Uma boa festa tem de ter alguma tensão e imprevisiblidade. Mesmo numa festarola divertida há sempre uma hipótese de haver algum desacato, provocado pelo entusiasmo ou por algo que subiu à cabeça. Pode ir de uma conversa um pouco mais exaltada até à pancadaria. Na minha experiência, quando acontece, costuma ser na parte final da festa.

Foi o que ocorreu esta semana na festa de esquerda que se chama ‘geringonça’. Após anos de boa disposição geral, numa festa que durou mais do que muitos (especialmente os que não foram convidados) esperavam, de repente, quase à saída do recinto, o amigo mais velho, o PS, e o mais novo, o Bloco de Esquerda decidiram iniciar uma zaragata.

Carlos César, líder da bancada socialista e uma espécie de sniper do partido, puxou dos galões e gritou com o amigo mais novato. O Bloco não manda no Parlamento e não manda no país. O açoriano ainda deu uma forte reprimenda ao jovem da Rua da Palma, acusando-o de ter um estilo de aventura e de que tudo é fácil. Catarina Martins, coordenadora dos bloquistas, não pareceu intimidada e não reagiu diretamente ao raspanete de César, mantendo apenas a posição inicial.

A discussão foi sobre um tema que não tem nada de festivo – as taxas moderadoras na Serviço Nacional de Saúde.  O PS mudou de posição e agora quer um fim faseado das taxas, enquanto a proposta do BE é de um fim imediato. Para César, é uma questão de responsabilidade financeira e o socialista até acenou com um eventual regresso à bancarrota, um estratagema exagerado e distorcido, como se o PS não tivesse tido nada a ver com a a falência anterior. Para Catarina Martins a questão é de conquista, mas também de lógica: com mais prevenção (que aumenta com o fim das taxas), evitam-se custos e sofrimento adicional posterior.

A relação entre estes dois partidos tem sido uma das novelas mais interessantes desta peculiar legislatura. O PCP tem uma posição histórica em relação a muitos assuntos e todos já conhecemos de cor essa ‘cassete’. O PS e o Bloco, no entanto, galgam algum terreno comum. É natural que tentem os dois colher os louros pela suposta reversão da austeridade. Fomos nós que fizemos, diz o PS. Fomos nós que forçámos esta conquista, diz o Bloco.

No pior momento do Governo, as tragédias dos incêndios em 2017, o Bloco até foi relativamente dócil nas críticas. No pior momento do Bloco, quando o vereador lisboeta Ricardo Robles foi descoberto (por este jornal) de estar a tentar ser o Donald Trump de Alfama, o primeiro-ministro também foi suave, dizendo que não esperava esse tipo de “pecadilhos”.

Ao longo da festa existiram, naturalmente, algumas picardias, especialmente a recusa do PS em apoiar o alargamento da CESE às renováveis em 2017 e, este ano, a crise sobre o tempo de carreira dos professores.

Mas, tal como essas, esta sobre o SNS vai passar. Os amigos discutem e depois vão para casa, amuam um bocado e na próxima festa já estão de novo abraçados.

É o que parece estar a acontecer agora. Já estamos em pré-campanha para as legislativas. Os partidos da “geringonça” vão ter de pôr de parte a amizade para poderem captar votos. Uma maioria absoluta do PS é difícil, portanto tudo indica que em outubro vai ter de organizar mais uma festa da esquerda, provavelmente com o Bloco.

Quando Carlos César diz que o Bloco não manda no país é verdade. Mas também é verdade que, sem o Bloco, o PS também não manda no país.

Vão, quase de certeza, ter de continuar a ser BFF.