Para conhecermos uma cidade não basta percorrermos as suas ruas e criar um mapa mental das interseções e rotundas. E a história que decorreu nos diferentes locais de uma cidade, e que marcou os seus habitantes em épocas decisivas, é ainda mais importante para obtermos um conhecimento profundo dos seus bairros, becos e ruelas. Provavelmente, seremos muitos a desconhecer a história por trás do nome da rua em que vivemos.

Esta reflexão vem a propósito da iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa que organizou, durante o mês de abril, visitas comentadas a locais de Lisboa onde se deu a resistência e combate à repressão do regime do Estado Novo. Para além dos percursos da “Lisboa Operária” e “Lisboa da Repressão do Estado Novo”, que já decorreram, cabe ao historiador Fernando Rosas revisitar a “Lisboa Revolucionária” e os locais onde se deram os principais momentos da sublevação popular que derrubou o regime de Salazar.

Pode parecer banal, mas mais de 40 anos depois da Revolução dos Cravos, os eventos começam a parecer longínquos na memória. Não da minha memória ou da minha família, pois não temos memórias do 25 de Abril, tendo chegado a Portugal mais de uma década depois da revolução. O que temos são relatos transmitidos por terceiros que ajudaram a reconstruir os eventos desses dias. Na ânsia de descobrir mais, adquiri um livro recentemente lançado pela edições Colibri, “Memórias de uma Falsificadora”, de Margarida Tengarrinha, histórica militante antifascista e viúva de José Dias Coelho, assassinado pela PIDE em 1961.

Começando em 1954, ano em que a autora e o seu companheiro decidem “mergulhar” na militância clandestina do PCP, dá-se início a um extraordinário relato de um jovem casal que se viu no papel de falsificadores de identidade. Graças às suas habilidades gráficas e artísticas, tinham a importante tarefa de criar uma oficina de falsificação com recurso a técnicas rudimentares e que desempenhou um papel vital para a organização da resistência antifascista. Mas não sem custos elevados.

A autora narra o pesado isolamento social a que se viam forçados e evoca essa época com uma claridade despida de melodramas. Décadas de clandestinidade, intercaladas por um período de exílio na União Soviética, são narradas com uma voz atenta aos detalhes da vida quotidiana. A memória de Margarida Tengarrinha permite-lhe, assim, homenagear figuras do passado decisivas na situação política do país, e que regressam à vida nesta obra que resiste à “corrupção da morte”.

Hoje, quando passo pela rua em Alcântara que tem, desde há muitos anos, o nome de José Dias Coelho, posso dizer que conheço a sua história. Agora que li sobre a sua vida e as circunstâncias do seu assassinato, a cidade, de súbito, torna-se infinitamente mais rica e um nome de rua adquire um rosto, uma história, um legado de liberdade.