É perturbante o modo como Puidgemont foi detido na Alemanha. Sobretudo ao saber-se que os serviços secretos espanhóis, em conluio com o poder político alemão, foram empregues na detenção do ex-presidente da Catalunha. Como se fosse um barão da droga ou um traficante de armas. Contudo, não é possível, com um mínimo de rigor jurídico-político, falar de presos políticos, como o Bloco de Esquerda apregoa.
O independentismo catalão ultrapassou os limites da Constituição espanhola quando empregou meios e recursos públicos para promover um referendo que sabia ser inconstitucional. O Direito e os tribunais não poderiam ficar indiferentes.
Já escrevi aqui que existem bons argumentos para negar fundamento à prisão preventiva dos independentistas e até para a sua condenação pelo crime de rebelião. Mas isso não transforma Puidgemont e companheiros em presos políticos. O que transforma, isso sim, é a situação política da Catalunha. Admitir que os independentistas não são presos políticos mas também não são presos comuns, poderia abrir caminho a uma solução política e ao fim do impasse.
Alguns falam do Quebeque, que tem alguns pontos comuns com a Catalunha, mas poucos leram a decisão do Supremo Tribunal do Canadá de 1998 (Secession of Quebec, 2 SCR 217, 1998 CanLII 793 (SCC).
Vale a pena reproduzir algumas conclusões: “A Constituição não é uma camisa de forças (…). As nossas instituições democráticas acomodam um contínuo processo de discussão e evolução, que se reflecte no direito conferido a cada cidadão de iniciar a mudança constitucional. Este direito implica o dever recíproco para os outros cidadãos a participarem em discussões que conduzam a uma iniciativa legítima para mudar a ordem constitucional. (…) Uma clara maioria de votos a favor da independência do Quebeque conferiria legitimidade democrática a uma iniciativa de secessão de tal forma que todos os outros participantes na Confederação do Canadá não o poderiam ignorar. (…) Direitos democráticos ao abrigo da Constituição não podem divorciar-se das obrigações constitucionais. Nem o contrário pode ser aceite.
“A existência contínua da ordem constitucional canadiana não pode ficar indiferente perante uma expressão clara de uma clara maioria de Quebequenses que recuse permanecer no Canadá. As outras províncias e o governo federal não teriam base para negar o direito do governo do Quebeque em prosseguir no caminho da secessão (…). As negociações que se seguiriam a tal voto teriam de lidar com o potencial acto de secessão como se o mesmo se viesse a concretizar. (…) As negociações teriam de considerar os interesses das outras províncias, do governo federal, do Quebeque e os direitos de todos os canadianos dentro e fora do Quebeque e especificamente os direitos das minorias. Ninguém poderá sugerir que as negociações seriam fáceis.”
No caso do Quebeque, foi o próprio Supremo Tribunal a considerar que teria de haver uma solução política negociada para o conflito, caso a independência ganhasse o referendo (o que não aconteceu como sabemos). Isto com a consciência de que o processo não seria fácil. Em Espanha, o poder político recusa negociar e os tribunais mandam prender. Vai nisso uma radical distância entre as duas culturas políticas e judiciais.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.