O foco passou para as dúvidas sobre a estabilidade de um mecanismo complexo, construído sob múltiplos alicerces (vários acordos entre partidos, todos de esquerda mas com agendas diferenciadas). Iria aguentar? Qual seria a peça que poderia fazer colapsar a geringonça? Um orçamento? Eleições locais? Temas sociais fraturantes?
A verdade é que, contra todas as probabilidades, esse objeto político de equilíbrio – supostamente precário – resistiu, deixando a direita sem capacidade de resposta. O Programa de Estabilidade apresentado este mês é a prova mais recente dessa durabilidade. Mário Centeno lançou uma estratégia dominada pelo rigor nas contas, com a meta de conseguir um excedente orçamental em 2020. O Bloco foi o parceiro que mais protestou, enquanto o PCP teceu as críticas habituais. Ambos apresentaram projetos de resolução, mas estes acabam por ser apenas atos simbólicos para não deixar passar a caravana em silêncio. O mini-frisson poderá repetir-se na discussão do Orçamento do Estado para 2019, mas é pouco provável que venha a abalar a expetativa de vida da gerigonça. Já quase ninguém defende que essa aliança irá colapsar antes do fim da legislatura.
A discussão já passou disso e agora o novo desafio de análise reside em adivinhar o que irá acontecer nas eleições e logo a seguir. António Costa fala em maioria absoluta, mas sabe que não está garantida. O primeiro-ministro vai ter de desmontar a geringonça e, dependendo dos resultados, eventualmente criar uma versão 2.0 com alguns dos parceiros da atual. Ou até mesmo com outros, dado que, com Rui Rio na liderança do PSD, o bloco central tornou-se uma possibilidade e não apenas uma miragem. Montar a geringonça foi um ato de engenharia difícil. No entanto, fazer a desmontagem sem causar acidentes que possam condicionar as relações entre os partidos e ensaiar uma nova versão poderá acarretar um grau de exigência ainda maior.
Mas Costa não é o único. Toda a gente está a fazer futurologia. Para Rui Rio, as legislativas vão ser o grande teste à liderança do PSD e portanto um tema recorrente no discurso. Jerónimo de Sousa diz que pode haver uma “coisa aproximada à geringonça” após o ato eleitoral, enquanto Marcelo é obcecado com consensos e vai continuar a mencioná-los com frequência. É natural olhar para a frente quando há um ato eleitoral cujo resultado poderá causar incerteza e instabilidade. Mas também é perigoso. As eleições são apenas no outono de 2019. Se o foco da nação, especialmente dos líderes políticos, nos próximos 16 meses estiver em tentar antever todas as permutações entre resultados e consequências, outros assuntos importantes vão ficar fora da lente e da ação.
Não faltam preocupações maiores. As tragédias de 2017 obrigam a que a prioridade seja a prevenção de incêndios. A notícia sobre crianças a receberem tratamento oncológico em contentores no Hospital de São João é escandalosa, mas tem de passar de apenas mais um escândalo a um episódio que desencadeia uma melhoria nos serviços de saúde. Na economia, não é tempo de baixar a guarda porque a certa altura os ventos favoráveis irão perder força e Portugal tem de aproveitar este momento para fazer reformas estruturais. A banca continua a necessitar de vigilância e a Justiça tem em mãos alguns dos maiores casos das últimas décadas. Vai haver muito tempo para falar e especular sobre eleições, mas esse tempo ainda não chegou.