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Yoyoloop luta para que os lisboetas deixem o carro em casa quando vão ao Porto (e vice-versa)

“Acredito que antes de 2030 vai haver uma autoestrada em Portugal em que só é permitido andar de carro autónomo, porque os carros manuais são um perigo, os humanos são um perigo”, disse o CEO e fundador da Yoyoloop ao Jornal Económico. A nova startup de viagens intercidades disponibiliza oito trajetos diários (a rota Lisboa-Porto num Mercedes com internet a bordo pode ficar a 39 euros/pessoa).
21 Novembro 2018, 07h43

Loop cities“, cidades em “loop” (em laço, interligadas) – é este o lema da microempresa Yoyoloop, que chegou a Portugal no final deste verão para disponibilizar transfers intercidades, com serviços premium a partir de 16 euros. Ricardo Jorge vivia na Suíça, onde foi consultor e executivo de várias empresas, mas quis voltar ao país para criar o seu próprio negócio. Ao fazer viagens frequentes entre cidades como Londres e Genebra apercebeu-se das lacunas nos serviços de transporte, sobretudo aqueles que se destinam aos clientes empresariais: deslocações de curta duração com conforto e condições de trabalho a bordo.

A Yoyoloop é a segunda startup que funda (a primeira não correu bem, mas voltou a insistir pela motivação em criar emprego). A empresa opera entre Lisboa, Porto, Coimbra, Leiria e, em breve, fará uma ‘road trip‘ até Braga. Em entrevista ao Jornal Económico, o CEO e fundador adiantou que em 2019 pretende que a frota passe a ser elétrica e de parceiros. O objetivo do empresário é também o de apostar em software e aplicar inteligência artificial para conseguir prever a procura, adaptar fluxos de viagens e maximizar a utilização dos automóveis.

Porque é que regressou a Portugal para voltar a criar uma startup?

Parece idealista mas motiva-me muito mais sentir que estou a construir um negócio e a criar emprego do que trabalhar numa grande empresa. Acho que há défice de empreendedorismo aqui. As pessoas que, como eu, tiveram a sorte de ter estado numa boa faculdade como o Instituto Superior Técnico e uma carreira internacional têm a responsabilidade de fazer coisas novas com qualidade. Senti as dores e frustrações de estar sempre a viajar, de muitas horas não serem úteis. No aeroporto tinha uma experiência muito desagradável, em que era preciso esperar, passar pela segurança, correr riscos de atrasos. Depois, ouvi um podcast sobre a disrupção na mobilidade e nos transportes, do surgimento em massa dos elétricos e autónomos e do seu impacto nos custos. A partir daí, tive a ideia das deslocações ponto a ponto, que estão como os aviões há 20 anos: sem várias companhias low-cost. Com os carros é a mesma coisa: numa viagem de 100 ou 200km não faz sentido estar a apanhar táxi ou Uber para a estação, a seguir, comboio ou avião e, depois, novamente táxi ou Uber. Acredito que com a transição para os elétricos as pessoas vão deixar de ter carro e a recorrer cada vez mais a serviços de mobilidade.

A vossa frota é elétrica?

Ainda não, porque para termos uma deslocação Lisboa-Porto ainda não existem carros com capacidade para cinco pessoas e com essa autonomia. Os únicos que conseguem fazer esta distância são o Tesla Model X ou S, mas não têm capacidade para transportar cinco pessoas e são mais caros. Os custos não funcionariam. Trabalhamos com uma frota de 10 veículos Mercedes V Class, modelos a gasóleo, de oito lugares, para um nível de conforto importante. A ideia é começarmos a mudar para elétricos em 2019. Estamos dependentes das decisões do fabricante. Primeiro, estamos a passar do individual para o partilhado: se conseguirmos convencer cinco pessoas a fazerem Lisboa-Porto connosco são menos cinco carros na estrada.

O Governo anunciou a redução do ISP para a gasolina. Como viu a medida?

Os combustíveis em Portugal têm uma carga fiscal muito alta, mas acho que isso não é uma coisa negativa. É facto que queimar combustíveis tem muito impacto no CO2, no ambiente, tem uma grande componente de importações. Portanto, não me choca. O gasóleo é muito mais poluente do que a gasolina por isso é um sinal do regulador para que as pessoas usem carros a gasolina. Estes impostos vão começar a perder relevância devido aos elétricos. O principal custo de um carro elétrico são as baterias, mas estes custos estão a baixar cerca de 25%/ano.

Em que é que se diferenciam no transporte de passageiros?

A Yoyoloop quer revolucionar a mobilidade entre cidades, porque acredita que ainda é muito cara. Mais de 80% das pessoas na Europa usam o carro particular, com uso individual, para deslocações de 50 a 300km entre cidades, e o nosso alvo é reduzir esta percentagem. Temos uma oferta premium de serviço de mobilidade partilhada – com veículos Mercedes de estofos em pele, internet a bordo, águas – a preço semelhante ao do comboio e 70% mais baixo do que o de um automóvel.

Portugal tem conseguido posicionar-se em termos de disrupção da mobilidade?

Diria que estamos bem. As áreas onde acho que podemos evoluir mais e mais rapidamente é o chamado open cities: haver uma camada de dados que está disponibilizada para todos os operadores que queiram interagir no mercado. Cidades como Londres, por exemplo, disponibilizam através de uma API aberta com dados de fluxo e toda a informação que existe, para qualquer startup ou empresa estabelecida com ideias inovadores a possa usar. Alguns dados são recolhidos pelo INE e pelas câmaras mas estão fechados. É muito importante o acesso a dados de forma aberta para garantir condições de concorrência, para quem entrar no mercado perceber onde estão as oportunidades e oferecer serviços de mobilidade competitivos em preços que as pessoas queiram.

As nossas cidades têm evoluído na disponibilização desses serviços? 

Lisboa e Porto sim, com vários serviços intermodais (bicicletas, aplicações internacionais que chegaram ao país e já têm bastante expressão). O que acho é que há uma dimensão que está a ser descurada em Portugal e também noutros países: pensar a mobilidade das cidades de forma regional e não a nível da área metropolitana. Com a mobilidade a ficar muito mais barata, este retângulo entre Setúbal e Braga e depois para dentro (Viseu, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Évora, Beja) vai ser integrado, com alguns aeroportos, autoestradas, linhas de comboio… Devia haver um esforço das entidades públicas e privadas. As pessoas iriam ter muito mais incentivo para viverem fora dos grandes centros, viver em Pedrógão Grande ou em Tomar e trabalhar no Porto ou em Lisboa. Se calhar estamos a menos de 10 anos de fazer Coimbra-Lisboa por menos de cinco euros.

O que falta para chegar a esse montante?

Vai depender da tecnologia, do custo dos veículos e da regulação para veículos autónomos. Serem permitidos veículos autónomos também baixa os custos da mobilidade. Como há economias de escala, os grandes players vão conseguir ter um custo por quilómetro muito mais baixo do que o particular.

Mas estamos assim tão perto da chegada dos autónomos em Portugal?

Acredito que antes de 2030 vai haver uma autoestrada em Portugal em que só é permitido andar de carro autónomo, porque os carros manuais são um perigo, os humanos são um perigo. A Waymo tem 20 mil Jaguar autónomos a funcionar no Arizona. A barreira neste momento é regulatória e não tecnológica, uma decisão que não é nada fácil porque tem impacto na capacidade de mobilidade das pessoas. Acho que vai ser algo gradual. Primeiro, vamos ter carros autónomos em ambientes relativamente controlados, como parques empresariais, pequenos projetos piloto em municípios. Depois, lentamente, vai-se começar a dar-lhes mais raio de ação.

 

 

 

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