A visita da semana passada do primeiro-ministro, António Costa, à República Popular da China revestiu-se de grande solenidade, o que prova o empenho de ambos países no aprofundamento das relações entre os dois Estados. Se é verdade que foi dado um grande enfoque ao reforço das relações económicas, isso não tirou a novidade das diplomacias cultural e científica também terem sido prioridades levadas na bagagem da representação portuguesa.
Verifica-se que numa visita a um país com relações históricas seculares com Portugal não foi o argumento do histórico, nem o dos encontros prolongados o mais usado. Tampouco foi a ideia de que falar de economia chega. A importância desta visita está exatamente na aposta que ambos governos fizeram na mudança de imagem recíproca e na vontade de provocar sinergias positivas.
No âmbito das relações económicas, há a destacar alguns pontos de ação. No caso das relações comerciais, refira-se a tentativa de implementar um centro de logística português na China continental, mais propriamente em Cantão, e a abertura de uma rota de voos diretos Lisboa/Pequim, visando o incremento das visitas turísticas a Portugal. No que concerne ao investimento direto chinês, o esforço de incutir a diversificação das áreas de investimento (incluindo a indústria como um dos possíveis destinos desse investimento) e de promover a instalação de empresas chinesas a operar em Sines. No que se refere à ciência, tecnologia e empreendedorismo, uma novidade: a sua inclusão no “pacote” da diplomacia económica.
Trata-se da negociação de iniciativas comuns nestas áreas, coincidindo numa cooperação triangular, abrangendo África e América Latina. Este aspeto não é de todo despiciente num contexto em que a China apostou a sua projeção no Pacífico, mas tem tido sérias dificuldades em conseguir resultados similares no Atlântico. O relevo dado à ciência e tecnologia é de tal ordem que se vislumbra a possibilidade de a China apostar no Porto da Praia da Vitória, na Ilha Terceira, como plataforma logística, e nas indústrias tecnológicas em vários pontos de Portugal, o que não deverá excluir os Açores. Esta possibilidade de implementação de negócios chineses em pleno Atlântico tem estado bastante patente também na campanha eleitoral dos Açores.
No âmbito das relações culturais, a realçar os acordos com vista à criação de centros de linguística e de cultura, e a realização de um festival de cinema, já não apenas ancorados em Macau. Igualmente, a China tem dado passos muito interessantes no que respeita à sua divulgação junto das comunidades lusófonas, nomeadamente através do lançamento do portal da agência de notícias Xinhua em português, cerca de dois meses antes da visita do primeiro-ministro António Costa.
Mas o que mudou no enquadramento português e chinês para que 2016 seja o ano propício a esta visita e a estas negociações? Afinal, trata-se do ano em que se prevê que se acentue o abaixamento do crescimento do produto interno bruto chinês e que Portugal apresenta valores de crescimento, que afirmam os mercados internacionais, são pouco atrativos para os investidores. O que mudou então?
Mudou a trajetória das exportações e importações recíprocas que, desde 2014, tiveram em primeiro lugar, os produtos de média-alta intensidade tecnológica, o que contesta a ideia de económicas exportadoras em produtos de baixo valor incorporado. Alterou-se a importância que ambos países dão ao sector tecnológico na economia dos seus países e a forma como veem que poderão manter níveis de crescimento económico sustentáveis.
Alterou-se também a visão que ambos países ganharam um do outro. Portugal percebeu que para si é essencial ter uma base de apoio que o projete a Oriente, onde estão as economias mais dinâmicas. A China entendeu que Portugal pode ser uma excelente plataforma para expandir a sua influência económica e política no Atlântico, que foi sempre deficitária nas suas relações externas. A convergência destes dois países significa o pleno entendimento de que a geoeconomia e a geocultura podem fazer para projetar países que, sozinhos, caminharão muito lentamente em espaços que lhe podem ser adversos.
A posição geoestratégica que Portugal soube converter em valor cultural e económico é essencial para as relações com um país com a dimensão da China, que pretende o reforço do seu ‘soft power’ em várias áreas do globo. A perspetiva do valor geoeconómico e geocultural da China para Portugal também é algo novo e essencial para uma economia que precisa de se diversificar.