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Bitcoin reduzida de “ouro digital” a ultrapassada

Os tempos de domínio da pioneira podem estar a chegar ao fim. Novas criptomoedas tentam corrigir falhas anteriores e os especialistas prevêem que a ethereum, que chegou à segunda posição esta semana, não demore a roubar a liderança.
Reuters/Benoit Tessier
14 Janeiro 2018, 20h00

“Neste momento, bitcoin e blockchain são sinónimos para quem ainda não entrou no mercado, mas quando se entra e se faz alguma pesquisa, rapidamente se percebe que a bitcoin é provavelmente a aplicação mais aborrecida para o blockchain”, diz Justin Wu, co-fundador da primeira empresa portuguesa de consultoria em criptomoeda, a Etherify.

Em 2009, quando foi lançada no mercado, a então pouco conhecida bitcoin não tinha concorrência e assim se manteve até 2011. Sete anos depois, a realidade é bastante diferente e mais evoluída. A tecnologia que deu origem à bitcoin – o blockchain – utiliza um livro-razão (ledger) partilhado, onde ficam registadas transações, de forma permanente. Pode ser usado em criptomoedas, mas também em outro tipo de plataformas tecnológicas ou aplicações tecnológicas expecíficas. O diretor de estratégia de ativos digitais da VanEck, Gabor Gurbacs, explica que “a bitcoin é a mais reconhecida das criptomoedas e tornou-se conhecida como uma forma de ‘ouro digital’, mas nem todos os ativos digitais são desenhados na forma de moedas”.

Pelo contrário, há várias aplicações que se assemelham a plataformas de partilha de informação. Gurbacs dá o exemplo de ativos digitais para rastrear propriedade privada, direitos musicais ou alocar recursos como armazenamento digital ou wi-fi.

“Basicamente estas aplicações são investimentos tecnológicos”, explicou sobre os smart contracts (contratos inteligentes) e tokens.

“Tem é de se perceber se será a próxima forma de estruturar dados na internet. O grande apelo é não precisar de permissão (qualquer um pode entrar), ter baixos custos e não ser controlado por nenhuma empresa”, referiu o diretor de estratégia de ativos digitais.

Apesar de concordarem que a tecnologia blockchain poderá redefinir transações de valor, armazenamento e distribuição de informação digital e até mesmo o atual sistema financeiro, os especialistas do setor não vêem a bitcoin a fazê-lo sozinha. Numa altura em que o número de criptomoedas e initial coin offerings (ICO) aumenta diariamente, a bitcoin parece ter parado no tempo.

Bitcoin não consegue acompanhar evolução

“Há pelo menos um ano que a bitcoin está desatualizada”, diz Wu. A ideia é partilhada por Fernando Gutierrez, responsável pelo departamento jurídico da empresa Dash, criadora da criptomoeda com o mesmo nome.

“A equipa de desenvolvimento está a limitá-la a um armazém de valor, que é apenas uma característica do dinheiro sólido. Estão a abandonar o espaço de pagamento, limitando o número de transações possíveis. Têm dito que vão encontrar uma solução fora do espaço do blockchain para pagamentos quotidianos, mas ainda não o conseguiram e os planos que têm não parecem muito bons”, critica Gutierrez.

A posição da bitcoin como líder de mercado está a ser ameaçada pelas suas próprias falhas, a começar pelas limitações de programação. Um dos problemas apontado é o reduzido número de aplicações possíveis, que não corresponde às necessidades dos utilizadores. Por outro lado, a rede da bitcoin comporta atualmente três transações por segundo. O número parece reduzido, tendo em que, por exemplo, no sistema Visa, que permite entre 3.000 e 5.000 transações por segundo. Ainda para mais, cada transação de bitcoin custa entre 15 e 20 dólares.

O problema de escala é um dos grandes temas atuais do mundo cripto, que tem de enfrentar as dificuldades de uma explosão no número de utilizadores.

As várias críticas apontadas à bitcoin têm levado parte dos impulsionadores do setor a virarem-lhe costas, mas também a guerras internas públicas. Em agosto do ano passado, o debate sobre o futuro da criptomoeda levou a uma cisão e à consequente divisão entre a tradicional bitcoin e a nova bitcoin cash.

Concorrência aumenta e aproveita falhas

Fragilizada pelas críticas externas e pelas discussões internas, a bitcoin não acabou 2017 na melhor posição para enfrentar o crescente número de concorrentes, que souberam aproveitar os problemas da pioneira. “Na Dash, começámos com o código da bitcoin, mas melhoramo-lo para que possa ter escala e oferecer uma forma de dinheiro que possa tanto armazenar como transferir valor”, explicou Gutierrez.

Tal como a dash, muitas outras escolheram trabalhar a partir do código original ou de forma independente. Exemplo disso é a ethereum, uma criptomoeda que tem ganho destaque nos últimos meses e que recuperou a posição de segunda maior do mundo esta semana.

“O mercado atual está completamente dominado pela ethereum”, defendeu Justin Wu sobre a criptomoeda com que trabalha a Etherify. Sublinha que 88% do top 100 de criptomoedas do Coin Market Cap têm por base o token standard da ethereum (ERC-20), “ou por outras palavras, sem a ethereum, nenhuma destas moedas existiria”.

Ethereum ganha espaço no mercado

“Muita gente comete o erro de olhar só para a capitalização de mercado como o indicador mais importante e aí a bitcoin está no topo, mas o indicador mais importante neste momento é a rede de uso. A ethereum domina o top 100 e realiza mais transações por dia que todas as outras criptomoedas combinadas [excluindo a bitcoin]. É apenas uma questão de tempo até a ethereum ultrapassar a bitcoin em capitalização de mercado, também”, afirmou Wu.
Em termos de valor, a ethereum tocou esta quarta-feira os 1.417 dólares, apenas seis dias depois de ter quebrado a barreira dos 1.000 dólares pela primeira vez e após uma valorização de 9.000% em 2017.

Com uma capitalização de mercado de 127 mil milhões de dólares, a maior rival da bitcoin recuperou, assim, a segunda posição no ranking das criptomoedas. O lugar tinha sido temporariamente perdido para a Ripple, que fecha agora o pódio, depois de um disparo de 32.000%, no ano passado.

“Parece-me claro que a ethereum vai continuar a dominar”, acrescentou Wu, que antevê que a criptomoeda chegue a número um em termos de capitalização de mercado até meio do ano. “A ethereum vai ser a primeira blockchain a atingir escala e então vamos ver muito mais empresas e projetos a usá-la e a construir a partir dela”.

Gabor Gurbacs, da VanEck, concorda que os ativos digitais (de forma mais lata) vieram para ficar, prevendo que este ano seja de amadurecimento para o setor.

“O mercado de ativos digitais ganhou um reconhecimento estável nos últimos anos, em particular em 2017. Ainda vamos assistir a mais maturação em 2018, acompanhado de mais governança corporativa, mais transparência nas transações e maior regulação sobre os ativos”, afirmou.

Já Fernando Gutierrez lembra que o setor cripto está em “fase de expansão”, semelhante a outra, menos representativa, que passou em 2014. “A maioria dos projetos vai provavelmente morrer, mas os melhores vão sobreviver e mudar muitos setores. Consolidação é uma fase normal em qualquer setor novo e o cripto também vai passar por isso”, acrescentou.

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