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Vítor Bento diz que Apollo comprou Tranquilidade por 215 milhões e não por 40 milhões

Vítor Bento, ex-CEO do BES e do Novo Banco, disse que “a Liberty teve a possibilidade de marcar um penalty de baliza aberta e não o fez”. O ex-presidente do banco defendeu ainda a continuação do banco face à liquidação. “A solução que foi adoptada é filha de um fantasma [o trauma da nacionalização do BPN e dos custos que isso teve para o Estado] e de uma ilusão, a de que o valor do BES era superior ao que depois se veio a verificar”, disse.
  • Cristina Bernardo
23 Março 2021, 17h46

Vítor Bento, ex-CEO do BES e do Novo Banco, disse que “a Liberty teve a possibilidade de marcar um penalty de baliza aberta e não o fez”. Foi desta forma e recorrendo a esta metáfora que o ex-presidente do Novo Banco, que assinou o acordo de venda da Tranquilidade à Apollo, respondeu ao deputado socialista Miguel Matos sobre a proposta não vinculativa, paralela à dos norte-americanos, pela seguradora.

Aliás, a “Liberty fez uma proposta não vinculativa num jogo que já estava a decorrer num processo onde ela não tinha direito a participar porque já estava de certo modo fechado – ainda assim, convidou-se a Liberty a uma proposta, mas veio uma proposta não-vinculativa na altura em que já se estava na parte das propostas vinculativas”, lembrou o presidente do BES a seguir a Ricardo Salgado.

Vítor Bento recusa a ideia de que a Apollo fez uma proposta muito má e que a Tranquilidade tinha uma grande potencial de valorização – ou seja, recusa que esses fossem propostos assentes na altura. “A Liberty não se arriscou a converter a proposta em vinculativa”.

Num momento de pressão dos reguladores, “eu para reabrir o processo implicava violar o concurso que tinha sido aberto, provavelmente a Apollo iria desistir e podíamos até abrir porta a litigância”, diz Vítor Bento que adiantou que não podia arriscar perder a Apollo.

O ISP (atual ASF) defendeu que se prosseguisse com o processo de venda da Tranquilidade à Apollo. Mas se “a Liberty tivesse feito uma proposta vinculativa, provavelmente teria ganho”, no entanto não o fez.

Na Comissão de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, Vítor Bento, presidente executivo do BES e Novo Banco entre julho e setembro de 2014, corrige que a proposta de compra da Apollo foi de 215 milhões de euros, e incluía o pagamento em dinheiro de 25 milhões de euros à cabeça e outra parte de pagamento diferido dependente da venda das ações da ESAF e da ES Contacto. Sendo que o valor da venda da ESAF inicialmente previsto era de 29 milhões de euros, sendo depois fechado por 26,3 milhões, e o valor da ES Contacto era de seis milhões.

Vítor Bento explicou que ao valor pago tem de se acrescentar o valor injetado no aumento de capital da companhia de seguros de 150 milhões de euros.

A equipa de gestão liderada por Vítor Bento foi quem negociou com a Apollo a venda da companhia de seguros Tranquilidade. Os norte-americanos acabaram por pagar 40 milhões de euros a que acresce um aumento de capital de 150 milhões da companhia que tiveram de fazer para dotar a companhia de capital, uma vez que estava insolvente depois de ter investido no papel comercial das empresas do Grupo Espírito Santo, que nessa altura entraram em incumprimento.

Miguel Matos confrontou Vítor Bento com o facto de o Novo Banco ter feito um aumento de capital nos fundos Imoinvestimento e Fungepi num total 148 milhões de euros que foram aplicados num aumento de capital da Greenwoods, sociedade que ia desenvolver o projeto imobiliário da mata de Sesimbra e que continua hoje parado. Esse aumento de capital serviria para a Greenwoods pagar toda a sua dívida ao Novo Banco. O deputado do PS chama a isto um esquema circular.

O deputado socialista pergunta porque é que o Novo Banco não tinha 150 milhões para recapitalizar a Tranquilidade e tinha dinheiro para “um esquema circular” no projeto Greenwoods? Vítor Bento explicou que a Tranquilidade não era do banco, era da ESFG, era esta a entidade que tinha de fazer o aumento de capital de 150 milhões para tornar solvente a seguradora.

“O banco não podia chamar a Tranquilidade para o seu balanço porque isso consumia capital”, explicou.

Na audição da semana passada João Moreira Rato explicou aos deputados que o Novo Banco não tinha as ações da Tranquilidade, tinha sim um penhor sobre as ações, o banco era um credor pignoratício. Portanto a seguradora não estava no balanço do Novo Banco, o crédito é que estava no balanço do banco. Vendendo essas ações recuperava o crédito. Portanto a venda da Tranquilidade foi a execução de um penhor.

O crédito que não foi cumprido pela ESFG junto do BES e que deu origem ao credor pignoratício, foi de 48 milhões.

Sobre a venda da Tranquilidade Vítor Bento disse ainda que “que foi a melhor decisão que se podia tomar”.

Este já foi um tema da audição a João Moreira Rato e Vítor Bento volta a reafirmar que “a proposta da Liberty não era melhor do que a da Apollo”.

Recorde-se que a equipa de gestão liderada por Vítor Bento, assinou o contrato de promessa de compra e venda (SPA) da Tranquilidade à Apollo, e que já foi apelidada de “primeira venda ao desbarato do grupo”.

Os norte-americanos acabaram por pagar 40 milhões de euros a que acresce um aumento de capital de 150 milhões de euros na companhia que tiveram de fazer para dotar a Tranquilidade de capital, uma vez que estava insolvente depois de ter investido no papel comercial das empresas do Grupo Espírito Santo. Em 2019 a Apollo vendeu as duas companhias Tranquilidade e Açoreana por 600 milhões de euros à Generali”.

O grupo parlamentar do PSD disse à Lusa quer ter acesso aos relatórios de avaliação das contas da seguradora Tranquilidade antes da sua venda à Apollo, acordada em 2014.

Houve vários interessados no BES, mas “ninguém se chegou à frente” 

Vítor Bento disse também que houve vários investidores que mostraram interesse em participar na recapitalização privada do BES, antes da resolução, e citou os fundos Cerberus, Apollo e a chinesa Fosun (hoje acionista do BCP) e “é provável que tenha havido outros”.

“Nesse contexto, a Goldman Sachs disse-nos que era possível fazer um aumento de capital de grande dimensão, desde que os subscritores ficassem com o controlo do banco, à semelhança do que aconteceu com o italiano Monte Paschi, e que tinha de haver um corte na exposição do banco ao Grupo e, além disso, teria de haver prospeto à prova de bala para esse aumento de capital”, relatou o economista.

O gestor explicou que era preciso um investidor âncora que entrasse com mil milhões de euros. Era também necessário que o Banco de Portugal assegurasse a liquidez do banco e que houvesse alguma manifestação pública de apoio aos depósitos, explicou.

No entanto nenhum dos interessados “se chegou à frente”, confessou Vítor Bento referindo-se ao facto de não ter recebido nenhuma oferta. “Ninguém se chegou à frente porque as condicionantes que eu referi não estavam esclarecidas, o jogo estava demasiado em aberto”, disse o ex-gestor do banco.

“A esta distância, admito que seria fundamental algum tipo de garantia pública ao banco… Eu percebo que naquela altura, com todas aquelas incertezas, era difícil haver propostas, reconheço que seria difícil navegar aqueles tempos sem ter algum tipo de garantia pública”, frisou.

As opções de salvar o banco na altura era o Estado assumir o BES e recapitalizar o banco e vendê-lo ao longo do tempo, e “a venda imediata”. Mas como cenário a venda “tinha de ser mesmo imediata, mas isso não era o nosso projeto”, reforçou.

Vítor Bento disse que um dos maiores erros neste processo foi a concentração da função de supervisão e de agente da resolução na mesma entidade – o Banco de Portugal – “porque não tínhamos verdadeiramente um acionista”.

“Se eu acho que a liquidação era viável? Diria que a continuação do banco é preferível à liquidação do banco, pela importância que a instituição tem na economia nacional”, defendeu o ex-CEO, em resposta ao deputado do PSD, Hugo Carneiro, que confrontou o ex-banqueiro com o relatório feito pela Deloitte (que avaliou se a liquidação era melhor que a resolução para os credores) e que concluiu que dos 58,6 mil milhões de euros de crédito, só se conseguira recuperar, em oito anos, 38,4 mil milhões de euros.

O deputado do PSD perguntou a Vítor Bento se havia possibilidade de fazer um processo de capitalização pública como o Lloyds Banking Group ou o RBS, no Reino Unido, que foram nacionalizados.

Na altura o país estava à beira da saída de um programa de ajustamento.

Vítor Bento respondeu que “as autoridades europeias têm muitos defeitos mas não são estúpidas. Quando as coisas são explicadas com projeto credível, fundamentado, as coisas podem ser possíveis – viu-se com a Caixa Geral de Depósitos”.

Mas, “a solução que foi adoptada é filha de um fantasma [o trauma da nacionalização do BPN e dos custos que isso teve para o Estado] e de uma ilusão, a de que o valor do BES era superior ao que depois se veio a verificar”, disse Vítor Bento.

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