As ruas de Luanda foram invadidas por um conjunto de invisíveis que preenchem a paisagem urbana, mas não se enquadram no debate académico que tenta apurar se os africanos são cidadãos ou meros súbditos. Estes também não actuam no espaço político entre os cidadãos e os activistas, porque não reclamam para si nenhuma categoria social, económica ou política. Simplesmente existem para interpelar a nossa consciência cívica de privilegiados ou supostamente privilegiados.

Os invisíveis não geram um clamor filosófico e político. Não detêm, igualmente, a força eleitoral e política necessárias para cativar a atenção das autoridades políticas ou para serem acolhidos pelas forças partidárias e de representação social. São, por isso, figuras sem uma agenda política própria e ficam, por conseguinte, à mercê da sua sorte de invisível.

Os invisíveis são frutos de uma sociedade desestruturada, rica em problemas sociais, económicos e políticos, que caminha num beco sem saída, onde cada sujeito decidiu tomar conta da sua vida e dos seus problemas, gerando uma desafeição entre as pessoas. Uns colocam véus, outros edificam muros ou cortinas de ferro, cada um adopta a sua estratégia de sobrevivência no seio de uma cidade caótica.

Cada cidade tem os seus invisíveis. Na azáfama da vivência diária, quem aqui vive, por vezes, não encara o invisível, tomando consciência da sua existência apenas quando este invisível se torna um indigente. A fronteira entre um sujeito indigente e invisível em Luanda é cada vez mais ténue ou mesmo inexistente.

A degradação social e económica está a gerar mais invisíveis, que, com o crescente empobrecimento que se sente, talvez possam terminar numa situação de indigência. Só será possível travar este processo de invisibilização do sujeito contendo a escalada da miséria social, e é esse o grande desafio que está nas mãos do Estado e da sociedade civil.

Luanda está mergulhada na fé, com milhares de igrejas, onde os invisíveis deambulam, sem uma protecção dos crentes e respectivas instituições religiosas. É uma cidade cultivada na filosofia africana, como a perspectiva ubuntu, que realça o colectivo em detrimento do individual, mas, os invisíveis prosperam distantes das preocupações colectivas.

Urge resgatar um sentido existencial e cultural de preocupação com outrem, onde a invisibilidade não se consagra como uma doença humana da indiferença absurda, porque afirmar a dignidade da pessoa humana constitucionalmente e sem atender aos outros é criar uma sociedade menos humano e sem amor ao próximo.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.