Desde o funesto momento em que se deu a conhecer aos portugueses, o Dr. Mário Centeno deixou bem claro a quem para ele olhasse com olhos de ver que pouco ou nada mais o movia para além da sua muito inchada noção de si próprio e do seu duvidoso valor.
O desejo de que à sua autoestima se equiparasse a dos seus pares (que lhe haviam travado a progressão na burocrática carreira no Banco de Portugal) e a dos cidadãos (que nunca dele tinham ouvido falar) por si fez com que Centeno se prestasse à triste figura de, em primeiro lugar, emprestar a sua pretensão de credibilidade às promessas de António Costa para, logo em seguida, a destruir ao dar a cara pela sua quebra. Por sua vez, ter-se prestado a essa figura fez com que chegasse a ministro e, ao demonstrar a mais completa falta de juízo e dignidade, com que os senhores da “Europa” o identificassem como o homem ideal para fazer o que lhe mandam e ainda sair da sala a pensar que a ideia foi dele.
Agora, uma vez provado à saciedade que estavam certos nessa avaliação, garante-nos o Dr. Marques Mendes que Centeno espera que o recompensem com um lugar na futura Comissão Europeia, onde poderá olhar para o espelho com mais conforto e proveito que no Terreiro do Paço. Talvez por isso, Centeno passa agora os dias num desesperado equilibrismo entre a celebração do “virar da página da austeridade” para consumo interno, e a encenação de ponderação com avisos para consumo externo sobre a necessidade de, embora “sem grande ansiedade”, devermos “estar preparados para a próxima crise”.
Ao mesmo tempo que diz que “os objetivos foram atingidos”, que “não podemos negar o esforço feito” e que “temos menos défice”, o Ministro das Finanças apressa-se a avisar que “ainda temos défice” e que, por isso, “não devemos relaxar-nos com o sucesso das reformas implementadas durante o período de crise” nem cair nos “mesmos erros do passado” que causaram “o risco de sanções”, o desemprego de “um em cada cinco portugueses” e a “ruína” dos bancos e da “confiança no sistema financeiro”.
Num momento de rara sensatez, certamente involuntária, Centeno alertou que “ninguém controla a taxa de juro que enfrenta, e portanto nós temos que muito cautelosamente, de forma muito equilibrada”, precaver a possibilidade da sua subida e assim “garantir a execução orçamental do futuro”, ficando “do lado seguro da estrada”.
Para infelicidade de Centeno e, acima de tudo, de todos nós, a UTAO veio explicar que o país está a ser guiado em contramão. Segundo a avaliação feita e apresentada por esse incómodo organismo, “não se encontra prevista para os próximos anos nenhuma medida de consolidação orçamental de carácter permanente de dimensão significativa”, e a “concretização” dos objectivos orçamentais do Governo “encontra-se fortemente dependente das condições de mercado e da evolução das taxas de juro da dívida pública portuguesa”.
Ou seja, em vez de deixar o país preparado para uma futura subida das taxas de juro sobre a dívida que continua a contrair, o “equilíbrio” orçamental de Centeno é ele próprio totalmente dependente da provisória permanência das ditas em valores extraordinariamente baixos, e rapidamente se transformará num desastre no dia em que subirem.
É esta a tragédia actual do país, como tem sido desde (pelo menos) 1834: enquanto as coisas florescem “lá fora” e a conjuntura permite que os estrangeiros gastem dinheiro “cá dentro” (quer sob a forma de empréstimos ao Tesouro, quer sob a de turistas que nos adoram visitar mas que detestariam, e com razão, cá ter de fazer a sua vida), a nossa vida “vai andando”, sem que (quase) ninguém se preocupe com os problemas que a afectam.
Quando, por acaso e fatalidade, a “economia mundial” sofre um abanão, logo os males de Portugal, antes ignorados mas não menos reais, se tornam tão mais notórios como mais difíceis de resolver, e chega a hora de “apertar o cinto” e “fazer sacrifícios”. Que o ciclo se repita há séculos já não devia espantar ninguém. Que continuemos sem aprender a lição devia envergonhar-nos a todos.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.