, nós cumprimos”, insistiu.

“Temos um quadro macroeconómico estável, o défice orçamental nos últimos dois anos à volta dos 3%, temos um quadro macro fiscal relativamente estável. O último relatório do FMI faz uma referência altamente positiva a economia cabo-verdiana, mas, claro, temos o ‘stock’, e temos de ter uma estratégia de médio prazo para demonstrar ao mercado que é possível ter essa redução”, declarou.

Segundo Olavo Correia, Cabo Verde não está a pedir nem um perdão nem uma redução da dívida, mas sim a criar as condições para que a economia cabo-verdiana cresça mais rapidamente, para que se possa gerir com maior celeridade as despesas do Estado e de poder, a médio prazo, reduzir o ‘stock’ da dívida em percentagem do PIB.

“Mas Cabo Verde não está a colocar sobre a mesa, agora, qualquer renegociação da sua dívida pública, porque pensamos que temos capacidade para encontrar uma solução interna. Isso é que é importante, demonstrar ao mercado que estamos a prosseguir no stock da dívida”, disse.

Esta quinta-feira. 10, o ex-governador do Banco de Cabo Verde, Carlos Burgo, comemtou na sua página na rede social facebook que o posicionamento do vice-primeiro ministro e do primeiro-ministro denotam uma certa dissonância “em matéria tão importante e sensível”.
“Infelizmente, transparece dos recentes pronunciamentos públicos das duas principais figuras do Governo alguma dissonância sobre a natureza do programa a ser adotado, se um programa que inclua financiamento do FMI ou se apenas um programa para a credibilização das políticas macroeconómicas do país. Dissonância lamentável em matéria tão importante e sensível. E completamente desnecessária. Desnecessária porque é bem evidente que se recomenda que o país tenha um programa com o FMI, mas que não precisa de um programa com financiamento. Desde logo porque o financiamento do FMI é em função da quota do país membro. Sendo a quota de Cabo Verde ínfima, logo o financiamento seria insignificante, considerando os fluxos da balança de pagamentos do país.
Mas Cabo Verde também não tem nenhum problema a nível da balança de pagamentos. Tem alguns problemas a resolver a nível do sistema financeiro. E, sobretudo, tem um alto nível de endividamento público, estando classificado, neste domínio, como sendo de risco elevado”.
Segundo Carlos Burgo, “a estabilidade cambial e monetária proporciona-nos uma janela temporal para colocar as finanças públicas numa trajetória de sustentabilidade, devendo, a médio prazo, o risco da dívida pública passar para o nível moderado. O Governo, ao que parece, até já assumiu esse objetivo. Acontece, porém, que, segundo o FMI, o Medium Term Fiscal Framework (MTFF) do Governo é excessivamente otimista (leia-se irrealista), e há o risco de, ao contrário do que se recomenda, não se vir a conseguir nenhuma redução da dívida pública. Nestas circunstâncias, é altamente recomendável a negociação de um programa com o FMI. O quadro mais apropriado para isso é o Policy Support Instrument (PSI). O Governo apenas precisa adotar políticas que possam ser avalizadas pelo FMI”.
Cabo Verde, prossegue Burgo, já teve acordo PSI com o FMI de 2006 a 2012. “Gozava de muita credibilidade e, por pouco, teria sido o primeiro país a ter um PSI, quando este instrumento foi introduzido. Todavia, por razões nunca explicadas e contrariando o aconselhamento do banco central, o Governo de então não renovou o acordo PSI em 2012. E as consequências dessa não renovação não foram boas para o país, como agora parece todos reconhecem.
Infelizmente, como diz um experiente colega economista, ‘em Cabo Verde a melhor regra orçamental é ainda um programa com o Fundo’.”
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