A 7ª arte presenteou-nos recentemente com dois magníficos retratos verídicos de cidadania e profissionalismo. O filme “The Post” conta a história da divulgação de documentos confidenciais sobre o envolvimento dos EUA na Guerra do Vietname. Os protagonistas são o Washington Post, de onde saiu o conteúdo dos documentos e liderado à data por Katharine Graham. Ben Bradlee era o Editor Executivo do jornal e o principal impulsionador da publicação do material confidencial. Do outro lado estava Richard Nixon, no seu primeiro mandato.
O confronto entre a intenção de Nixon em calar a imprensa e uma mulher de coragem, fiel aos princípios herdados do seu pai, resultaram na primeira brecha na Administração Nixon, que apesar disso viria a ganhar o segundo mandato. E aqui entra o segundo filme, que segue historicamente em perfeita sintonia com o primeiro, que termina com o início do Watergate.
“Mark Felt, o homem que derrubou a Casa Branca”, é o retrato do Associate Director do FBI que, durante pouco mais de um ano, entre 1972 e 1973, passou informação confidencial a dois jornalistas do Washington Post, relativa à investigação do Watergate, que Nixon tentou acabar antes mesmo de ter realmente começado. Ficou para a história como “Deep Throat”.
Watergate foi o maior escândalo político nos EUA, onde Nixon utilizou os serviços do FBI, CIA e IRS como arma política, tentando condicionar a oposição. Nixon acabou por se demitir em 1974, tornando-se o primeiro presidente norte-americano a fazê-lo e, em consequência, eternizou Felt como o informador com mais impacto na história dos EUA.
Acelerando a fita do tempo em cerca de 40 anos, temos hoje um novo confronto entre um Presidente dos EUA, a imprensa e serviços de segurança, derivado do que Trump directa ou indirectamente fez para atingir a Casa Branca. Esta semana soube-se que a Cambridge Analytica, empresa do Reino Unido com ligações ao Partido Conservador da primeira-ministra Theresa May, foi fundamental para a campanha de Trump. Dirigida por Steve Bannon, recolheu informação de 50 milhões de utilizadores do Facebook sem a autorização destes.
Curiosamente, foi a mesma Cambridge Analytica a responsável pela campanha do “Leave” no referendo sobre o Brexit em 2016, tendo esta tido o auxílio de Robert Mercer, um dos principais apoiantes financeiros de Trump na eleição de 2016. Mercer é co-CEO do Hedge Fund Renaissance Technologies e accionista da Breitbart News, onde Steve Bannon foi CEO até inicio de 2018.
A interferência de estrangeiros na eleição presidencial de 2016 a favor de Trump está por demais comprovada. O próprio Putin admitiu essa interferência, rejeitando contudo que os operacionais estivessem a mando do governo chefiado por si.
Vivemos num mundo diferente e perigoso, resumido nas palavras de Alex Younger, Chief of the Secret Intelligence Service ou MI6, em finais de 2016: “A conectividade que está no coração da Globalização pode ser aproveitada pelos Estados com intenções hostis para atingir os seus objectivos. (…) Os riscos são profundos e representam uma ameaça fundamental à nossa soberania”. Ou seja, a Big Data é hoje a maior arma de destruição massiva nas mãos de indivíduos com más intenções.
A contestação que levou à demissão de Nixon, na iminência de um impeachment, dificilmente trará hoje resultados similares, devido à força da contra-informação das fake news e à falta de carácter dos políticos que suportam os governos. Ou seja, o contrapoder exercido pelos media, e/ou pela voz do cidadão, é ineficaz.
Exemplo disso é que nem mesmo as afirmações corrosivas sobre Trump, proferidas pelo ex-Director do FBI (independente), o ex-Deputy Director do FBI (Republicano) e o ex-Director da CIA (independente), resultaram em consequências para o presidente norte-americano. Nem com críticas como esta: “When the full extent of your venality, moral turpitude, and political corruption becomes known, you will take your rightful place as a disgraced demagogue in the dustbin of history. You may scapegoat Andy McCabe, but you will not destroy America… America will triumph over you.”
Aliás, nem sequer a intenção de Trump em demitir Robert Muller (Republicano), o ex-Director do FBI, nomeado Conselheiro Especial para a investigação sobre a interferência da Rússia na eleição de 2016, por este não terminar a mesma, é garantia de um impeachment, tal é o domínio dos interesses pessoais dos Republicanos no statu quo actual.
Em suma, caro leitor/eleitor, tenha consciência de que os seus pensamentos não estão “sós”, antes são constantemente manipulados por especialistas na arte de o levar a si a validar o que eles querem. Hoje, o nosso “medo” não advém de armas nucleares, mas de algo aparentemente inofensivo como um post numa rede social, e não será o quarto poder (media) a salvação. Só mesmo o self-awareness poderá impedir a escravidão do nosso voto.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.