Durante a última cimeira dos sete países da Europa do sul, realizada na passada semana em Roma, para além dos temas habituais que têm caracterizado estes encontros entre Malta, Chipre, França, Grécia, Itália, Portugal e Espanha – imigração, segurança, terrorismo, crescimento económico – um houve que, por aparentemente descontextualizado dos restantes, merece uma atenção especial.

Ficámos a saber, de forma um pouco inusitada, que no seio deste subgrupo regional de Estados da União Europeia, prevalece o apoio à ideia de alteração do sistema eleitoral para a eleição do Parlamento Europeu com a existência eventual, ao lado dos atuais círculos nacionais, de um círculo único, transnacional, com número de deputados a eleger ainda por determinar, no qual votariam todos os cidadãos europeus, os quais, na prática, passariam a dispor de dois votos: um voto no seu círculo nacional de origem e um voto no círculo europeu ou transnacional.

Um pouco à semelhança do que acontece, hoje em dia, por exemplo, no sistema eleitoral alemão, onde os eleitores também dispõem de dois votos – um voto no seu círculo estadual federado e um voto na lista nacional ou federal.

Antes de ir mais longe na análise, há um ponto prévio que convém realçar. Se o Parlamento Europeu – e bem! – pretende ser a voz representativa dos mais de 500 milhões de cidadãos da UE, não faz nenhum sentido que o modo de eleição dos seus 751 deputados obedeça (atualmente) a 28 sistemas eleitorais diferentes, tendo cada Estado membro a possibilidade de organizar esse sistema conforme bem lhe aprouver.

A existência deste elemento de diversidade introduz óbvios fatores de distorção na referida eleição, que conviria eliminar de uma forma completa. Uma única e mesma câmara legislativa deverá, em nome dos bons princípios, ser eleita segundo um mesmo método, um mesmo critério, um mesmo sistema. Se há áreas ou domínios da atividade da União onde a diversidade subjacente à sua divisa não tem qualquer sentido, esta é, claramente, uma delas.

Dito isto, todavia, está por demonstrar e provar que a introdução de um círculo eleitoral “europeu” ao lado dos diferentes círculos eleitorais nacionais seja o método ou o modo mais adequado de corrigir as distorções existentes, e de eliminar as assimetrias registadas na forma de eleição da assembleia parlamentar europeia. Desde logo porque, não sendo credível que os Estados-membros – e bem! – voltem a aumentar o número de deputados a eleger para a eurocâmara, isso só pode significar que o número de candidatos do círculo eleitoral europeu terá de ser, forçosamente, retirado aos círculos eleitorais nacionais – círculo eleitoral português incluído.

Ora, se neste momento cada um dos 21 eurodeputados portugueses já só representa 0,028% da eurocâmara, e como não será credível que pelo círculo único europeu haja a possibilidade de eleição de um número superior ao que nos será cortado na quota-nacional, isso significa que a importância e influência relativa da quota nacional em Bruxelas irá, inevitavelmente, reduzir-se.

E a redução da quota nacional de deputados numa instância como o Parlamento Europeu tem uma única consequência – a redução da influência e do peso relativo do país na referida instituição. Isto é, à medida que o Parlamento Europeu vai ganhando poder e competências, numa tendência sustentável e consistente que parece não ter, ainda, visto o seu fim, Portugal dá o seu acordo a uma proposta que diminuirá a sua influência relativa e o seu peso relativo nessa mesma instituição parlamentar. Europeus e europeístas, sim; masoquistas, nem tanto! Parvos, muito menos.

Mas a abertura demonstrada por António Costa em Roma, para aceitar esta concreta alteração do sistema eleitoral para o Parlamento Europeu, leva-nos a uma segunda – e não menos importante – questão. A da legitimidade política. O tema em causa não foi discutido nem nas últimas eleições para o Parlamento Europeu nem nas últimas eleições legislativas. Nem consta que haja merecido qualquer tipo de reflexão aprofundada no quadro da sociedade ou, mesmo, apenas em sede parlamentar.

Perguntar-se-á, com propriedade, de onde vem a legitimidade política do primeiro-ministro para admitir a possibilidade de vincular Portugal a uma eventual medida estrutural que, inevitavelmente, irá enfraquecer a nossa posição no quadro europeu e no âmbito de única instituição europeia de base totalmente democrática.

Salvo outra e melhor opinião, não tem legitimidade política para tal. Que a Alemanha, a França, a Itália, mesmo a Espanha, possam preconizar uma tal alteração do sistema eleitoral para o Parlamento Europeu, percebe-se e compreende-se. Se o mesmo vier a ser implementado e quando se fizerem as contas finais, ver-se-á seguramente que esses serão os Estados ganhadores com a introdução da alteração proposta. Portugal, por seu lado, enfileirará fatalmente no rol dos perdedores. Não é sina mas parece fado ou destino.