Saiu recentemente um relatório do FMI que indica que o peso dos salários no rendimento nacional tem vindo a diminuir desde a década de 1970, quer nas economias mais avançadas quer nas emergentes. A crise financeira mundial de 2008 contribuiu para acentuar esta tendência, de acordo com a instituição. O FMI menciona duas razões principais (estruturais) para esta redução do peso dos salários: o desenvolvimento tecnológico e a integração dos mercados (ou seja, a globalização). Contudo, a realidade não é óbvia nem linear.

Em relação à primeira razão, não é clara a sua sustentação. Nos últimos 50 anos assistiu-se a um desenvolvimento tecnológico e científico sem precedentes na humanidade, com impacto na qualidade de vida e no bem-estar económico e social. As tecnologias da informação e comunicação (TIC) e a microeletrónica, que na década de 1970 deram origem à 5ª revolução tecnológica (utilizando a terminologia da economista Carlota Perez), alteraram de forma profunda a organização da sociedade e da economia e a forma como as empresas competem. Contudo, os benefícios da tecnologia têm sido desiguais, quer em termos económicos quer sociais, e com diferentes intensidades em diferentes países.

De uma forma global, podemos afirmar que em setores mais intensivos em tecnologia e conhecimento (como nas TIC) houve ganhos de produtividade e de salários. O mesmo se passou em setores mais “tradicionais” mas com forte incorporação tecnológica, como na agricultura, embora aqui tenha havido um forte impacto negativo em termos de volume de emprego. Porém, houve setores e países em que a situação foi inversa. A substituição “homem-máquina” fez-se sentir, mas houve também a criação de novas profissões e de milhões de novos empregos devido à evolução tecnológica.

Mas o mais curioso é o FMI apontar como causa da diminuição do peso relativo dos salários nas economias a globalização e a integração dos mercados. Isto porque o FMI foi uma das entidades obreiras do “consenso de Washington”, marco simbólico das políticas de desregulação dos mercados que ocorreu nas últimas duas décadas, nomeadamente o mercado de trabalho e os mercados financeiros.

Por exemplo, a desregulação laboral induziu uma maior rotatividade do trabalho, a sua precarização e a diminuição de direitos, contribuindo para a nivelação “por baixo” dos salários (ou criando “rigidez” à sua subida). Mas também contribuiu para a diminuição da ligação e do compromisso do trabalhador com a empresa, dificultando os processos de acumulação do conhecimento e do desenvolvimento de redes formais e informais, essenciais ao processo de inovação. Estes efeitos fizeram-se sentir com maior intensidade nos trabalhadores menos qualificados e nos países com economias menos avançadas.

Em resumo, as razões serão várias e complexas. Por exemplo, há que analisar em profundidade porque é que o crescimento da produtividade do trabalho está atualmente ao nível da Segunda Guerra Mundial, criando pressão sobre os lucros das empresas e, desta forma, sobre os salários, dado que estes estão correlacionados com a produtividade, e esta com as qualificações e o desenvolvimento tecnológico/inovação. Ou refletir sobre novas formas de organização das empresas e do trabalho. Ou ainda em introduzir um maior grau de diferenciação e de inovação nas políticas públicas dirigidas à atividade empresarial, de acordo com a estrutura produtiva de cada país. Um país de microempresas (como Portugal) não pode ter políticas iguais a outro onde haja sobretudo pequenas e médias empresas.