Segundo um famoso ditado popular, “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Significa isto que quem persiste sempre alcança, conseguindo ultrapassar as dificuldades que colocam, por maiores que as mesmas se revelem. A resiliência é, assim, uma característica tradicionalmente apontada a muitos portugueses.

Vem isto a propósito da aprovação, em Conselho de Ministros realizado esta semana, da possibilidade das instituições superiores politécnicas poderem vir, no futuro, a conferir o grau académico de doutor, algo que até agora constituía um exclusivo das instituições universitárias.

Previsto pela Lei de Bases do Sistema Educativo de 1973 e instituído em 1977, o ensino politécnico foi criado para ser um ensino superior de curta duração, visando formar técnicos especialistas e profissionais de educação de nível intermédio. Em 1979, passou a designar-se ensino superior politécnico. Rapidamente, no entanto, se começaria a assistir à deriva universitária do ensino politécnico, afastando-o da sua missão originária. Na realidade, a Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986 veio permitir a criação de cursos de dois anos (os CESE), que, em conjugação com os bacharelatos, conferiam equivalência a uma licenciatura.

Em 1997 e em 2005, duas alterações à Lei de Bases de 1986 vieram abrir a porta a que os politécnicos passassem a poder conferir primeiro o grau de licenciado e, logo depois, o grau de mestre, ficando-lhes apenas vedada a concessão do grau académico de doutor.

Nos últimos anos, as instituições politécnicas têm procurado afanosamente obter do poder político a possibilidade de conferirem o grau académico de doutor e a alteração do seu nome para universidades de ciências aplicadas, algo que sempre lhes foi negado, numa tentativa de salvar o que restava do sistema binário – universitário e politécnico.

Advogavam os politécnicos que a sua definição era predominantemente negativa, pois o que verdadeiramente os distinguia das universidades era o grau que não podiam outorgar: o de doutor.

Em 2014, contrariamente àquilo que desejavam, os politécnicos viram-lhe ser atribuída uma competência exclusiva, a de ministrar Cursos Técnicos Superiores Profissionais (TESP), uma formação superior de curta duração que parecia querer aproximar as instituições politécnicas da sua matriz originária.

Nada de mais enganador. Quatro anos volvidos, o Conselho de Ministros vem estender a possibilidade de as instituições politécnicas passarem, num futuro que se adivinha próximo, a ministrar doutoramentos, num processo que obrigará a uma nova alteração da lei de bases do sistema educativo, que, atualmente, veda essa possibilidade e que não pode ser derrogada por simples decreto-lei.

A consagração desta solução traduz-se numa machadada final no sistema binário, acabando, de vez, com uma dicotomia cheia de virtualidades, mas que, pela pressão dos acontecimentos, acabou por cair em terrenos pantanosos, afastando-se o ensino politécnico da sua missão original e fazendo desaparecer, quase por completo, a visão que pretendia que o mesmo assegurasse a formação de técnicos especialistas, de que o país tanto necessita.

Se a intenção é, como parece, a de acabar definitivamente com a dicotomia de subsistemas, então tenha-se a coragem de assumir esta solução, evitando-se o perpetuar de algo que, nos dias de hoje e perante o ziguezaguear de sucessivos governos, deixou, na prática, de fazer sentido, já que nada distingue o que deveria ser tão diferente e que é, atualmente e em nossa opinião erradamente, tão idêntico.