Na semana em que estreia o filme Peregrinação, de João Botelho, baseado na obra homónima de Fernão Mendes Pinto, vale a pena lembrar o quão perto está a China. Mal-amado pelo poder, Fernão Mendes Pinto ousou fazer a desconstrução do herói das descobertas e conquistas e mostrar como foi sinuosa a relação com os poderes orientais. O autor mostra como a Índia, a China e o Japão estiveram tão perto de Portugal, num tempo de comunicações demoradas e difíceis, e de uma Europa mergulhada em conflitos políticos e religiosos que ditavam o confronto armado. Em Portugal sonhava-se com um império, construído por gente como o autor de Peregrinação, que fazia do longe perto.

Volvidos cinco séculos, a Europa está pacificada. Contudo, encontra-se envolvida em novas crises políticas, hesitante entre o regionalismo encabeçado pela União Europeia e os nacionalismos. E lá longe dos corações, mas perto da história portuguesa, a agora República Popular da China continua o seu caminho enquanto potência regional mais promissora no mundo de hoje, capaz de atuar em quase todo o mundo. Apesar disso, em Portugal merece pouca atenção. Do 19.º Congresso do Partido Comunista da China, apenas chegaram os ecos das notícias divulgadas pelos meios de comunicação internacionais, sobretudo, anglo-saxónicos.

Os congressos do Partido Comunista Chinês são determinantes para se perceber a política que vai ser seguida nos próximos anos neste país. É aí que são decididos todos os passos estratégicos a dar, após o debate no seio do partido que é onde de facto se confrontam as várias tendências e interpretações sobre o “socialismo de características chinesas”. Neste congresso, decidiu-se a alteração de competências do Presidente Xi Jinping, que consegue igualar o estatuto de Mao Zedong e concentrar na sua pessoa mais poder. Esta foi a notícia mais divulgada em termos internacionais.

Ficou por referir que o mesmo congresso decidiu que o partido tinha de implementar um socialismo moderno e progressivo no país que terá de ser mais próspero, forte, democrático, culturalmente avançado, harmonioso e belo. Pela primeira vez, o Congresso reconhece que as necessidades individuais são tão importantes como as coletivas e que serão determinantes para o sucesso e engrandecimento do país. Menciona valores como a democracia, a legalidade, a justiça, a equidade, a segurança e a demanda por um melhor meio ambiente a par de um aproveitamento de recursos inteligente. No contexto internacional, defende o desenvolvimento de relações amistosas com todos os países, reconhecendo a partilha do futuro com a toda a humanidade.

Numa análise breve, percebem-se duas tendências: a RPC localizou de onde poderia vir a oposição interna e está a tentar neutralizá-la, prometendo mais democracia e respeito por direitos individuais e coletivos; em termos internacionais, demonstrou que pretende aprofundar a sua política de softpower, que será a melhor forma de construir a Rota da Seda de modo suave e harmonioso. A China afirma-se como um poder moderado internacionalmente e envolvido na melhoria das condições de vida da sua população. Este é o primeiro passo para neutralizar todas as oposições internas e externas.

Portugal, que beneficia de uma proximidade histórica, poderá aproveitar o aprofundamento da tendência internacional de exportação de softpower, sobretudo através de Macau. Será que vai aproveitar esta oportunidade?