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A experiência agridoce de Seattle com o salário mínimo

A cidade americana implementou uma subida abrupta do salário mínimo em 2015, para continuar. Mas de acordo com o estudo do grupo que acompanha a medida, o tiro parece ter saído pela culatra. Que implicações tem tudo isto para Portugal?
12 Julho 2017, 07h25

Em Abril de 2015, o salário mínimo de Seattle subiu de 9,3 dólares (cerca de 8,2 euros) para 11 dólares (cerca de 9,7 euros) por hora de trabalho. E anunciou uma série de novas subidas faseadas, com o objetivo garantir que nenhum trabalhador desta cidade americana leve para casa menos do que 15 dólares (cerca de 13,2 euros) por hora trabalhada em 2021. Mas o arrojo da medida foi desde logo temperado por alguma prudência: o Conselho Municipal de Seattle constituiu de imediato um grupo de trabalho para acompanhar a alteração legislativa e estudar eventuais efeitos colaterais indesejados. Esse grupo de trabalho publicou as suas conclusões preliminares na semana passada. E o resultado não é animador.

Comecemos por enquadrar a questão, porque o debate em torno dos efeitos do salário mínimo já conta com tantos capítulos que é improvável que o leitor se recorde de todos. A intuição económica – a ‘teoria’, por assim dizer – sugere que obrigar as empresas a pagar salários mais altos do que aqueles que são formados pelas forças de mercado deve, a prazo, levá-las a diminuir a oferta de emprego. A intuição é simples e atraente: se o custo de um trabalhador (salário) aumenta, mas o seu ‘retorno’ (produtividade) não sobe, este deixa de ser um ativo e torna-se um encargo. Não é difícil imaginar o que fará uma empresa nesta situação.

Mas se, em teoria, a teoria e a prática coincidem, na prática as coisas não são tão simples. E a esmagadora maioria dos estudos empíricos acerca desta questão costuma concluir que o efeito do salário mínimo nos empregos é modesto, muitas vezes irrelevante e certamente inferior àquilo que a intuição económica nos levaria a pensar. O ‘consenso’ destes estudos, sintetizado pelo economista Richard Freeman, é que o debate acerca do salário mínimo é um debate em torno de zero – porque habitualmente é à volta deste número que se concentram os efeitos encontrados.

Mas há uma boa razão para acreditar que Seattle pode permitir ver aquilo que outros estudos não permitiram: a dimensão do aumento do salário mínimo. Entre 2014 e 2016, o ajustamento acumulado foi superior a 30%, e até 2021 poderá ficar acima dos 60%. São diferenças dramáticas num período curto de tempo, que contrastam com os ajustamentos tímidos e cautelosos que muitas vezes são alvo de estudos semelhante. Este constitui, portanto, um óptimo laboratório para os economistas laborais explorarem ideias e testarem hipóteses. Se o desemprego não sobe com um aumento destes, então vai ser preciso reescrever muitos manuais de microeconomia.

As conclusões do grupo de acompanhamento da medida

O que concluiu o grupo de trabalho? As primeiras páginas são reconfortantes: em 2015, quando o salário mínimo passou de 9,3 para 11 dólares por hora, não há efeitos discerníveis. Os salários aumentam, tal como era o objetivo da medida, sem que o mercado laboral se ressinta. Os efeitos nefastos, se existem, são tão pequenos que nem se notam ao microscópio dos economistas da Universidade de Washington.

Mas as coisas começam a mudar a partir de 2016, quando o salário mínimo sobe para 13 dólares. Apesar de os salários horários terem aumentado como resultado da política, houve uma quebra acentuada das horas de trabalho dos empregados cobertos pelo salário mínimo. Na verdade, este impacto foi tão grande que mais do que compensou o efeito positivo sobre o rendimento horário. O efeito líquido de uma remuneração horária maior associada a uma jornada de trabalho mais curta foi negativo e fez com que os trabalhadores abrangidos pela medida levassem para casa menos rendimento do que teriam num cenário de congelamento do salário mínimo.

São efeitos enormes, que não deviam deixar ninguém indiferente. Mas de onde vem a divergência entre este e outros estudos? Por que é que a equipa de Washington encontrou efeitos tão fortes onde outros economistas não se conseguiram afastar do zero? Uma possibilidade é o facto de uma subida grande do salário mínimo não ter o mesmo efeito de subidas pequenas. Ou seja, os efeitos podem não ser lineares: as tensões podem acumular-se durante algum tempo na penumbra, até rebentarem com estrondo a partir de um certo ponto – e Seattle ultrapassou esse ponto em 2016.

Mas as diferenças também podem resultar do facto de este estudo ser mais granular do que a maioria. A generalidade dos estudos costuma concentrar-se em variáveis como o emprego e a taxa de desemprego, não em indicadores mais subtis como as horas trabalhadas pelos empregados. Ora, foi exactamente ao longo desta margem de ajustamento – o número de horas solicitado pelos empregadores – que o salário mínimo parece ter tido um efeito mais negativo em Seattle. As companhias não despediram os seus trabalhadores: simplesmente ajustaram a jornada de trabalho. Se for esse o caso, a equipa da universidade de Washington pode bem ter dado uma pista inestimável para ajudar a perceber por que é que os estudos empíricos tendem a ter tanta dificuldade em encontrar efeitos negativos em análises deste género.

O teste em Portugal

Tal como Seattle, também o Governo português adoptou um sistema faseado e pré-anunciado de subidas do salário mínimo, a vigorar até 2019. Claro que Seattle aumentou o salário mínimo em 40% num período de dois anos, e Portugal propõe-se a subir 18% num período de seis anos, uma diferença de dimensão enorme que convém não esquecer. Mas também devia notar-se que mesmo depois deste aumento, o salário mínimo de Seattle representa cerca de metade da remuneração mediana da cidade, um valor bem mais baixo do que o rácio correspondente em Portugal (acima dos 60%, neste momento). Não é por isso claro que Portugal não tenha já entrado na sua ‘zona de perigo’, a julgar pela experiência americana. Este é um alerta que a Concertação Social devia levar em conta na próxima ronda de negociações.

P.S.- Na mesma semana em que o grupo de Washington publicou esta análise, uma equipa da Universidade de Berkeley divulgou um estudo sobre o mesmo tema, com uma metodologia semelhante, onde conclui que os efeitos do salário mínimo foram nulos. Este estudo incide sobre o emprego e não sobre as horas trabalhadas, o que explica pelo menos uma parte da divergência. Mas também nos faz recordar da popular anedota sobre a economia enquanto ciência: é algo extremamente útil, sobretudo para dar emprego aos economistas.

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.

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