Exmo. Senhor Presidente da República, os incêndios que assolaram o País continuam bem vivos na nossa memória. Como é possível que mais de 100 pessoas tenham morrido de forma tão trágica e em tão pouco tempo? Como é possível que tanta floresta e tantos animais tenham sido destruídos? Como é possível que a área ardida em 2017 seja a maior desde que há registos, quando 2016 já havia significado nesta matéria o pior ano dos últimos dez?
Segundo a protecção civil, 90% dos incêndios têm intervenção humana sendo que de acordo com o Presidente da Liga dos Bombeiros 80% dos fogos têm origem criminosa. Por outro lado, foi tornado público que o número de incendiários detidos aumentou (vários são reincidentes). À luz do Código Penal (art.º 274.º), o crime de incêndio florestal é punido com uma pena de prisão de 1 a 8 anos. Não será a moldura penal pouco dissuasora? Será que este intervalo não estará a fazer com que a própria Justiça desvalorize a gravidade destes actos terroristas na hora de aplicar sentenças? Algo vai mal quando alguém que ateou nove fogos leva pena suspensa.
Quanto ao Estado sabemos que falhou numa das suas missões fundamentais: a de proteger as pessoas. É verdade que há reformas que ainda não foram realizadas. É verdade que o factor meteorológico também não tem ajudado. Contudo, não poderia o poder executivo ter feito mais no curto-prazo? O Governo sabia que 2017 teria tudo para ser pior do que 2016. De outra forma, como se explica que um secretário de Estado tenha afirmado em Maio que se “fosse consciente, fugia”? Recordo que para este ano foi projectada uma redução do défice de 1522 milhões de euros no OE 2017. Ao mesmo tempo, foi orçamentado apenas mais 2,5 milhões de euros para a “Protecção Civil e Luta Contra Incêndios” da Segurança Interna face ao valor inscrito no OE 2016; ainda assim a dotação total é inferior em 18 milhões face à de 2015 (OE 2015). Não se poderia ter dado uma maior importância a esta rubrica dado o diagnóstico? Se tal tivesse ocorrido teriam os decisores políticos alegado “custos incomportáveis” em matéria de contratação de vigilantes da natureza? Aparentemente, a este facto acrescem erros de “casting”. É o caso das trocas de metade do comando da protecção civil, o que segundo analistas pode ter conduzido a descoordenação.
Exmo. Sr. Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, é fundamental que apesar das críticas recentes que alguns lhe têm feito – quase que parece que o querem condicionar na sua actuação –, Vossa Excelência continue a assumir um papel forte como até aqui. Quer liderando pelo exemplo, quer transmitindo confiança às pessoas e orientando o poder político para que se faça aquilo que é indispensável fazer. Acredito que os Portugueses saberão reconhecer. Bem haja!
Com os melhores cumprimentos,
Ricardo Ferraz
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.