“Um grande poder acarreta uma grande responsabilidade”. A frase tem vários autores ilustres, desde Churchill a Jesus Cristo, mas a versão que conquistou a imortalidade (“With great power comes great responsibility!”) é a de Benjamin Parker, o “Tio Ben” de Peter Parker, mais conhecido como Homem-Aranha.
A noção é central na filosofia política e no exercício da política em democracia, onde a preocupação em equilibrar um poder com outros poderes e em construir formas de escrutínio, controlo, limite e responsabilização de todos os poderes é tanto maior quanto maior for o seu alcance.
Nenhum sistema político moderno defende a concentração de poderes numa só pessoa ou organização e muito menos uma concentração de poderes isenta de escrutínio. Apesar disso, assistimos hoje a uma concentração crescente de poder na mão de um número limitado de empresas globais que, precisamente devido ao seu carácter global e à sua não-territorialidade, não são submetidas a nenhum escrutínio digno desse nome e cujo poder não é praticamente limitado por nenhuma instância jurídica ou outra.
De uma forma geral, olhamos com complacência estes poderes, que nos parecem benignos e que nos fornecem a baixo preço serviços sem os quais hoje viveríamos dificilmente. Mas qual é o verdadeiro preço que estamos a pagar?
Nos últimos meses, foram publicados na imprensa vários artigos sobre o envolvimento de empresas especializadas em guerra psicológica nas campanhas de Donald Trump nos EUA e do referendo do Brexit no Reino Unido. Estas empresas, ligadas aos meios da direita e extrema-direita globais, podem ter influenciado o comportamento de votantes indecisos através de campanhas de publicidade online extremamente eficazes, construídas com base em dados coligidos, nomeadamente através do Facebook, que permitem conhecer os valores, gostos, atitudes e comportamentos de grupos de pessoas mesmo sem conhecer a identidade pessoal dos seus membros. A questão é que um poder desta dimensão, capaz de manipular o comportamento de massas, exige um enorme escrutínio e controlo, sem o que a nossa actual e imperfeita democracia se pode ir transformando, insensivelmente, num sistema totalitário onde apenas julgamos fazer escolhas livres.
O Google, por seu lado, determina hoje quase toda a informação a que temos acesso. No passado, jornais e TV com um poder infinitamente menor, eram submetidos a regras estritas para limitar a sua influência, mas o Google, escudando-se atrás de uma falsa neutralidade dos seus algoritmos, possui um poder virtualmente ilimitado de manipulação de crenças e comportamentos. O debate sobre o controlo destes poderes é essencial, se queremos manter alguma esperança de democracia.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.