O tema cansa de tão repetitivo. Vira o disco e toca o mesmo – e o pior é que a música que se ouve é sempre a canção do bandido. Ao som destes acordes, vão-nos dando baile. Quando passam na rua com seguranças, batedores, assinalando marcha de urgência em carros escuros e abrindo alas no trânsito, os pais aproveitam o momento para “seduzir” os filhos mais novos: se queres ser alguém na vida, tens de estudar. Se te esforçares muito podes conseguir entrar na faculdade e, quem sabe, também chegar a ministro, secretário de Estado, deputado, ou chefe de Gabinete de um ministro…
Desejando poder dar essa alegria de “singrar na vida” à família, milhares de alunos emergem num oceano denso e escuro de deveres, obrigações, trabalhos de casa, aulas, testes, exames, fichas, livros, cadernos, apontamentos, resumos… Em troca, para além de notas e classificações, muitos desses jovens recebem “dádivas” travestidas de distúrbios nervosos, ansiedades, crises, ataques de pânico, perturbações alimentares, transtornos vários.
Quando alcançam a licenciatura estão feitos em farrapos, mas ufanos: obtiveram o canudo que vão poder exibir no almoço de família tão esperado pelos pais, tios e avós que não tiveram a sua oportunidade. Receberão presentes comprados com muito sacrifício económico, mas repletos de um envaidecimento desmedido. Passarão a ter um tratamento diferenciado pelos mais velhos que os vão reverenciar: afinal, são doutores. Detentores de uma licenciatura, muitas vezes, isto é o mais longe onde vão chegar. A licenciatura é verdadeira. Não existe, aliás, outro tipo de licenciatura. O que existe, isso sim, são pessoas falsas. Os chamados “chico espertos”. Aqueles que se acham mais inteligentes que os demais.
Desenganem-se os que pensam que estas pessoas são os “pilotos” desta vida, foragidos da polícia e escondidos nas matas: estes indivíduos estão no Governo. Pior: estão até no Ministério da Educação. Estão no “Ministério dos Ministérios”, o gabinete dos serviços que tem a importante missão de encetar as reformas e programas necessários para formar as pessoas que um dia ajudarão a engrandecer a nossa sociedade e servirão de base para todos os outros lugares do executivo. O único Ministério para onde ainda olham os mais jovens.
É isto que torna todo o escândalo à volta de Nuno Félix, João Wengorovius Meneses e Tiago Brandão Rodrigues, tão perverso. Tal como as escolas não existem para dar emprego aos professores, também o Ministério da Educação não existe para dar emprego ao ministro e aos seus amigos. Nem só de livros escolares gratuitos se faz a educação de um país. A educação sempre se pautou pelo exemplo. Haver neste ministério, não pessoas que não detenham licenciatura – não é esse facto que aqui importa –, mas indivíduos que ludibriam e lançam um nebuloso clima de “diz que disse”, compromete a imagem e a missão deste executivo.
Juntemos as peças: num primeiro momento, João Wengorovius Meneses, ex-secretário de Estado da Juventude e do Desporto, disse ter pedido ao Ministro Tiago Brandão Rodrigues que exonerasse o chefe de gabinete Nuno Félix e adiantou ter emails trocados com o ministro sobre este tema; Nuno Félix diz nunca ter escondido que não era licenciado; Brandão Rodrigues alega que desconhecia que Félix não fosse licenciado e nega ter impedido a sua exoneração; mais tarde, Wengorovius, veio dizer que nunca afirmou que o ministro da Educação sabia que Félix não era licenciado, pelo que só um “mal-entendido” poderia justificar que assim apareça descrito na comunicação social. Indo por partes e munidos com uma grelha de revisão deste episódio sempre podemos dizer:
- Ninguém que alega ter emails sobre um determinado tema vem depois dizer que afinal foi um “mal-entendido” e que essas mensagens não existem;
- Ninguém que vê escarrapachado o seu currículo em Diário da República referindo duas licenciaturas que não tem, pode vir dizer que nunca disse que era licenciado;
- Ensina-nos a ciência comportamental que ninguém nega algo com o seu discurso enquanto afirma corporalmente o seu contrário, sem estar a contornar a verdade. Foi o que fez Brandão Rodrigues. Para além de atrapalhado e muito evasivo a todas as questões colocadas em entrevista esta semana na SIC sobre este tema, ao minuto 9’23’’ o ministro, referindo-se às duas licenciaturas que Félix não concluíra, disse “mantenho e reafirmo: eu não sabia desse facto”, enquanto com a cabeça acenava positivamente e replicava esse aceno com as mãos, cortando o ar verticalmente com a mão direita firme e hirta.
Como diria Jorge Jesus, no nosso país a Educação não foi “bocejada pela sorte”, o que pode muito bem contribuir para que os nossos jovens comecem também a bocejar para ela.