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Fisco apanha 29 mil empresas que retiveram IRS dos trabalhadores

Número de sociedades que falharam entrega de retenções na fonte subiu 23% em 2016. Fiscalistas apontam problemas de liquidez nas pequenas empresas.
16 Junho 2017, 06h50

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) detetou no ano passado perto de 29 mil empresas que não entregaram ao Estado as retenções na fonte de IRS dos trabalhadores. O número de sociedades que retiveram ilegalmente o imposto descontado aos funcionários aumentou 23%. Em causa estão várias dezenas de milhões de euros.

Os dados facultados ao Jornal Económico pelo Ministério das Finanças mostram que o controlo realizado nos dois últimos anos permitiu identificar 23.386 empresas em situações de incumprimento em 2015, número que aumentou para 28.662 empresas em 2016, com mais 5.276 contribuintes em falta na entrega de retenções de IRS dos funcionários.

Ao todo, a Autoridade Tributária (AT) controlou as declarações que mensalmente recebe de mais de 450 mil empresas.

Para o fiscalista João Espanha, sociedade Espanha e Associados, o número das empresas que falharam a entrega de retenções de IRS em 2016 não parece “muito significativo”, mas “pode indiciar um aumento das dificuldades de tesouraria de pequenas empresas – a que não será estranho o difícil ambiente económico, o aumento de novas empresas com incipiente capitalização e a dificuldade de acesso ao crédito” (ver entrevista ao lado).

Também João Ascenso, fiscalista da Miranda & Associados, aponta os “problemas de liquidez”, naquilo que designa como “manta curta”, por não haver dinheiro para tudo. “Não tendo disponibilidade de caixa para proceder a todos os pagamentos – e não tendo interesse ou possibilidade de se endividarem para cumprir atempadamente as suas obrigações – pode acontecer que os administradores tenham de escolher se pagam aos seus trabalhadores e fornecedores e continuam a desenvolver a sua atividade, ou se, pelo contrário, cumprem as suas obrigações para com a AT, mas falham outros pagamentos essenciais para manterem as portas abertas”, afirma.

João Ascenso explica que a entrega ao fisco das retenções na fonte não ocorre no momento em que o salário é pago, mas até ao dia 20 do mês seguinte. Este facto, realça, leva a que as empresas que só tenham dinheiro para pagar os salários líquidos dos trabalhadores o façam atempadamente, esperando conseguir ter dinheiro no mês seguinte para entregarem os montantes correspondentes às retenções na fonte.

“Tanto para mais que a falta de pagamento à AT não leva ao encerramento imediato da atividade, ao passo que a falta de pagamento a trabalhadores/fornecedores pode levar a esse encerramento”, acrescenta.

O fiscalista da Miranda & Associados realça ainda que, apesar dos sinais de recuperação da economia, “uma parte significativa do tecido empresarial português acumulou muitas dívidas durante o período de crise e só agora começa a retomar a sua ‘atividade normal’”.

Por esta razão, conclui, “existem muitas empresas que continuam com problemas de liquidez, o que as coloca na situação de terem de escolher entre pagar a fornecedores/ trabalhadores ou terem de pagar à AT”.

Controlo mais apertado

A não entrega das retenções na fonte do IRS é apontada pela administração fiscal como um dos tipos de fraude mais agressivos. O fisco apertou o controlo destas situações a partir de 2013, com a introdução de uma nova obrigatoriedade de entrega de uma declaração mensal de remunerações – até então era feita anualmente –, que inclui os valores das retenções de IRS e também as informações sobre as contribuições para a Segurança Social.
O objetivo é detectar cada vez mais cedo situações de apropriação indevida das retenções de IRS com o envio até ao dia 10 do mês seguinte da declaração onde as empresas têm de identificar todos os rendimentos pagos a cada trabalhador (incluindo os isentos ou não sujeitos a imposto), bem como o valor da retenção na fonte.

Esta medida abrange também as entidades que processam rendimentos sujeitos ao regime especial de tributação, como é o caso das gorjetas quando não atribuídas pelas entidades patronais – que são sujeitas a tributação autónoma à taxa de 10%. As alterações inserem-se na intensificação de troca de infracções entre o fisco e a segurança social, uma pretensão que já tinha vários anos, mas que ainda não tinha sido concretizada até 2013.

A falta de entrega da retenção na fonte é sempre punível com coima que pode ascender a quatro vezes o montante do imposto em falta. Além disto, os responsáveis das empresas detetadas em falta arriscam ainda uma pena de prisão até cinco anos, já que esta situação está classificada como crime de abuso de confiança.

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