No mês em que se assinala o Dia Mundial do Turismo, tem todo o sentido reflectir sobre o papel que o sector tem desempenhado. “Estratégico para a economia portuguesa, constituindo-se como o principal sector exportador do país e com tendência para crescer, o turismo tem tido um desempenho que se destaca no contexto da realidade nacional. Pensar Portugal implica, pois, pensar sobre ele. Mas precisamente pela importância que tem, convém fazê-lo de modo desapaixonado, sem falsos lirismos.” Assim se lê na conclusão do ensaio publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, “Turismo em Portugal”, escrito em 2015.

Três anos volvidos, a ideia de que o turismo é um sector estratégico para a economia portuguesa encontra na respectiva Conta Satélite (cuja publicação foi retomada pelo INE) dados que a confirmam: em 2016, representava 7,1% do VAB e 12,5% do PIB e, em 2014/15, contribuía directamente para 9,1% do emprego, além de ter apresentado taxas de crescimento superiores à da média da economia nacional. Três anos volvidos, o turismo continua a ser o principal sector exportador do país (18% das exportações totais, 50% das de serviços) e Portugal subiu um lugar na classificação do World Economic Forum, sendo agora o 14º destino mais competitivo do mundo.

Mas se, em 2015, o apelo ao abandono dos falsos lirismos traduzia o receio de que se encarasse a actividade turística como panaceia e de que se pudesse caminhar para uma espécie de “doença holandesa”, em 2018 uma análise desapaixonada pede resposta para os assomos de “turismofobia”. Três anos volvidos, o uníssono dos títulos na imprensa feitos dos sucessivos recordes do sector foi substituído pelo dos artigos que vêem no turismo uma fonte inesgotável de problemas.

Ora, o turismo é uma actividade económica que em vários domínios não se distingue das demais. Por exemplo, também ele é um sector ainda geograficamente assimétrico: Lisboa e Algarve concentram metade da totalidade dos hóspedes e, nas dormidas, representam, respectivamente, um quarto e um terço delas. E embora a desigualdade tenha diminuído face a 2015, com o Norte, o Centro, o Alentejo e os Açores a aumentarem ligeiramente a sua quota de mercado, continua ser fundamental corrigi-la.

Um outro aspecto que o turismo partilha com vários sectores é que tem externalidades negativas. Durante muito tempo, chamou-se a atenção para os seus impactos ambientais. Mais recentemente, atribuiu-se-lhe a responsabilidade pelo comportamento do mercado imobiliário e fala-se em gentrificação, anglicismo que foi candidato a palavra do ano de 2017.

Sobre isto, vale a pena ler uma série de estudos que mostram que, nos processos de valorização imobiliária, a substituição de residentes com menor poder económico por outros mais ricos ocorre em muito menor escala do que se pensa. E, mais importante, que os bairros que são gentrificados acabam por proporcionar mais oportunidades às pessoas mais desfavorecidas que neles permanecem, por comparação com as zonas que não passam por tal fenómeno. A “guetização” devia, pois, preocupar-nos bastante mais.

Mas à pretensa causalidade entre turismo e aumento do preço das casas faltam estudos que a confirmem e quantifiquem. E percebe-se que esses trabalhos não existam, porque os dados escasseiam. Há mais ou menos um ano, o INE começou a publicar, fruto de um protocolo com a Autoridade Tributária, o preço mediano do metro quadrado vendido. Entretanto, acrescentou os valores para o arrendamento e alargou o âmbito geográfico, mas não recua além de 2016, o que é curto. Esta semana, o Boletim Mensal de Economia Portuguesa de Agosto, traz um interessante artigo de Ana Brás Monteiro, onde se analisa a evolução recente do mercado imobiliário. Não se aborda especificamente a ligação ao turismo, mas é mostrada a relação com o nível de rendimento e com as taxas de juro.

De facto, como havia concluído o FMI no Global Financial Stability Report, num clima de taxas de juro historicamente baixas e com o rendimento a crescer, era de esperar que os preços dos imóveis subissem. Mas eles estão também mais sincronizados internacionalmente, o que sugere que o imobiliário se está a comportar como um activo financeiro. Portanto, aquilo que passa no mercado imobiliário é resultado de uma conjugação de factores. E o turismo é um deles, certamente. Desde logo, porque se constitui como uma utilização do stock de edifícios, ou seja, absorve parte da oferta. Em algumas zonas, pela reabilitação que operou, o que naturalmente as valoriza. Mas também porque tem dado um importante contributo para o crescimento económico e para a criação de emprego, o que faz aumentar a procura de casas.

Combater o turismo pelas eventuais consequências que tenha no mercado imobiliário é como querer resolver uma infestação doméstica de formigas com um míssil sobre a casa. Como qualquer economista dirá, é tudo uma questão de custos e de benefícios e da proporção entre eles. O que se recomenda – e a OCDE fá-lo – é a adopção de políticas integradas numa estratégia de longo-prazo, concebidas de um modo não segmentado e procurando a convergência de interesses.

Por exemplo, no caso dos problemas de acesso à habitação, a solução não deve ser limitar o direito dos proprietários com obrigações e/ou proibições, nomeadamente com tectos impostos ao preço, o que já provou ser medida altamente contraproducente. A solução encontro-a no incentivo à colocação de imóveis para arrendamento e, sobretudo, num Estado que concorre “deslealmente” com os senhorios privados, praticando rendas acessíveis. Acresce que a política de habitação tem de ser pensada em conjunto com a da mobilidade e transportes e com a da desconcentração.

Já no âmbito das políticas do turismo, é importante perceber que a definição de um valor a partir do qual se possa falar de pressão ou saturação turística é coisa que varia consoante o local que se esteja a considerar. Para um parque natural ou para um monumento, pode ser relativamente simples determinar a capacidade de carga. Para uma região ou uma cidade, a tarefa complica-se, porque o que releva é a relação da população com a presença de visitantes. O Turismo de Portugal tem vindo a trabalhar na construção de um sistema de indicadores de sustentabilidade, sendo este um deles.

Por outro lado, cada vez mais os turistas ambicionam ter uma experiência próxima da vivência no sítio que visitam (e o alojamento local desempenha aí um papel, não é o concorrente barato da hotelaria que muitos julgam), o que significa não estar rodeado de outros turistas. Daqui decorre que o sector tenderá para a auto-regulação; e, no entanto, pode-se sempre ajudá-lo a atingir mais rapidamente o equilíbrio. Defendo o recurso à taxa turística, diferenciando-a por freguesia em função do rácio de camas por residente. O último relatório do Instituto Económico de Barcelona inclui um artigo onde se estuda a sua utilização como instrumento de política de gestão do turismo, mas percebo a dificuldade de implementação desta proposta, uma vez que, fora dos Censos, não há dados sobre a população residente ao nível da freguesia. Parece incrível, mas não estão disponíveis. E também por isso – por forçar uma maior informação – sou partidária desta proposta.

Em 2018, três anos volvidos sobre a escrita do ensaio “Turismo em Portugal”, o debate sobre o sector está entrincheirado. Infelizmente, parece faltar a sabedoria dos membros fundadores da Sociedade de Propaganda de Portugal, que, sendo republicanos e monárquicos, católicos e maçons, souberam, em 1906, pôr de lado as profundas diferenças ideológicas. Animava-os o ideal de “promover o desenvolvimento intelectual, moral e material do país”. Em 2018, esse ideal continua a ter razão de ser e o turismo continua a ser um meio para o desenvolvimento económico, social e ambiental em todo o território.

 

Vera Gouveia Barros assina este texto na qualidade de Autora do ensaio “Turismo em Portugal” da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

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