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Cervejas artesanais: A moda que veio para ficar

A moda das cervejas artesanais veio para ficar. Além das inúmeras marcas de pequenos produtores, este segmento está a atrair pesos pesados da indústria de bebidas. A Central de Cervejas e a Unicer já estãoa mexer-seno terreno.
Cristina Bernardo
28 Outubro 2017, 11h00

Poderia ter sido mais uma moda passageira, mas já se percebeu que veio para ficar. Estamos a falar da onda gravitacional que hoje em dia roda à volta das cervejeiras artesanais.

De tal forma que os dois grandes grupos industriais do setor em Portugal, a Central de Cervejas e a Unicer, já se estão a mexer no terreno para limitar os danos da quebra de quota de mercado e a apresentar marcas próprias (marca ‘Bohemia, no primeiro caso e ‘1927’ no segundo) e garantir contratos de distribuição exclusivos para Portugal de insígnias prestigiadas nesta área (entrada no país da marca norte-americana ‘Brooklyn’, garantida pela Unicer a partir da semana passada).

Em Lisboa, entre o fim de semana passado e o próximo lançaram-se dois grandes eventos nesta promissora fileira. Em Marvila Velha, quis o acaso ou o génio destes novos empreendedores que três cervejeiras artesanais estejam a aproveitar espaços degradados da capital, em locais separados, e a recuperar a economia local.

No fim de semana passado, a MUSA, a Lince e a Dois Corvos perceberam que é mais o que as une do que as separa e juntaram esforços para montar um evento que trouxe mais de dois mil apreciadores do lúpulo e do malte a esta nova ‘movida’ lisboeta.

Uma ‘Oktober’ festa à lusitana. Uma, não, várias. Já tinha havido uma iniciativa similar no Campo Pequeno, a ‘Cerveja em Lisboa’, de 4 a 8 de outubro no fim de semana. Para o próximo fim de semana, a começar já hoje, no LX Factory, em Alcântara, Lisboa, até ao próximo domingo, está agendado mais espaço de promoção das cervejas artesanais.

O ‘The Beer Call’ será um evento que vai, mais uma vez, juntar especialistas de cerveja (brew masters, beer sommeliers, entre outros espcialistas), produtores e profissionais de hotelaria, mas que também é aberto ao público em geral, especialmente aos mais apaixonados por cervejas especiais e importadas.

É este fenómeno de dinamismo empresarial que o Jornal Económico tenta retratar aqui. Entre as três cervejeiras de Marvila Velha; a Nortada, uma marca nortenha que se afirma com um cariz profundamente regional; até à entrada no mercado da ‘Brooklyn’ tudo parece estar a acontecer ao mesmo tempo neste setor, que há dez anos nem se sonhava poder existir. E muitas outras ficaram por descobrir. Por enquanto…

A mais antiga em Marvila Velha, um tesouro esquecido de Lisboa, é a cervejeira Dois Corvos, gerida e detida por Susana Cascais, fundadora e sócia da empresa, a par com o seu marido, Scott, norte-americano, que a terá influenciado neste gosto pelas cervejas mais diversificadas, e longe da lógica duopolista das grandes cervejeiras a atuar em Portugal.

“Começámos em 2014 em Marvila. Foi um tiro no escuro. Começámos a comercializar em 2015. Fomos a primeira cervejeira a apostar na recuperação de espaços abandonados aqui, em Marvila Velha”, resume Susana Cascais, em declarações ao Jornal Económico.

Para a sócia fundadora da Dois Corvos, o negócio centra-se nas vendas à pequena restauração, mercearias, cafés, hotéis e bares, com apenas 10 pessoas a sustentar a atividade. Estamos a falar de um negócio maioritariamente assente em capitais próprios, com recurso a empréstimos bancários, que vende para todo o território nacional, com destaque para os grandes centros consumidores, ou seja, a faixa litoral do país.

Em setembro, a Dois Corvos duplicou a capacidade de produção para cerca de 120 mil litros por ano, dos quais cerca de 10% são para exportação, com enfoque em França, Espanha, Itália, Luxemburgo. Há manifestações de interesse por parte do Reino Unido, mas também de países asiáticos e do Brasil, mas Susana Cascais assegura que a empresa se vai concentrar nos mercados europeus.

“Não queremos sacrificar os nossos clientes locais em Portugal para podermos colocar o nosso produto em exportação, mas sabemos que há aí um enorme potencial e vamos explorá-lo”, assegura Susana Cascais.

Esta empreendedora não quer divulgar valores de investimento, mas acredita que o ‘break-even’ da Dois Corvos pode chegar já em 2020. Ali ao lado, temos a Lince. António Carriço, sócio e fundador, começou com este projeto porque gosta de produzir cervejas em casa. “É como a culinária. Houve amigos que gostaram, se calhar, uns sinceros, outros por amabilidade”, confidencia, em declarações ao Jornal Económico.

António Carriço entusiasmou-se, juntou-se a um amigo, Pedro Soares Vieira, e lançaram a Lince, que começou a comercializar cerveja artesanal em novembro de 2016. “Não temos outros sócios, não temos empréstimos bancários, dívidas ou outros investidores. É tudo com capitais próprios”, sublinha o sócio da Lince.

Já estão preparados para produzir cerca de cinco mil litros de cerveja artesanal por mês, depois da última fase de expansão concluída na fábrica, que ocupa parte das antigas instalações da Fosforeira Portuguesa.

No capítulo das vendas, a empresa tem mais presença na Grande Lisboa e no Algarve. “No resto do país, temos uma distribuição mais incipiente”, reconhece António Carriço.

No que respeita à exportação, o fundador da Lince, admite que existem oportunidades que deverão ser exploradas a partir de 2018, até porque será uma forma de recuperar o investimento de cerca de 400 mil euros já aplicado neste projeto, que António Carriço gosta de designar como ‘garage start up’.

Bruno Carrilho, fundador e sócio da MUSA, a par de Nuno Melo, andou pela consultora McKinsey e tirou um MBA em Berkeley. Mas andava com o bichinho da cerveja artesanal há muitos anos.

Chegaram à Rua do Açúcar, também em Marvila Velha, e começaram a vender as primeiras cervejas artesanais em 2015. “Somos dois sócios gerentes e mais um grupo relativamente alargado de investidores pequenos”, explica Bruno Carrilho.

Este coproprietário da MUSA espera chegar ao final deste ano com uma capacidade de produção entre 150 e 200 mil litros de cerveja artesanal. A empresa já tem 11 pessoas no quadro.

Bruno Carrilho revela uma aspiração: gostava de chegar ao final do ano com uma facturação de cerca de 500 mil euros, assente numa cobertura quase total do território continental, baseado nas áreas da Grande Lisboa e do Porto, assim como o Algarve. O investimento efetuado ascendeu a um valor entre três e 3,5 milhões de euros Das vendas, uma faixa à volta de 10% destina-se à exportação. “Ainda é uma parcela de negócio em que somos muito reativos. Vamos fazer uma abordagem mais sustentada no próximo ano, porque sabemos que existem potencialidades na Escandinávia, França e Reino Unido, por exemplo”.

No Porto, surgiu há pouco, com grande força, a Nortada. O fenómeno é global. De tal forma que até as grandes produtoras de cervejas artesanais dos mercados mais maduros neste segmento, como os Estados Unidos, querem tentar a sua sorte no promissor mercado nacional, apesar de não haver publicamente estatísticas sobre o consumo neste segmento.

Na passada sexta-feira, Steve Hindey, na apresentação da prestigiada ‘Brooklyn’, dizia ao Jornal Económico, que Portugal “é um dos mais promissores mercados no segmento das cervejas artesanais a nível mundial”. Quem sabe, sabe…

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