A tragédia de Pedrógão Grande que queimou Portugal não é apenas um azar. É também o resultado de um rumo político e económico que tem uma dimensão global e uma dimensão nacional. Ilustrativo do tempo em que vivemos.
No que diz respeito à dimensão global, muitos cientistas têm alertado que o uso intensivo de combustíveis fósseis (petróleo, carvão, gás natural) como fontes energéticas contribui de forma decisiva para rápidas e perigosas alterações climáticas. Prevê-se, entre outras consequências, uma subida da temperatura média global e o aumento da intensidade e frequência de fenómenos climáticos extremos. Para Portugal, as ondas de calor, a redução da precipitação e os incêndios de grandes proporções são esperados. As tentativas de regular e reduzir as emissões dos gases com efeito de estufa têm sido insuficientes perante as dinâmicas capitalistas globais e as poderosas indústrias envolvidas. Combinado com esta problemática temos a ascensão internacional do neoliberalismo, do culto das privatizações, da liberalização dos mercados, do lucro acima de tudo, de um Estado reduzido ao serviço dos grandes negócios. Um movimento intelectual e político que teve tradução e imitação portuguesa.
É neste quadro que podemos compreender que Portugal tenha uma floresta vocacionada para os interesses da indústria da madeira e das celuloses, com grande proporção de árvores altamente inflamáveis como o eucalipto e o pinheiro-bravo. Que seja o país europeu com a maior área de eucalipto, com a menor percentagem de floresta pública (2%) e a maior percentagem de floresta ardida. Que se tenha dado uma machadada nos serviços florestais e na vigilância da floresta. Que tenhamos um sistema de comunicações de emergência e segurança (SIRESP) que aparentemente custou 5 vezes mais do devido e que não funciona em alturas críticas. Que o Estado contrate ao privado dispendiosos meios aéreos de combate aos incêndios em detrimento da participação da Força Aérea Portuguesa. Que tenhamos um crescente despovoamento de uma parte significativa do território e as populações que aí vivem continuem a assistir à migração dos serviços públicos. Para resgatar a banca o dinheiro sempre aparece, para apoiar as pessoas e os territórios falta dinheiro.
Já repararam no que há em comum nos factores que potenciaram a tragédia? Lucros privados, prejuízos colectivos. O cifrão é quem mais ordena. Milton Friedman não estará cá para ver mas uma sociedade e economia baseada na promoção da ganância privada não dá bons resultados. A não ser que haja uma mudança de rumo (não apenas em Portugal), o cifrão poderá bem figurar no caixão da humanidade.