Se a vaidade é o pecado preferido do diabo, a corrupção é certamente o pecado preferido do populismo.
A democracia e o populismo são inimigos íntimos. Caminham lado a lado há muitos anos, mas sempre se recearam mutuamente. Onde está a primeira, lá anda o segundo a cirandar, à direita e à esquerda, à procura de uma fraqueza, de uma enfermidade, que possa ser utilizada como porta de entrada para o aparelho do poder. Tal como as bactérias, a demagogia populista precisa de um ambiente favorável para se desenvolver, para causar dano, para tomar conta do aparelho do Estado. Por isso, regra geral, as democracias fortes e saudáveis pouco têm a recear dos ataques populistas.
Já era assim na Grécia antiga, continua a ser assim nas democracias contemporâneas, no Ocidente ou em quaisquer outras paragens do mundo em que os governantes sejam escolhidos por meio de eleições.
O populismo não é propriamente uma ideologia, mas uma estratégia de acesso ao poder que assenta numa visão dicotómica do mundo: os puros e os corruptos; os nacionais e os estrangeiros; os cidadãos indefesos e os refugiados terroristas; o povo e as elites; as famílias trabalhadoras e os burocratas de Washington ou Bruxelas. Enfim, nós, que falamos a verdade ao povo, e eles, os políticos, que apenas pensam nos seus próprios interesses.
Dizia-me há poucos dias um professor húngaro que Portugal teve muita sorte por ter saído da brutal crise económica que atravessou sem que, no seu sistema partidário, tivessem surgido líderes ou partidos claramente populistas. Daqueles que, partindo destas visões do mundo a preto e branco, oferecem sempre soluções fáceis para problemas complexos.
É verdade, foi quase um milagre o sistema partidário português – apesar de mais extremado – ter saído da crise mais ou menos como entrou. As taxas de desemprego galopantes, a insegurança no emprego, a fortíssima austeridade em salários e pensões, o colapso do sistema bancário, seriam ingredientes de sobra para alimentar um forte movimento populista.
Outros países, por bem menos, viram os seus sistemas políticos tomados de assalto por populismos de vária natureza, que nalguns casos se instalaram no poder e lá permanecem.
Não tenho uma explicação científica para Portugal ter escapado a essa peste, apenas com umas quantas mazelas. Mas ocorre-me que faltou um ingrediente fundamental: a corrupção. A bancarrota teria resultado da crise internacional e não da corrupção do governo que nos levou até ela; o governo que nos conduziu através dos anos de austeridade, apesar de incapaz de reformar o Estado, não seria ele próprio corrupto.
Pois bem, parece que alguém se enganou: a corrupção aí está, relevada pelo Ministério Público e pela comunicação social, com uma magnitude que ninguém verdadeiramente julgava possível há poucos anos.
É um grito de alerta. Mas cuidado que assacar unicamente ao sistema de justiça a responsabilidade pelo combate à corrupção – por muito que se reforcem os meios ao seu dispor ‒ equivale a dizer que o problema dos incêndios deve ser revolvido pelos bombeiros quando a floresta já está a arder. A corrupção ‒ tal como os fogos florestais ‒ ou se previne com uma profunda reforma do sistema político ou torna-se incontrolável.